SEGUNDA EDIÇÃO DE TERÇA-FEIRA, 04 DE DEZEMBRO DE 2018

NO ESTADÃO
EUA recebem documentos sobre inquérito dos Portos
Empresa canadense procurou Departamento de Justiça americano para colaborar com apurações sobre supostas propinas a Temer e MDB
Por Beatriz Bulla e Fábio Serapião, no O Estado de S.Paulo
Terça-feira, 04 Dezembro 2018 | 05h00
WASHINGTON e BRASÍLIA - O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, na sigla em Inglês) possui informações sobre o inquérito dos Portos. O caso brasileiro chegou às autoridades americanas depois que a empresa sócia da Rodrimar em operação de um dos terminais do Porto de Santos decidiu colaborar de forma espontânea com a justiça americana.
O relatório de conclusão do inquérito do caso feito pela Polícia Federal aponta indícios da prática dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa por parte do presidente Michel Temer e de outras dez pessoas. 
A decisão de levar o caso aos EUA foi encabeçada pela gigante canadense Nutrien, empresa do mercado de fertilizantes. A empresa é sócia majoritária da Rodrimar no grupo Pérola – sociedade formada para operar um terminal em Santos – pela subsidiária PCS Fosfatos do Brasil. 
A Nutrien tem ações listadas na bolsa de Nova Iorque e teve receio de as investigações atingirem sua atuação nos EUA, o que a fez encaminhar ao DoJ informações que vinha prestando de forma espontânea à Procuradoria-Geral da República, no Brasil. Segundo o Estado apurou, os americanos não fizeram diligências sobre o caso dos portos, aguardando os desdobramentos da investigação brasileira. A entrega de documentos foi uma antecipação para mostrar que a empresa vai cooperar, caso os americanos decidam entrar no caso e processar os envolvidos.
Os executivos do grupo Pérola não foram indiciados no inquérito da PF, mas o delegado Cleyber Malta solicitou no relatório final do caso a abertura de um novo inquérito policial para apurar o repasse de R$ 375 mil da empresa para o escritório de advocacia de Flávio Calazans.
Em depoimento à PF, o Calazans assumiu ter recebido dez parcelas de R$ 37,7 mil, entre 2014 e 2015, da Pérola S.A. O advogado admitiu ter emitido notas frias do seu escritório para dissimular a transação. O dinheiro, afirmou, foi encaminhado para contas de outras empresas, entre elas, a Link Projetos, investigada por escoar propina de empreiteiras para políticos do MDB.
Aos americanos, a empresa canadense entregou e-mails e documentos relacionados à operação em Santos, como a documentação que mostra pagamentos feitos para o escritório de advocacia de Flávio Calazans. Como mostrou o Estado, o dinheiro pago pela empresa a Calazans foi parar na conta de uma empresa de fachada usada para escoar propina de políticos do MDB. A transação foi investigada no inquérito dos Portos. A empresa também entregou conversas com pessoas da Rodrimar que podem interessar às autoridades brasileiras e americanas e detalhou saques em espécies feitos no Brasil.
Denúncia 
O Pérola, formado em 2005 para atuar em um dos terminais do Porto de Santos, também tem colaborado com a procuradoria. O material entregue pela empresa pode ser usado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em caso de uma denúncia contra Temer com base na investigação sobre o decreto dos portos, finalizada pela PF.
O Departamento de Justiça americano não confirma, nega ou comenta a existência ou não de investigações em curso. Questionada sobre a cooperação com os EUA, a Nutrien respondeu que a empresa “está ciente do inquérito dos portos da Polícia Federal do Brasil e do relatório de investigação”. “A Nutrien tem participação no capital da Pérola e leva a sério a questão da corrupção. Nossa empresa continua a cooperação com autoridades e fornecer assistência conforme necessário”, informou a empresa.
A entrada dos americanos em uma investigação brasileira não seria novidade. O DoJ já participou de investigações criminais e fez acordos com empresas, junto com o Brasil, como no caso da Odebrecht na Lava Jato. No caso da empreiteira, a pressão dos americanos acelerou o processo de acordo. Os americanos ficaram com cerca de 10% dos R$ 6,8 bilhões de multa que a Odebrecht concordou em pagar ao Brasil, EUA e Suíça.
