TERCEIRA EDIÇÃO DE 14-3-2017 DO "DA MÍDIA SEM MORDAÇA"

NA COLUNA DE MARCO ANTONIO VILLA
A corrupção é um sistema
Milhares de parasitas dependem da reprodução da corrupção. A indústria de luxo, mercado imobiliário, diversões
Terça-feira, 14-3-2017
No Brasil, a corrupção acabou se transformando em um sistema. Deixou de ser um simples negócio entre corruptor e corrupto. Foi construída uma ampla teia de relações sociais, políticas e jurídicas permitindo e legalizando a reprodução, numa escala nunca vista na história da Humanidade, da corrupção. O estado democrático de direito edificado pela Constituição de 1988, por paradoxal que seja, garantiu e protegeu a expansão deste sistema a tal ponto que inviabilizou o funcionamento da máquina estatal.
A crise econômica e a falência dos Estados são manifestações explícitas dos limites deste sistema. Sem enfrentar a corrupção, o País não sairá da crise econômica e, pior, vai desmoralizar a democracia a tal ponto que poderá abrir caminho para soluções extraconstitucionais.
A elite dirigente tem na corrupção seu instrumento de gestão da coisa pública. Nos Três Poderes, a corrupção é parte intrínseca do funcionamento de uma república carcomida. Do conflito de interesses à propina para obtenção de alguma vantagem, o Brasil acabou gerando um sistema imune à transformação, petrificado, e que reage a qualquer tentativa de moralização. Isto porque os participantes deste sistema não conseguem mais sobreviver sem se locupletar com o saque do Estado: são dependentes da corrupção.
A ladainha dos rábulas transformou a defesa da corrupção em segurança jurídica. Propalam aos quatro ventos que o combate aos desvios dos recursos públicos coloca em risco a ordem democrática. Contam com apoio entusiástico das instituições corporativas. Recebem honorários fabulosos sem questionar a origem. Defendem corruptos como se fossem verdadeiros heróis nacionais. Usam e abusam das relações nada republicanas com os tribunais superiores de Brasília. A Constituição e todo arcabouço jurídico são utilizados na defesa dos malandros federais, estaduais e municipais. E os causídicos exibem orgulhosos seus feitos. Sem nenhum pudor, apresentam nas revistas consumidas em consultórios de médicos e dentistas suas casas, viagens, toda uma vida de luxo e riqueza.
O sistema tem apoio de toda a corte que cerca a Praça dos Três Poderes. São milhares de parasitas que dependem da reprodução da corrupção. Desde a indústria de luxo, passando pelo mercado imobiliário, pelas diversões (dando um destaque especial às garotas de programa), as famosas consultorias e até escritórios especializados na defesa, proteção e boa imagem dos corruptos quando pegos com a mão na botija.
O grande capital é parte deste sistema. Está de tal forma integrado à corrupção que não consegue viver sem participar do saque da coisa pública. Entende o Estado como fonte de riqueza; da sua riqueza. Usa da estrutura governamental para fomentar seus negócios aqui e no exterior. E exporta seus métodos para o mundo como se fossem novos modelos de gestão, uma contribuição brasileira à administração de empresas.
O sistema conta com o decisivo apoio das cúpulas dos Três Poderes. Sem isso, ele não se mantém e nem se reproduz. Precisa ter o domínio mais completo da máquina estatal. Nada pode escapar a sua sanha. E aos que tentam romper as amarras da corrupção, o sistema busca paulatinamente cooptá-los. Quando não consegue, isolá-los.
Não causa estranheza a fúria do sistema contra as ações da Lava-Jato. É até natural, absolutamente compreensível. Afinal, o conjunto das operações, as investigações, os processos e as condenações atingem interesses consolidados há décadas na estrutura estatal. O modus vivendi da corrupção está sendo ameaçado. E a ameaça vem da periferia do poder, e não do centro. É inimaginável supor que as condenações da Lava-Jato ocorreriam no ritmo e na severidade das penas se os processos corressem nas cortes superiores de Brasília: todos sabem como a Justiça é por lá operada.
A fúria, especialmente contra Curitiba, conta com apoio também dos meios de comunicação de massa. Os formadores de opinião ocultam sua participação no sistema com um discurso hipócrita de defesa da segurança jurídica e dos riscos que o combate à corrupção podem trazer à recuperação econômica. Isto mesmo, para eles, é o combate à corrupção — e não ela, propriamente dita — que gera turbulências na economia. E ecoam, como papagaios do poder, diariamente sua ladainha.
Dada a gravidade da crise política, econômica e ética, este é o momento de enterrar a República construída em 1988. Ela foi de tal forma tomada por interesses antipopulares que não mais abre espaço a uma mudança. As forças de conservação são muito mais poderosas que as forças de transformação. O sistema não se autorreforma.
Vivemos um impasse. A sociedade civil mobilizada conseguiu derrotar o projeto criminoso de poder petista. Foi uma importante vitória, é verdade. Mas o sistema continua lá, operando com novos personagens. Não deseja nenhuma mudança estrutural. Pelo contrário, tudo fará para impedi-la. E conta com amplo apoio no coração do poder. Irá — como já está fazendo — reproduzir o discurso de que as instituições estão funcionando e que passaram no teste do impeachment. Falácia: pois o processo que retirou Dilma Rousseff da Presidência da República demonstrou que o modelo de Estado edificado pela Constituição de 1988 é inoperante frente às mazelas da corrupção.
Não será tarefa fácil vencer o sistema. É mais provável a sua manutenção com reformas cosméticas, sinalizando hipocritamente que o clamor popular foi ouvido pelos donos do poder. Porém, a História pode percorrer caminhos inesperados, desconhecidos.
(Marco Antonio Villa é historiador)

