Ricardo Kotscho
Publicado em 03/05/12 às 12h04
SE É P'RA BLINDAR TUDO P'RA QUE A CPI?
Imagens: José Cruz e Roosewelt Pinheiro/ABr
(Montagem R7)
A palavra da hora em Brasília é blindagem. Está
tudo blindado para que nada aconteça de imprevisto. Mas se é para ser assim, por
que criaram a CPI do Cachoeira, com o apoio da ampla maioria de parlamentares de
todos os partidos, na Câmara e no Senado?
Se for para investigar só a holding da
contravenção montada por Carlinhos Cachoeira, é perda de tempo, pois a Polícia
Federal e o Ministério Público já fazem isso há dois anos, apuraram tudo, o
inquérito foi enviado ao STF e o acusado está preso.
Seu parceiro e braço parlamentar, o quase
ex-senador Demóstenes Torres, já está no corredor da morte política só esperando
a hora da degola.
Depois de três meses de vazamentos deste
inquérito noticiados diariamente pela imprensa, esperava-se que a CPI fosse
ampliar o leque, investigando outros tentáculos do grande polvo da corrupção
criado por Cachoeira nos três poderes, em grandes empresas privadas e na
imprensa, mas o relator Odir Cunha (PT-MG) já avisou nesta quarta-feira, logo na
abertura dos trabalhos, que podemos tirar o cavalinho da chuva.
"A agenda prioritária buscará caracterizar a
organização criminosa do senhor Carlos Augusto Ramos", decretou Cunha. E ainda é
preciso caracterizar alguma coisa depois de tudo o que já foi
apurado?
Nós temos o direito de saber o que ainda não
veio a público, ou ficou escondido nos rodapés dos jornais _ como, por exemplo,
as relações do contraventor com setores da imprensa, uma tabelinha entre fontes
e repórteres que atendia a interesses comuns.
Antes que os integrantes da CPI armassem seu
esquema de blindagem para proteger aliados, os principais orgãos da imprensa
brasileira já tinham feito o mesmo, defendendo em bloco e atacando em massa. A
participação de profissionais e veículos na história simplesmente sumiu do
noticiário.
A dobradinha formada por Cachoeira e jornalistas
da revista "Veja" ficou evidente em pelo menos dois episódios que provocaram as
maiores crises políticas no governo Lula: a gravação da conversa do contraventor
com Valdomiro Diniz, assessor do então ministro José Dirceu, e as cenas da
corrupção flagradas nos Correios, que deram origem ao mensalão.
Nos dois casos, o contraventor ofereceu de
bandeja aos profissionais da revista as imagens em que se basearam as denúncias,
gravadas por arapongas a seu serviço, mantendo a partir daí uma relação
constante para plantar notícias.
Isso não mereceria pelo menos uma investigação?
Até que ponto o grande bicheiro tinha influência sobre o que a revista publicava
ou deixava de publicar para atacar inimigos e defender interesses comuns?
Bastaria comparar o conteúdo e a época das gravações das conversas mantidas por
seus jornalistas com Cachoeira e o que foi publicado pela "Veja".
Pelo jeito, não pensa assim o relator Odir
Cunha, que já prometeu não fazer uma "caça às bruxas", excluindo juízes,
jornalistas e procuradores do rol de pessoas que devem ser convocadas pela CPI.
Se não quer caças as bruxas, vai caçar o que? As princesas?
Dos poucos parlamentares que ainda insistem no
assunto, o deputado Paulo Teixeira, ex-lider do PT na Câmara, quer ouvir
jornalistas que "foram cooptados pelo esquema Cachoeira". Sem citar nomes,
Teixeira disse à Folha que "isso tem que ser investigado pela CPI".
A simples menção de serem ouvidos também
jornalistas pela CPI já provocou uma gritaria danada de colunistas e
editorialistas amestrados, acenando com a ameaça de volta da censura e
restrições à liberdade de expressão, como de costume.
Na Inglaterra velha de guerra, ninguém pensa
assim. Velhos homens de imprensa não são considerados inimputáveis. Ainda na
terça-feira, o Parlamento britânico divulgou um relatório considerando Rupert
Murdoch, 81 anos, um dos maiores magnatas da mídia, "inapto a comandar uma
grande empresa multinacional".
Murdoch já estava sendo investigado desde julho
do ano passado, após a denúncia de que um dos seus jornais, o tablóide "News of
the World", grampeava celulares de celebridades para obter informações. E não
foi publicado nenhum editorial contrário às investigações e em defesa da
liberdade de expressão.
Aqui no nosso Brasil, a Associação Nacional dos
Jornais, entidade patronal que lidera o combate a qualquer tentativa da
sociedade de regulamentação da imprensa, publica hoje um anúncio em comemoração
ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
O título: "Liberdade é assim: quanto mais você
tem, mais difícil viver sem ela".
Se fossem mais fiéis aos fatos, melhor fariam se
mudassem este texto para:
"Liberdade é assim: quanto mais nós (da ANJ)
temos, mais nós (da ANJ) queremos ter".
Porque, na verdade, liberdade de imprensa
deveria ser um bem de toda a sociedade, mas o que temos no Brasil hoje é a
liberdade de empresa para meia dúzia de famílias tradicionais que dominam o
setor.

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