CARTA ABERTA DE UMA FUNCIONÁRIA AO PRESIDENTE DO B.N.B.


CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A., Sr. Ary Joel de Abreu Lanzarin

Sobre o sentido que damos a pessoas, lugares e coisas

Sr. Presidente,

Uma cidade, um cheiro, uma música tem um sentido único para cada pessoa, pois marca um momento especial, traz a lembrança de um lugar ou de alguém que foi importante pra gente num dado momento. O mesmo sentido damos as instituições, a empresa em que trabalhamos, afinal, aqui é um outro lugar de sociabilidade de compartilhar saberes, experiências e sobretudo de compartilhar sentidos.
Estes sentidos são construídos historicamente, formam uma identidade, definem uma cultura. Definem o que é ser brasileiro, o que é ser nordestino. É o que nos diferencia dos europeus, africanos, asiáticos.
Da mesma forma um banco de desenvolvimento tem a sua identidade, a sua cultura que (com)partilhamos entre colegas e entre os nossos clientes e parceiros.
É comum ouvir dos nossos clientes, especialmente no interior do NE, mais ou menos o seguinte: “Olha, o banco pode ter todos os defeitos do mundo, mas vocês são diferentes do Banco do Brasil ou da Caixa. Aqui a gente se sente bem, é tratado de igual pra igual.” Veja que não somos nem melhores, nem piores que os colegas dos demais bancos. Somos diferentes. Somos reconhecidos por essa diferença. E te digo o molho desta diferença. É o sentido que incorporamos à palavra “desenvolvimento”. Simples assim, sem adjetivos.
Está na nossa veia, no nosso sangue “desenvolver o nordeste”. Entretanto, estamos anêmicos. O Banco está anêmico de direcionamento. Anêmicos pelo esvaziamento do
sentido dado a palavra desenvolvimento.
O desenvolvimento que hoje está na nossa missão não passa de uma rima pobre, que paulatinamente está caindo em desuso. É cafona falar de desenvolvimento. A palavra do dia é eficiência operacional, custos x receitas. Está correto, somos um banco. Mas... Qual será a nossa diferença dos demais bancos? O que nos legitimará perante a sociedade de que somos importantes e não apenas mais um “trambolho” público que consome impostos?
Desenvolvimento não é só uma palavra. É o que nos diferencia dos demais bancos, é o que nos diferencia na hora de tratamento com os clientes nos mais diferentes rincões do Nordeste. É a nossa identidade. É a nossa cultura. É a nossa história. É o que nos legitima.
Esvaziá-la e substituí-la por letrinhas mágicas como PLR ou eficiência operacional funciona, afinal o discurso de “dinheiro no bolso” é mais atrativo que “desenvolver o Nordeste”.
Leva algum tempo e tem custo. Custo de desmotivação do corpo funcional. Custo de jogar no esquecimento aquilo que era permanente. Custo de implosão de sentidos e significados que constroem uma cultura, uma instituição.
Esta implosão é simbólica. Reproduzo aqui uma matéria do notícias.com em que você comentava a inauguração da FIAT em Pernambuco. Transcrevo as palavras do presidente da montadora:
“Estamos dando passos importantes no processo de reindustrialização do Estado, adensando a cadeia produtiva regional. Estaremos juntos, avançando sempre na busca do desenvolvimento sustentável”. (Cledorvino Belini - notícias.com, 28/12/2012, “Ary Joel assina o maior contrato da história do Banco”)
Agora transcrevo o que tu falaste:
“É uma satisfação participar de um projeto dessa magnitude, que reafirma o nosso compromisso com o estado. Conseguimos concluir o processo em um tempo recorde de 30 dias, graças ao empenho da nossa equipe e a uma conjunção de esforços dos governos federal e estadual”. (mesma matéria)
Considero simbólica a tua fala (e tantas outras que li) pois se não tivesse avisado quem falou o quê, certamente a fala do presidente da FIAT incorpora o discurso de um banco de desenvolvimento. Este é o esvaziamento de sentido ao qual me refiro desde o início desta carta.
Somos maiores que prazos, que números, que PLR. Ainda tenho a esperança que fazemos a diferença na região. Não destruas isto.
Sabemos que desenvolvimento acontece em suas múltiplas dimensões. É um fenômeno social, político, econômico, cultural. Ou seja, nossa ação deve promover ações que promovam não só a nossa economia, mas articulação do econômico com políticas públicas que permitam o desenvolvimento destes empreendimentos, do município, do estado. Ações que promovam a cultura nordestina, o desenvolvimento social do nosso povo. Por que tenho que comprar um pen drive “made in China”? Por que não pode ser produzido em Canindé, no sertão do Seridó, ou em qualquer lugar do sertão? Qual a nossa ação como instituição de desenvolvimento para viabilizar atividades econômicas menos dependentes de fatores climáticos? Qual a nossa articulação com os governos estaduais e federal? Qual o sentido de continuar financiando qualquer empreendimento sem ação articulada com outras políticas públicas que viabilizem estes empreendimentos?
E o mais importante: qual o sentido de um banco de desenvolvimento que não pensa nem executa desenvolvimento?
Não serei tão cruel contigo. Compartilho a tua responsabilidade com o Governo Federal que não pensa, nem executa políticas públicas de ESTADO para o desenvolvimento do País. Por políticas públicas de Estado compreendo ações planejadas com orçamento e de caráter permanente, independente da partido político que eventualmente esteja no poder. Ações que viabilizem infraestrutura para nossa região, que possibilitem a mudança e/ou ampliação da nossa pauta de exportação para produtos de maior valor agregado, reduzindo a nossa dependência das comodities da soja, algodão, etc, dentre tantas outras ações de impacto estrutural ensinadas pela escola da CEPAL, em especial pelo Celso Furtado e executadas com sucesso por chineses, sul coreanos, claro que devidamente adaptadas à realidade deles. Entretanto, o que o governo federal chama de programa de desenvolvimento são políticas que se resumem a construção de estádios de futebol, a programas emergenciais para seca. Pão e circo.
Entretanto, somos diferentes e podemos fazer diferente. Temos o fraco direcionamento federal que reflete aqui embaixo. Taí uma boa oportunidade para conduzires um processo que realmente faça a diferença na nossa região e na nossa atuação enquanto banco de desenvolvimento.
Penso que a extensão da greve reflete além do histórico descaso com as questões permanentes na mesa de negociação como isonomia, revisão de PCR, etc. Está em pauta repensarmos o nosso papel enquanto instituição de desenvolvimento. Estamos atomizados com os nossos processos, projetos, clientes para atender, mas enfim, qual a razão de ser de tudo isso? O que estamos fazendo de diferente dos demais bancos? Quais as nossas ações que promovem incentivo a nossa cultura, sustentabilidade das MPE´s, agricultura familiar...?
Me parece que a “caixa” do desenvolvimento está limitada às ações de microfinança que por sinal é realizada em grande medida por equipe de colegas terceirizados. E o resto do banco? O que fazemos? O mesmo que o Itaú, Bradesco, CEF, Banco do Brasil? O que garante anoitecermos com o “coqueiro” da nossa marca e não amanhecermos com a “árvore” do Bradesco? O que garante que o nosso gesto do “pense positivo” não se converta no “i” do Banco Itaú? O que legitima a nossa permanência?
Para além disto, o que legitima a nossa existência? Ainda não saímos da crise que te trouxe aqui. A nossa crise é de legitimidade.

Atenciosamente,

Elizabeth Holanda da Costa.

Última atualização: 25/10/2013 às 19:07:01

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