NO O GLOBO
Ouçam as vozes de Bucareste
Só nos resta, como cidadãos, lutar. Devemos lutar para salvar a política da atual classe política que a mantém refém
POR CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA/DIOGO CASTOR DE MATTOS
Terça-feira, 14/03/2017 0:00
Em fevereiro último, em uma reunião noturna e sigilosa do recém-empossado gabinete social-democrata, o governo romeno editou decreto que anistiava pessoas investigadas, processadas ou condenadas por corrupção, dentre as quais o ex-presidente do partido que chegava ao poder. Diante disso, em protesto contra essa desfaçatez, 600 mil romenos tomaram as ruas das maiores cidades do país durante dias. Os slogans nas ruas de Bucareste eram “A corrupção mata”, e “Eles não nos representam”.
No Brasil, o mesmo aconteceu no ano passado.
Inicialmente, editou-se a lei de repatriamento de ativos, que institucionalizou a lavagem de dinheiro dos crimes fiscais, a qual se pensa atualmente em ampliar para contemplar inclusive parentes de políticos que mantêm recursos ocultos no exterior. Depois, em votações noturnas, a Câmara dos Deputados, após retaliar a iniciativa popular das “10 Medidas contra a Corrupção”, tentou aprovar projeto de lei que concedia anistia aos crimes de corrupção cujo pagamento tivesse sido realizado por meio de caixa 2.
Parece, assim, que a classe política se repete pelo mundo subdesenvolvido em suas vis manobras para salvar a própria pele. Em ambos os países, seu único medo é a reação popular. Diante das maiores manifestações da História da Romênia, o decreto de anistia foi retirado. Aqui, após forte reação da imprensa e da população, a autoanistia não seguiu adiante no Congresso Nacional.
Agora, novamente ensandecidos diante das iminentes revelações decorrentes dos acordos da Odebrecht, bem como da recente decisão do STF considerando o pagamento da propina por meio de doações oficiais como crime de lavagem de dinheiro, ouvem-se as vozes de congressistas propondo novamente uma autoanistia da corrupção que lhes foi paga por caixa dois ou doações oficiais.
Como justificativa, falam que é preciso salvar a política ou simplesmente tentam justificar na diferenciação entre valores pagos para campanhas, por eles considerados legítimos, daqueles que apenas serviram para o enriquecimento pessoal, estes sim, criminosos.
Mas no fim, a verdade é simples: diante da iminente revelação pública desses crimes, muitos simplesmente esqueceram o medo da reação popular na esperança de salvarem ao menos sua própria liberdade. Enfim, a necessidade de salvação entrou por uma porta e os últimos vestígios de vergonha saíram por outra.
Só nos resta, como cidadãos, lutar. Devemos lutar para salvar a política da atual classe política que a mantém refém. Sem esse combate, a verdadeira política, aquela que busca a composição dos diversos interesses nacionais em torno do bem comum, estará sempre subjugada por aqueles que se apropriam do Estado para seu enriquecimento pessoal e para a manutenção pura e simples do poder.
Não se trata simplesmente de um apoio às investigações de corrupção que se esparramarão por todo o País, cumprindo a sina da Lava-Jato de se tornar um movimento nacional, e não apenas uma investigação em Curitiba, mas de defender o próprio estado democrático de direito contra as investidas daqueles que, pegos em pleno adultério, pretendem que nós, vítimas, apenas vendamos o sofá onde o intercurso se dava, esquecendo o que aconteceu.
Por fim, se, depois de toda a resistência, essa anistia passar, por justiça o deputado Rodrigo Maia deveria desistir de sua absurda ideia de acabar com a Justiça do Trabalho. Afinal, será menos polêmico extinguir a Justiça Eleitoral, pois transformá-la pura e simplesmente numa instância legalizadora da corrupção será a desonra final da Justiça brasileira.
(Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos são procuradores da República)


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