UMAS E OUTRAS DO HELIO FERNANDES

Em 1963, minha primeira prisão. No dia 22 de julho fui preso em BH, quando ia dar uma entrevista na TV. 10 dias na cadeia, julgado pelo Supremo no dia 31 (amanhã, 50 anos), absolvido e libertado, no ano da democracia mais turbulenta, antes do golpe de 64. O presidente da República, 6 governadores importantíssimos, os generais, todos conspiravam.

Helio Fernandes
1963 marca a fronteira entre a democracia, cambaleante, e a ditadura, exultante e quase triunfante. Existe uma  certa redundância neste relato rigorosamente verdadeiro, que como um dos personagens principais, faço pela primeira vez. Quando falo em certa “redundância”, é que a República brasileira esteve várias vezes nessa fronteira, e a democracia sempre derrotada.
Esse 1963 importantíssimo para a História do Brasil, começou em 1961, com a farsa da renúncia de Janio. Eleito em 1960 com enorme facilidade, ficou apenas 7 meses no Poder, anunciou a renúncia. Com grande cobertura militar, logicamente de generais, o objetivo era voltar ao governo nos braços deles e com todos os Poderes.
Tudo acertado, faltou comunicação. Brasília ainda era um canteiro de obras. Os generais não se entendiam. E para complicar tudo, veio Brizola com a sua “Liga da Legalidade”, com apoio do general Lopes Machado, do III Exército, comandado por ele.
Os generais recuaram, “determinaram” a implantação do Parlamentarismo. Jango, sempre frouxo (como no episódio de sua derrubada do Ministério do Trabalho, em 1952, exigência dos 69 oficiais que assinaram o “Manifesto dos Coronéis”, que ele cumpriu sem resistência) aceitou, com o protesto de Brizola.
Os generais não quiseram “passar recibo no fracasso”, exigiram que Jango tomasse posse, num regime parlamentarista, com um  primeiro-ministro que indicariam. Brizola, coerente, telefonou para Jango: “Não aceite exigência de generais, estamos no Poder”. Jango, coerente na contramão: “Não faz diferença, o importante é que estarei no comando”.
O PLEBISCITO
CONVOCADO POR JANGO

Em setembro de 1962, Jango começou a movimentar o plebiscito, que finalmente marcou para 6 de janeiro de 1963. Coordenou e conseguiu formidável apoio de banqueiros e empresários. (Banqueiros não são empresários, são os perseguidores, aproveitadores e roedores do capitalismo).
Nunca se viu tanto dinheiro circulando, um assombro. O SIM, maioria enorme para a volta ao presidencialismo, não só pela fortuna investida, mas também porque o povo nem sabia o que era parlamentarismo. Jango tomou posse e imediatamente começou a trabalhar pela permanência ininterrupta no Poder.
Logo em março de 1963, mandou mensagem ao Congresso, pedindo a intervenção na Guanabara. Queria atingir Lacerda e fechar a Tribuna da Imprensa. Tão mal informado que pensava (?) que ainda fosse do governador. A intervenção era tão extravagante que o PSD e o PTB, que apoiavam Jango e dominavam o Congresso, arquivaram a proposta.
Amaral Peixoto, senador do PSD, e Doutel de Andrade, do PTB, conversaram com Jango, depois da intervenção já arquivada, e informaram por que não podiam apoiar o pedido.
Em junho (tudo em 1963), Brizola telefonou para Jango, dizendo: “Precisamos conversar”. O diálogo deles não era de, muito difícil. Jango marcou. Brizola foi, disse logo a ele: “Jango, venho de uma conversa de 3 horas com o marechal Lott, que apoia a proposta que vou te fazer. Você me nomeia ministro da Fazenda, se eu fizer alguma maluquice, você me demite, com apoio do marechal”. (Isso nunca foi publicado, embora algumas pessoas soubesse da conversa).
Jango pediu um prazo, Brizola disse, “mas não pode demorar”, o presidente concordou. Tinha conversa agendada para dentro de alguns dias, com Roberto Marinho e o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, que por ser de Harvard tinha a simpatia até de esquerdistas que apoiavam Jango. Contou a conversa com Brizola, os dois responderam com se fossem um só: “Se você nomear o Brizola ministro da Fazenda, não termina o mandato”.
O presidente telefonou para Brizola, disse, “não tenho apoio para nomeá-lo”, comunicou isso a Roberto Marinho. No dia seguinte, O Globo publicou na página 3 uma foto enorme de Jango, com a legenda: “O presidente estadista”. Não nomeou Brizola ministro e não terminou o mandato. Quem quiser comprovação, basta procurar no jornal, nessa data de 1963.
HÁ 50 ANOS, MINHA
PRISÃO ANTES DE 64

