UMAS E OUTRAS DO HELIO FERNANDES

Transição nada democrática, de 1979 a 1985. Tancredo, Ulisses, Brizola. E Sarney, da ditadura para o poder.

Helio Fernandes

O comentarista Lafaiete de Marco diz que “a expulsão de Brizola foi a melhor coisa que aconteceu a ele”. Depois de 11 anos asilado e isolado em Atlântida, uma cidade deserta a 60 quilômetros de Montevidéu, ganhou o mundo. Muitos chamaram de expulsão. Este repórter, de libertação.
Foram quatro anos de vida antes da “anistia”, planejada e executada pelos ditadores em benefício deles mesmos. Impunidade total, mesmo porque, sabidamente, morreram antes de qualquer punição e do surgimento, 30 anos depois, dessa inútil, inócua e inoperante “comissão da verdade”.
PLANEJAMENTO
PRESIDENCIAL

Ninguém sabia o que aconteceria depois de 1979. Todos vieram para o Brasil, com projeto de poder. E poder direto. Mas esse não era o “pensamento” dos generais-ditadores. Não confiavam muito na “anistia-ampla” e exigiram-implantaram a “transição-indireta”, que eles mesmos controlariam. E impuseram os governadores diretos em 1982.
Brizola se candidatou, ganhou mas quase não tomava posse, por causa da Proconsult-Organização-Globo. Surgiu o movimento “Diretas Já”, que não se concretizou por causa de apenas 24 votos. Ficou estabelecido então que o Poder iria para Ulisses ou Tancredo.
Se a eleição, marcada para 1985 (fim do tempo de Figueiredo) fosse direta, o candidato do MDB já transformado obrigatoriamente em PMDB seria o doutor Ulisses. Indireta, Tancredo Neves.
E BRIZOLA? NÃO FOI COGITADO E
LACERDA HAVIA MORRIDO EM 77

Lacerda, que lutou a vida inteira pela candidatura a presidente, morreu em 1977, dois anos antes de 1979. E não houve premeditação ou planejamento, como espalharam tolamente. Ou melhor, para aparecerem escrevendo bobagens.
Lacerda passou mal trabalhando na sua editora Nova Fronteira, nunca esteve doente. Ao meio-dia, sentiu uma dor no coração, foi levado ao hospital, às 7 da noite a família já comunicava a morte.
O MANDATO DE BRIZOLA E
A PRORROGAÇÃO DE FIGUEIREDO

O mandato de Brizola iria até 1986, a eleição indireta em 1985. Ele ficava de fora por dois motivos. 1 – Depois de tantas lutas e 15 anos de asilo, não poderia disputar uma “indireta”. Além do mais, seu nome não fora colocado na lista. Como eu disse, seria Ulisses ou Tancredo.
Outro empecilho ou obstáculo: o mandato de Brizola acabaria de Brizola em 1986, como disputar a eleição em 1985? Perderia pelo menos um ano e meio, e não tinha nem o PTB nacional, roubado escandalosamente pelo general Golbery, que tinha pânico de Brizola.
Um susto e um medo, que de certa forma justificavam a sua fama de maquiavélico. Incluindo aí o enorme enriquecimento pessoal, com a exploração do poder, acumulado com a presidência da Dow Chemical (a maior fabrica de napalm do mundo, responsável pela morte de milhões e inutilidade de um  número igual. Principalmente no Vietnã).
Brizola foi insultado, o mínimo que espalhavam: “Ele quer mais ditadura”. Absurdo, o que Brizola pretendia era que Figueiredo ficasse até 1987, e então se realizasse a sucessão direta. Com ele candidato a presidente, não o monopólio Tancredo-Ulisses.
No final de 1980, num domingo, Tancredo me chamou no seu apartamento da Avenida Atlântica, exatamente em frente à “guarita” do posto 3. Conversamos horas, ele só tinha um objetivo, me confessou logo: “Quero você candidato a senador pelo PP”. Era o partido que fundara, mais ou menos indefinido, mas posando de oposição. Diziam: “O PP não tem liberdade para nada”.
Daí a duas semanas, me filiei ao PP, apresentado em Brasília diretamente por Tancredo: “Agora quero ver quem é que vai dizer que o PP não é de oposição, se temos como candidato a senador o jornalista que é o maior oposicionista do país?”
FIGUEIREDO ACABA 
COM OS PARTIDOS

