-O Estigma de Um Povo-


                                   Por Estênio Negreiros


Sabemos que a miséria é uma das pragas mais presentes no mundo, principalmente em países da África, da Ásia e da América do Sul. Suas causas são as mais diversas e estão descritas nos anais das ciências sociais e humanas, não nos cabendo aqui apontá-las, mesmo porque nos falecem conhecimentos mais aprofundados sobre esse tema. 
No Brasil, ela está presente, em maior ou menor grau, em todas as regiões.
Neste artigo, nos limitaremos a tratar, mesmo que superficialmente, sobre a miséria vivida pelo povo sertanejo de um dos estados mais pobres da nossa Federação, situado na região semi-árida nordestina, o Estado do Ceará, cuja “primeira investida organizada de exploração fez-se em 1603” 1 por Pero Coelho de Sousa. Sua fundação oficial se deve a Martim Soares Moreno, em data de 20 de janeiro de 1612. Sua origem histórica é abundantemente relatada por dezenas de renomados historiadores, dentre eles Capistrano de Abreu, José de Alencar, Alencar Araripe, Tomás Pompeu de Souza Brasil, Joaquim Catunda, Raimundo Girão e muitos outros. Sua História é riquíssima em acontecimentos de repercussão nacional que influenciaram os destinos da nossa Nação, como a Libertação dos Escravos, por exemplo, para citar apenas este.
O escritor Euclides da Cunha (1866-1909), em seu majestoso livro “Os Sertões”, qualifica de “retardatários” da civilização os milhares de pobres do campo que se rebelaram, durante um longo período da nossa História, contra a opressão e a injustiça causando uma seqüência de crises de ordem econômica, ideológica e de autoridade em várias partes do Interior do Brasil, com maior ênfase na Região Nordeste. Foram fases dolorosas que marcaram indelevelmente a vida do sofrido povo nordestino. O mesmo autor de “Os Sertões” diz também que “... o heroísmo tem nos sertões, para todo o sempre perdidas, tragédias espantosas”. De fato, se possível fosse projetarmos como numa tela cinematográfica a pungente saga do sertanejo nordestino, assistiríamos a um desenrolar de inglórios sucessos. O seu eterno algoz é a seca, a causa fundamental de todos os seus infortúnios. Sua convivência com essa irregularidade climática remonta a muitos séculos, muito embora a ocorrência de secas no Ceará passe a ser oficialmente registrada somente a partir de 1692. Daquele ano aos tempos atuais, ocorreram cerca de cinqüenta delas neste Estado. Suas causas ainda se perdem no “terreno incerto, duvidoso, às vezes fantasioso das hipóteses científicas”. 2 À reboque delas sempre vêm a fome, a miséria e as doenças. Nos anos de 1824/1825, associou-se àquela terrível estiagem, uma das piores de todos os tempos, a fome, a guerra civil e a peste da bexiga, uma espécie de varíola que não tinha cura. Estima-se que naqueles dois anos a população cearense tenha sido reduzida em 1/3, pelos efeitos das mortes pela fome, pela doença, pela guerra, pelos assassínios e ainda pela emigração e pelo recrutamento. Fazendas foram abandonadas e os sertões ficaram completamente desertos. Uma das mais prolongadas, que durou quatro anos, ocorreu entre 1790 e 1793. Naqueles anos, foi tão grande a fome que os sertanejos foram obrigados a comer urubus, carcarás, cobras, ratos, couros de bois, xique-xique, mandacarus, mandioca brava, etc. Mulheres eram obrigadas a vender a honra para ter o que comer. Houve até mesmo casos de antropofagia, como o de um infeliz irmão que, no Município de Lavras, procurou “vender ou trocar por farinha um resto de carne humana de que se alimentava. Alguns cadáveres foram encontrados que conservavam nos membros semidevorados os sinais de extremo desespero das vítimas da fome.3.
O seu outro verdugo é o monopólio da terra pelos grandes proprietários. Dizia Luiz Carlos Prestes (1898-1990) que “... está no latifúndio, na má distribuição da propriedade territorial, no monopólio da terra, a causa fundamental do atraso, da miséria e da ignorância do nosso povo.”

Estes dois fatores antes citados são as principais causas da fuga do sertanejo nordestino para outras plagas em busca da sobrevivência. Essa fuga, principalmente para os centros urbanos mais desenvolvidos, provoca o inchaço demográfico, agravando ainda mais as mazelas e as misérias de ordem social e econômica do País, desaguando no aviltamento moral do homem, o primeiro passo para a deflagração da violência como assistimos neste momento da nossa história.
Quedamo-nos sempre a questionar o por quê de determinados povos ou pessoas carregarem em si o estigma do sofrimento ou da violência. Muitos há que chegam a pôr em dúvida a Misericórdia Divina ao permitir, argumentam, que uns vivam indefinidamente na bonança e no gozo das coisas terrenas, enquanto outros, ao contrário, só de amarguras atravessem toda uma existência terrena. Por que o sertanejo nordestino, a exemplo de outros povos, como os nossos irmãos africanos, estão fadados a viver, podemos dizer, em luta permanente contra a miséria e a fome? Por culpa e/ou injustiça de Deus? Evidentemente, não, pois Ele é isento de todo e qualquer atributo de natureza inferior, por tratar-se de um Ser eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom. Nenhum de nós que habita este velho Planeta de provas e expiações está isento de culpas. Cada um de nós tem atrás de si um pretérito delituoso pelo qual temos responsabilidade perante Deus. Por havermos recebido Dele a faculdade moral do livre-arbítrio, somos responsáveis diretos pelas nossas dívidas e delas não temos avalistas.
A Doutrina Espírita tem a chave para a explicação da questão na tese lógica e racional da justiça da reencarnação ou palingenesia. Por meio dela temos a oportunidade de resgatar nossos vultosos débitos, contraídos durante inumeráveis jornadas no corpo carnal, pela violação das leis morais ditadas pelo Criador do Universo. Somos regidos tanto pela Lei de Ação e Reação, segundo a qual “a cada um será dado de acordo com as suas obras” quanto pela Lei da Evolução que nos assegura a certeza do evolver moral que nos conduzirá à perfeição dos Puros Espíritos.
 

Bibliografia:
  1. Raimundo Girão em Evolução Histórica Cearence
  2. Idem, ibidem.
  3. Idem, ibidem.

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