A legislação americana dá aos investigadores locais uma jurisdição ampla para casos de corrupção fora do país. Basta que uma empresa tenha ações na bolsa ou que uma comunicação do ato de corrupção tenha sido feita em servidor de e-mail baseado nos EUA, por exemplo, para que o DoJ possa atuar. 
A Rodrimar informou que não é responsável pela administração da Pérola, sendo sócia minoritária não respondendo pelos seus contratos. “No mais, os esclarecimentos relacionados ao inquérito dos portos serão apresentadas no local e momento apropriados.” A Pérola S/A negou qualquer relacionamento com o DoJ no âmbito do inquérito dos Portos. Ela diz ter fornecido “todas as informações solicitadas oficialmente pelas autoridades brasileiras.”

NO BLOG DO JOSIAS
STF analisa hoje o 5º pedido de soltura de Lula, agora por causa de Moro
Por Bernardo Barbosa, Mirthyani Bezerra e Nathan Lopes, do UOL, em São Paulo 
Terça-feira, 04/12/2018 04h00 Atualizada em 04/12/2018 07h32
Desde que foi condenado em segunda instância no processo do tríplex, o que o levou a ser preso no dia 7 de abril deste ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tentou obter a liberdade em ao menos cinco oportunidades junto ao STF (Supremo Tribunal Federal). A quinta será julgada pela mais alta Corte do País nesta terça-feira (4), a partir das 14h. Lula também já tentou deixar a prisão com recursos nas instâncias inferiores, como STJ (Superior Tribunal de Justiça) e TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), mas também não teve sucesso. Os argumentos contra a reclusão do líder petista variaram da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância a sua candidatura - barrada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) - à Presidência da República na eleição de 2018. 
Já nesta terça, a Segunda Turma do Supremo irá avaliar um recurso que contesta a imparcialidade do ex-juiz Sérgio Moro nos processos da Lava Jato que ele conduziu na Justiça Federal no Paraná. A tese é sustentada com base no fato de Moro ter aceitado o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para ser ministro da Justiça. Os advogados querem anular o processo do tríplex, suspender seus efeitos e conseguir a liberdade do ex-presidente.
Se a defesa tiver uma resposta positiva, essa seria a primeira vez que o Supremo atenderia uma solicitação para tirar Lula da Superintendência da PF (Polícia Federal) em Curitiba. Assim como ocorre em todos os julgamentos das turmas do STF, a sessão desta terça não será televisionada, mas poderá ser gravada. Participarão do julgamento os ministros Edson Fachin (relator), Cármen Lúcia, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski (presidente da Turma). 
1º recurso começou antes da prisão e ainda não terminou 
O primeiro revés da defesa de Lula foi justamente o que o levou a ser preso no dia 7 de abril. No início da madrugada do dia 5, por maioria simples -- seis votos a cinco --, o plenário do STF negou recurso da defesa do ex-presidente contra prisão após condenação em segunda instância. O TRF-4 e Moro autorizaram o cumprimento da pena de Lula no final da tarde do mesmo dia, e Lula se entregou à PF dois dias depois. Nesse mesmo processo que resultou na prisão de Lula, a defesa entrou, em junho, com embargos de declaração contra a decisão do plenário. O julgamento foi feito de maneira virtual, isto é, com os ministros lançando seus votos diretamente no sistema do Supremo. Um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski suspendeu o julgamento virtual. Ele liberou o processo dez dias depois, sugerindo ao presidente do STF, Dias Toffoli, que antes de apreciar o caso de Lula, paute as ações que analisam a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância. O julgamento desses embargos ainda não foi retomado e, em outras palavras, ainda pode vir a soltar Lula. 2 ações evocavam análise sobre prisão em 2ª instância 
Após a ordem para que Lula fosse preso, no dia 5 de abril, mas antes que ele se entregasse, a defesa entrou com uma nova ação para evitar a prisão até que recursos pendentes na segunda instância fossem julgados. O ministro Edson Fachin, relator das ações da Lava Jato no Supremo, negou a solicitação. Dias depois, já após a prisão, com o mesmo argumento de haver recursos pendentes na segunda instância, a defesa apresentou novo recurso ao STF para tentar anular o mandado de prisão expedido por Moro. Fachin, então, encaminhou o tema para apreciação, em julgamento virtual, pela 2ª Turma do Supremo. Em maio, o pedido foi negado por unanimidade pelos cinco ministros da Turma, que, na época, era composta pelos ministros Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli (hoje presidente do STF). Agora a ministra Cármen Lúcia ocupa a posição deixada por ele.
