A MALIGNA DOUTRINA


Pelo avesso dos fatos e da história, a maligna doutrina foi sendo reapresentada como coisa de gente moderna, cuca fresca.

A Coreia do Norte, onde só existe o Partido dos Trabalhadores da Coreia, é governada há mais de meio século por uma espécie de monarquia comunista que já está na terceira geração. Segundo Human Rights Watch, os norte-coreanos são as pessoas mais brutalizadas no mundo. A sociedade é organizada em castas segundo a lealdade ao regime. Comparada a ela, até Cuba se transforma em paraíso de luxuriantes e extravagantes liberdades. Pois bem, quando, em dezembro de 2011, morreu Kim Jong-il (ditador cujos campos de concentração fariam inveja a Stalin), o PCdoB, em meio a soluços, pranteou mensagem de condolências aos camaradas pela irreparável perda. Agora, nestes dias, o tiranete que herdou do pai a propriedade do país como se fosse fazendola, ou relógio de estimação, rufa tambores de guerra. Guerra nuclear. E novamente o PCdoB, anunciando endosso do PT e do PSB (que juram não haverem endossado coisa alguma), mais a UNE, o MST e diversas organizações de calibre semelhante, manifestam-se em "irrestrito e absoluto apoio" a Kim Jong-un qualificando sua atitude belicosa como ato de soberania e dignidade.

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Ruim, não? O sujeito viu o muro de Berlim ser erguido e tinha certeza de que o lado de lá era melhor do que o de cá. Torceu pela União Soviética, pela China maoísta, pelos vietcongs, pelo Khmer Vermelho, pelas Brigate Rosse. Vestiu camiseta do Che. Colou no guarda-roupa fotos do Danny le Rouge. Sacudiu bandeirinha de Cuba. Atendendo apelo de Fidel, passou uma temporada lá, em 1969, cultivando cana. Vociferou contra a Primavera de Praga. Aplaudiu as ações dos tanques chineses na Praça da Paz Celestial. Bebeu champanhe no September 11. Fez tudo direitinho. Votou no partidão e no partidinho. Imaginou? Agora, veja bem o que aconteceu com ele. Seus atuais porta-vozes e líderes são tipos como Lula, José Dirceu, Hugo Chávez, Daniel Ortega, Evo Morales, Ahmadinejad, Kim Jong-un. Pensa numa democracia construída sobre aquelas idéias. Não há. Busca livro que junte os cacos e reorganize consistentemente uma visão de mundo sobre tais bases. Nada. Procura um estadista de boa estirpe para seguir. Ninguém. Dureza! O comunismo nunca foi melhor.
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Pois bem, cem milhões de mortos depois, contado um século inteiro de fracassos, o Brasil deve ser dos raros países onde dizer-se que alguém é anticomunista soa como desqualificação. Coloca a vítima do adjetivo no rol dos retardados intelectuais. Vale por um tiro na nuca. Perceba, leitor, a engenhosa malícia capaz de produzir uma coisa dessas. Malícia lograda mediante persistente trabalho desenvolvido na imprensa, nas salas de aula, nos comentários políticos, nas conversas de botequim e no ambiente cultural. Comunista come criancinha? Quá, quá, quá! Graças a essa conjugação de ironias e sofismas, a carga esmagadora das monstruosidades praticadas em nome do comunismo foi jogada na vala comum com seus fracassos. Pelo avesso dos fatos e da história, a maligna doutrina foi sendo reapresentada como coisa de gente moderna, cuca fresca. Chega-se, por fim a duas realidades contraditórias: numa, o comunismo, seus símbolos, organizações políticas e ilusórias mensagens trafegam com desenvoltura, leves de qualquer carga histórica, no ambiente social e político do país; noutra, convivem, esplendidamente, com a ideia de que ele mesmo acabou e não tem mais qualquer plano, projeto, estratégia ou significado entre nós. Pode haver significado, estratégia, projeto ou plano mais perfeito?


Publicado no jornal Zero Hora.

Do Mídia Sem Máscara de 21-4-2012.

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