Em 1981, Tancredo e Ulisses estão almoçando, chega um alto dignatário do Planalto: “O presidente quer conversar com vocês dois agora”. Largaram tudo, foram se encontrar com Figueiredo. Este não perdeu tempo: “Estou acabando com os partidos existentes, criando o pluripartidarismo, mas com regras firmes e fixas. Os senhores receberão agora mesmo documento”.
O PP ACABOU, FOI
INCORPORADO PELO PMDB

Foi difícil a fundação dos partidos novos. Para o MDB, facílimo: nas novas regras, todos tinham que começar com um P. Até hoje não sei qual foi o gênio que botou o P na frente do MDB, virou PMDB. E as regras não eram insuperáveis.
Mas o PP não teve tempo para se organizar. Especialistas disseram a Tancredo: “Só incorporando”. Ulisses adorou, exigiu muito, incluindo a vaga de senador, era uma só. Tancredo não podia recusar. Fui almoçar com ele, me contou: “Helio, tive que ceder ao Ulisses a vaga de senador. Não faz mal, você será o deputado mais votado do Estado do Rio e do Brasil”.
Recusei sem hesitação, ele insistiu, não cedi. Mas não briguei com ele. Quando foi eleito, dei um jantar para ele, com 200 convidados. Quem era quem, estava na minha casa naquela noite.
BRIZOLA: “QUERO VOCÊ CANDIDATO,
PUXANDO VOTOS PARA A LEGENDA”

Já candidato a governador, antes da campanha, telefonou: “Preciso conversar com você, não no jornal, na tua casa”. Chegou logo com a proposta, a mesma de Tancredo depois do PP acabar: “Helio, quero você como deputado. Em toda as pesquisas e sondagens, você aparece como o mais votado”.
Resposta imediata: “Brizola, eu fui candidato a deputado há 16 anos. Serei senador, vou revolucionar o Senado, falando todos os dias, contra tudo e contra todos”.
Brizola, em cima do laço: “Então você será o nosso líder na Câmara, falará quando quiser”. Fiquei intransigente, da mesma forma como ficara com Tancredo. Só que Brizola era o “dono” do partido, podia modificar a proposta, que foi o que ele fez.
BRIZOLA: “VOU FAZER UMA
PROPOSTA QUE SÓ FARIA A VOCÊ”

Era esta: “Helio, tenho um compromisso com o Saturnino Braga, ele será candidato ao Senado. Como tenho que nomear um prefeito por três ou quatro anos, vou nomeá-lo. E você será suplente dele, assumirá imediatamente, ficará com todo o mandato”.
Minha resposta, indignado: “Você não me conheceu bem ainda, Brizola. Primeiro, que não lutei a vida inteira para fazer acordos espúrios. E também luto contra a existência do suplente. Como posso trocar minhas convicções para ficar com um mandato que não conquistei?”
Brizola ficou assombrado, achei que jamais havia ouvido ou visto coisa parecida. Também não rompi com ele. No jantar para o presidente Tancredo, lá estava Brizola, furioso.
No dia em que recusei a proposta de Brizola, fui levá-lo até o carro, mas não pude deixar de dizer: “Brizola, eu pensei que você fosse mais inteligente. Trocar um homem como eu, cuja forma de expressão é a palavra escrita, mas também a palavra falada, por um medíocre como o Saturnino? Isso não levará você à Presidência, o que Saturnino acrescentará à sua candidatura?”
Acertei em cheio: como prefeito, Saturnino levou a cidade, o-f-i-c-i-a-l-m-e-n-t-e, à falência. E Brizola não foi presidente.

Da Tribuna da Imprensa de 10-10-2013.

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