Liberdade ou elegibilidade? 
Com Lula como pré-candidato do PT à Presidência da República, a defesa entrou com um novo recurso em junho, dessa vez questionando a suposta demora do TRF-4 em enviar o processo do tríplex para julgamento pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Pedia, mais uma vez, a liberdade do ex-presidente, sob a queixa de que a prisão dele teria efeitos sobre o processo eleitoral. Fachin, relator da ação, entendeu que a questão envolvia não apenas a liberdade de Lula, mas uma análise sobre os efeitos da Lei da Ficha Limpa. Por isso, em seu entendimento, o tema deveria ser analisado pelo plenário, e não pela 2ª Turma, como queria a defesa, na expectativa de conseguir a liberdade, assim como a defesa do ex-ministro José Dirceu (PT) havia obtido semanas antes. A defesa, então, apresentou um recurso contra a decisão de Fachin de levar o tema ao plenário. O ministro Alexandre de Moraes, responsável pela análise, porém, negou o pedido dos advogados de Lula e manteve o julgamento do tema para o plenário. Com medo de que Lula pudesse ser declarado inelegível, a defesa de Lula acabou desistindo do recurso, o que foi aceito por Fachin. 
De juiz a ministro: saída de Moro motiva 5ª ação 
Logo após Sérgio Moro aceitar o convite de Jair Bolsonaro para ser o futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, a defesa de Lula entrou com um novo recurso no STF argumentando perda de parcialidade do juiz que condenou Lula. Esta ação será analisada nesta terça. Os advogados foram motivados pela notícia de que a campanha do presidente eleito já havia discutido o posto com o magistrado durante a eleição. Na peça, a defesa volta a levantar a tese de que Moro teria sido parcial ao longo da análise do processo do tríplex. Quando Lula foi preso, liderava as pesquisas de intenções de voto para presidente, com Bolsonaro no segundo lugar do páreo. Nessa ação, a juíza que substituiu Moro à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt, enviou um ofício a Fachin dizendo que o futuro ministro já havia negado haver relação entre a condenação de Lula e o fato de ter aceitado o convite para ser titular do ministério no governo Bolsonaro. 
Em entrevista logo após aceitar o cargo, Moro disse que Lula foi condenado e preso “porque cometeu um crime, e não por causa das eleições”. 
Na segunda instância também houve defesa a Moro. O desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, mandou um ofício a Fachin dizendo ser “importante esclarecer” que o convite a Moro foi “posterior à conclusão do pleito eleitoral para Presidência da República de 2018 e, portanto, também posterior ao encerramento da jurisdição desta Corte Recursal [TRF-4] e à remessa dos respectivos agravos em decisão denegatória ao Superior Tribunal de Justiça”.

'Não somos o governo cubano', dizem médicos que querem ficar no Brasil
Por Alex Tajra do UOL, em São Paulo 
Segunda-feira, 03/12/2018 | 19h08
“Queremos esclarecer e lembrar ao Brasil que não somos o governo cubano”. 
É com esta frase que dezenas de médicos cubanos que atuam no Brasil – e aqui desejam permanecer – abrem uma carta endereçada ao “povo e à sociedade civil brasileira”. O texto, o qual a reportagem do UOL teve acesso, ainda versa sobre questões como o preconceito da elite brasileira para com os médicos cubanos e reforça a competência dos profissionais, que são formados em “universidades reconhecidas internacionalmente até pelo próprio Brasil em tratados bilaterais”.
Segundo apurou a reportagem, o texto, que data do último sábado (1º), foi compartilhado em diversos grupos nas redes sociais, órgãos do governo e políticos, como o deputado federal Alan Rick (PRB). Rick, que faz parte da bancada evangélica, era crítico da presença de Cuba no Mais Médicos e já afirmou que o programa “financiava a ditadura cubana”.
Na carta, os médicos esclarecem que a decisão de permanecer no País não tem nenhum viés político e exprime somente o desejo de ficar e zelar pela saúde das pessoas. “Somos esses profissionais que ajudaram a cuidar da saúde do Brasil com sucesso, somos pessoas, amigos, vizinhos, gente comum. Criamos nossas famílias no Brasil e decidimos fazer dos brasileiros o nosso povo”, diz o texto. O documento ainda explicita algumas contradições as quais os médicos cubanos enfrentaram durante estes anos no País. Segundo os médicos, hoje “o Brasil tem uma controvérsia: nos acolhe e nos discrimina ao mesmo tempo; nos brindam com asilo ou refúgio, mas não nos dão a possibilidade de trabalhar”. 
A carta foi assinada por mais de 70 profissionais, todos residentes no Brasil e em situações diferentes. Alguns já têm a cidadania brasileira, outros apenas um visto de trabalho e muitos estão em processos de obtenção dos documentos para poder viver no Brasil de forma regular. 
“A única coisa que queremos é os mesmos direitos dos médicos brasileiros. Nessa carta temos de tudo, refugiados, residentes permanentes, os que já estão nacionalizados”, disse ao UOL o médico cubano Nilvado Montero Rodríguez, um dos signatários da carta. 
Entre as demandas dos cubanos que permaneceram no País, estão uma maior facilidade na “regularização de status migratório, além da possibilidade de continuar trabalhando no programa Mais Médicos enquanto regularizam as exigências do CFM (Conselho Federal de Medicina) e um acesso ao programa igual ao dos brasileiros sem CRM. Rodríguez, assim como outros que assinaram o texto, têm apenas um objetivo em meio ao litígio em que se encontram: “Estou estudando para o Revalida, agora minha vida é essa. Vou estudar, conseguir minha cidadania, fazer o exame como um brasileiro e voltar a trabalhar no Mais Médicos”, diz o médico.

Fim da pasta do Trabalho revela insensibilidade
Por Josias de Souza 
Segunda-feira, 03/12/2018 | 20h44
O compromisso assumido por Jair Bolsonaro com seus eleitores era o de racionalizar o governo, reduzindo a 15 o número de ministérios. Num modelo assim, a extinção do Ministério do Trabalho seria um tema passível de discussão. Mas o enxugamento da máquina estatal virou conversa mole de campanha. Haverá na Esplanada de Bolsonaro mais de 20 ministérios. Num formato assim, mais elástico, acabar com a pasta do Trabalho é uma decisão que oscila entre o erro e a pura maldade. A decisão é errada porque chega num momento em que o trabalho passa por uma revolução. As mudanças conduzem a um futuro com mais computadores do que braços de carne e osso. Na tradução do próprio Jair Bolsonaro vive-se uma era em que o trabalhador será cada vez mais compelido a aceitar um número menor de direitos para ter algum trabalho. Em Português claro, está em curso a implantação de um modelo, digamos, 'empregocida'. Nesse mundo, a legislação trabalhista não consegue mais regular as relações entre capital e trabalho. 
A reforma promovida sob Michel Temer mal foi aprovada e já clama por ajustes. O problema é que, ao extinguir o Ministério do Trabalho, pulverizando suas atribuições em outras três pastas — Economia, Cidadania e até a pasta da Justiça —, Bolsonaro sinaliza um desinteresse que não orna com o tamanho do desafio. Não há dúvida de que o velho paternalismo terá de ser substituído por formas mais modernas de proteção social. Mas a flexibilização deve resultar em racionalização, não num vale-tudo que transforme a globalização num avanço mercantil capaz de devolver o trabalhador ao século 19.

Dodge diz que Temer recebeu propina da Odebrecht, não caixa dois eleitoral
Por Josias de Souza 
03/12/2018 | 20h31
Em manifestação encaminhada ao ministro Edson Fachin, do Supremo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, classificou como propinas os pagamentos que a Odebrecht fez por baixo da mesa para Michel Temer e seus aliados. Pediu ao relator da Lava Jato que reveja sua decisão de enviar o caso para a Justiça Eleitoral, pois o crime cometido é o de corrupção, não o de caixa dois eleitoral, sujeito a penas mais brandas. O processo contra Temer está retido no Supremo à espera do término de sua passagem pelo Planalto. Fachin enviara a encrenca para o escaninho das pendências eleitorais a pedido das defesas de dois amigos e ministros do atual presidente que estão enrolados no mesmo processo: Moreira Franco (Minas e Energia) e Eliseu Padilha (Casa Civil). Ambos alegaram que tudo não passou de contribuição eleitoral. A Odebrecht entregou a Temer e seu grupo R$ 14 milhões. Desse total, R$ 10 milhões foram negociados em 2014 num jantar oferecido a Marcelo Odebrecht no Palácio do Jaburu, residência oficial do então vice-presidente de Dilma Rousseff. Delatores informaram que os recursos saíram do departamento de propinas da Odebrecht. Dodge sustenta que as investigações demonstraram tratar-se de contrapartida da empreiteira às vantagens ilegais que obteve sob Temer. 

NO BLOG DO JOSÉ NÊUMANNE
De quatro em quatro o STF enche a pança
Ao chantagear Temer, deputados e senadores para ter reajuste, STF disse que não tem aumento há quatro anos e omitiu que seus gastos com pessoal quadruplicaram em 20 anos
Por José Nêumanne
Segunda-feira, 03 Dezembro 2018 | 18h30
Tentando justificar o injustificável reajuste de seus subsídios de R$ 33 mil para R$ 39 mil, o Supremo Tribunal Federal (STF) usou como pretexto o fato de seus membros não terem recebido aumento algum nos últimos quatro anos. Nenhuma evidência demoveu seus membros da premência de suas necessidades básicas, que teriam deixado de ser atendidas pela defasagem denunciada. Os vencimentos reajustados agravam a situação precária das contas públicas, que já assombram o distinto pagante com o fantasma de uma despesa em cascata de, no mínimo, R$ 4 bilhões até, no máximo, R$ 6 bilhões. Nem a obviedade de que a proximidade de inadimplência na Previdência e em outros setores do Estado, que pode levar à incapacidade de honrar os compromissos cada vez mais gravosos do Tesouro Nacional, nos enche de pavor neste momento em que 12 milhões de brasileiros estão desempregados. Nem a constatação de que quem tem o privilégio de um emprego seguro na economia real não sabe o que é um aumento desde o início da crise, em 2014.
Dourando a pílula do reajuste, o relator da ação de inconstitucionalidade (Adin) que contesta o privilégio do auxílio-moradia de juízes e procuradores no STF, ministro Luiz Fux, deu uma contrapartida duplamente cínica, ao proibi-lo autocraticamente, mas sem declarar que é inconstitucional. Com isso deu aos seus principais defensores no plenário da cúpula do Judiciário – o presidente Dias Toffoli e o ex-presidente Ricardo Lewandowski – o pretexto ao qual se agarraram para ludibriar os pagantes, por eles tratados como idiotas: o fim das despesas com o privilégio compensaria o rombo necessário para lhes atender os rogos.
A desfaçatez dupla foi construída em cima de falácias aritméticas. Por mais que seja absurdo, o auxílio-moradia não chega a representar um quarto do dinheiro necessário para cobrir o reajuste exigido em absurda chantagem de julgadores contra julgados (deputados, senadores e o presidente da República). A Câmara aprovou, o Senado também e, sem dar a mínima para o apelo de seu sucessor, Bolsonaro, eleito por mais de 57 milhões de votos em outubro, Temer sancionou a lei absurda. E o pior é que essa não foi a única mentira acrescida à chantagem. Toffoli, Lewandowski e outros pedintes garantiram que economias no orçamento na TV Justiça cobririam com folga o reajuste folgazão. Dois coelhos foram abatidos a golpes de uma só cajadada: orçamento menor na TV poderá bancar menos transmissões ao vivo do vexame que são as sessões de plenário transmitidas sempre no meio das semanas. E o argumento segundo o qual o custo orçado do Poder não aumentaria é outra patranha.
Quem duvidar pode consultar aqui mesmo, no Portal do Estadão, a notícia que serviu de manchete de primeira página à edição de domingo, 02 de dezembro último, do jornal: "Judiciário quadruplica gasto com pessoal em duas décadas."
É de bom tom esclarecer ao preclaro leitor que essa conta – reproduzida na linha fina da reportagem publicada na página A4, de abertura da Editoria de Política, "Em duas décadas". Na comparação com Executivo e Legislativo, o Poder Judiciário foi o que mais expandiu os gastos com a folha de pagamento de 1995 a 2017: um incremento de 297% – não inclui o impacto do reajuste cruel. Desta vez, nem é preciso citar o cinismo dos “supremos”. Basta a boutade do presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes, segundo quem “Justiça não pode ser vista como custo”. A questão é se esse pretexto deve provocar risos ou urros de dor, superando qualquer piada que pudesse ter sido dita no STF.
De acordo com publicação do historiador e radialista Marco Antônio Villa em seu canal do YouTube, “em 2016, o Supremo Tribunal Federal custou mais de meio bilhão de reais, para pagar 1.216 funcionários, 306 estagiários e 959 terceirizados. O total varia de um mês para outro, mas nunca é inferior a 2.450 funcionários e a média é de 222 funcionários para cada um dos 11 ministros”. Villa tem repetido esses dados há dois anos em suas participações nos jornais da Rádio Jovem Pan e nunca foi contestado. Sob a pergunta “democracia ou privilegiocracia”, o professor faz questão de enumerar os “terceirizados”. São 25 bombeiros civis, 85 secretárias, 293 vigilantes, 194 recepcionistas, 19 jornalistas, 29 para cuidar de encadernação, 116 serventes de limpeza, 24 copeiros, 27 garçons, 8 auxiliares de saúde bucal, 12 auxiliares de desenvolvimento infantil, 58 motoristas, 7 jardineiros, 6 marceneiros, 10 carregadores de bens e 5 publicitários. Isso seria Justiça ou apenas um baita custo imoral?
Quando Lewandowski teve o topete de chamar de “modestíssimos” seus vencimentos e seu colega Dias Toffoli, presidente do egrégio Tribunal, aventou a possibilidade de os 11 andarem com “pires na mão”, o repórter André Shalders, da BBC Brasil em São Paulo, publicou em seu site uma comparação entre os ministros brasileiros e os europeus. Segundo ele, “um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em Francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, a realidade do salário do STF é ainda mais distante da média da população: o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do País (que era de R$ 2.154 no fim de 2017)”. Em seguida, comparou: “Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, €$ 65,7 mil por ano. Ao câmbio atual, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil – R$ 23,9 mil mensais”. Ou seja, dois terços dos atuais proventos dos brasileiros, antes de serem reajustados.
Outro texto da BBC Brasil em São Paulo, da lavra de Cláudia Wallins, tem sido citado a respeito dessa querela. Ela o começou com uma sentença indignada de Göran Lambertz, da Suprema Corte da Suécia: “Não almoço à custa do dinheiro do contribuinte”.
Segundo Wallins, “a pergunta que inflamou a reação do magistrado era se, assim como ocorre no Brasil, os juízes da instância máxima do Poder Judiciário sueco têm direito a carro oficial com motorista e benefícios extra-salariais como auxílio-saúde, auxílio-moradia, gratificação natalina, verbas de representação, auxílio-funeral, auxílio pré-escolar para cada filho, abonos de permanência e auxílio-alimentação. ‘Não consigo entender por que um ser humano gostaria de ter tais privilégios. Só vivemos uma vez e, portanto, penso que a vida deve ser vivida com bons padrões éticos. Não posso compreender um ser humano que tenta obter privilégios com o dinheiro público. Luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético’”. Que ministro tem filho em pré-escola?
A sentença do juiz sueco poderia ser adotada como bordão por algum nobre colega de ofício dele ou mesmo qualquer servidor público. Deveria, por exemplo, ser adotado pelos membros do Ministério Público Federal, que têm atuado de forma destemida e competente no combate à corrupção em várias operações associadas com a Polícia Federal, sendo a Lava Jato a mais notória delas. No entanto, ao que parece, o bordão do escandinavo não agrada aos togados do STF nem serve de lema para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela acaba de representar contra a extinção do auxílio-moradia para sua categoria, argumentando que o relator Fux não tem autoridade para tomar decisões do gênero. Se o Supremo não decide sobre procuradores, quem decidiria, então: o bei de Túnis ou a Santa Sé?
Pegando a iniciativa de Dra. Dodge como gancho, convém lembrar que um Estado de Direito numa República – e assim o Brasil se propõe ser – segue o sistema da autonomia dos três Poderes, tal como previsto por Montesquieu e que pode ser definido no popular como “cada macaco no seu galho”. No Brasil todos os Poderes da República foram afetados pela corrupção, devassada pelas operações citadas. Membros do Congresso, Executivo e Justiça se meteram em ilícitos. E não dá para consertar esse imbróglio dando aos cardeais do Judiciário prerrogativas não previstas na Constituição sobre os outros dois Poderes. O Judiciário tem de olhar para trás e fazer justiça. O Legislativo age na política olhando para a frente ao legislar em nome do povo, de que emana todo o poder. O Executivo cuida do tempo presente, administrando e cumprindo as leis. Não é lícito nem lúcido tornar a Justiça palco de disputa política, tal como ocorre. Este é um erro que urge corrigir.










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