No dia 18 de julho de 1963, o diretor da TV Itacolomy, a segunda em importância dentro dos Diários Associados, me telefonou: “Helio, estou te convidando para uma entrevista no dia 23, ao vivo, cinco grandes jornalistas fazendo perguntas para saber o que está acontecendo no Brasil. Será sensacional”. Respondi que não ia, já fora convidado duas vezes, e na hora, proibido.
Ele então me deu xeque-mate: “Helio, agora a entrevista tem o apoio e a garantia do doutor Assis”. Puxa, como negar? Nos Diários Associados, quando o doutor Assis dizia que sim, era sim mesmo. Ficou então marcada a entrevista para o dia 23.
A CIRCULAR CONFIDENCIAL E
SIGILOSA DO MINISTRO DA GUERRA

No dia 22, Jair Dantas Ribeiro, o ministro, entrega a 12 generais a tal circular sigilosa e confidencial. No mesmo dia, à tarde, um dos generais (excelente informante) me deu o documento, que imediatamente resolvi publicar. O que faz um jornalista ao receber um envelope com aquelas palavras? Publica.
Naquela época, os matutinos iam para as bancas à meia-noite, e os vespertinos, como a Tribuna e O Globo, ao meio-dia. Isso durou até 1974, quando matutinos e vespertinos passaram a sair juntos à meia-noite, por causa do engarrafamento do trânsito. Assim, deu para publicar na primeira página no dia 23, dia da entrevista em BH. Viajaria às 4 da tarde. Mas a repercussão foi tão extraordinária que grandes amigos me disseram: “Helio, é melhor você não sair do Rio, existem muitos rumores circulando”. Não liguei, fui para BH, onde chegaria por volta das 6 horas.
Na capital de Minas, muitos jornalistas me esperavam no hotel, os rumores se transformaram em fatos. E dois assessores do governador Magalhães Pinto me esperavam com um recado dele: “Recebi a informação oficial de que você vai ser preso. Se quiser voltar de carro para ou “sumir” (textual”, estou à tua disposição”. Agradeci e disse que iria para a Itacolomy.
NOVAMENTE NÃO FALEI NA TELEVISÃO
Do hotel até a televisão, uns 15 minutos. Comecei a andar por volta as 8 horas, já acompanhado por uns 30 repórteres, gentilíssimos, queriam saber se eu precisava de alguma coisa, falar com Rosinha, minha mulher. A simpatia dos mineiros e o profissionalismo dos jornalistas. Na rua me esperava o diretor da Itacolomy, comunicou o óbvio, a entrevista foi cancelada, subi com ele. Liguei para Rosinha, que já sabia de tudo.
Não demorou, chegaram dois oficiais num fusca, disseram: “É para não chamar atenção”. Fui levado para a ID-4, comandada pelo general Carlos Luiz Guedes, que depois ficaria famoso. Muito bem tratado, pude constatar a divisão total do Exército. Fui para um quarto (não havia cela). Pela manhã, tomei café no cassino dos oficiais. Uns olhavam para mim com total amizade, batiam nas minhas costas. Outros, furiosos, pareciam querer me fuzilar mesmo sem armas, só com o olhar.
A TRANSFERÊNCIA PARA O RIO
O general me comunicou que eu estava à disposição do ministro da Guerra, o avião sairia às 10 horas. Por volta do meio-dia cheguei à Polícia do Exército na Barão de Mesquita (O Doi-Codi só passou a existir a partir de 1968, criado e comandado pelo general Ernesto Geisel, funcionando na metade desse mesmo batalhão onde fiquei).
Fui logo levado para uma cela de 3X4, o próprio comandante veio conversar comigo, explicou: “Não temos outro local, e a ordem do ministro é de nenhuma facilidade”. Um soldado que ficaria sempre de guarda, estava lendo o “jornal Sports”, pedi ao coronel (depois general de grande prestígio) se podia me arranjar um exemplar. Ficou assustado, constrangido, disse que era impossível.
Mais tarde me trouxe uma biografia de Napoleão, ídolo dos militares e também da minha admiração, como um dos três maiores generais da História.
COMEÇA O PROCESSO 
Estava incomunicável até para meus advogados, mas o bravo presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, contrariou a ordem do ministro da Guerra, no dia seguinte falei com os advogados: Sobral Pinto, Prado Kelly, Adauto Cardoso e Prudente de Moraes, neto. Já haviam entrado com habeas corpus. O presidente do Supremo oficiou ao ministro da Guerra para saber quem mandara me prender. Se o general dissesse, “não sei de nada”, o Supremo não poderia me julgar. Arrogante, presunçoso e pretensioso, o general respondeu: “O jornalista está preso à minha disposição”. Aí o julgamento era da alçada do Supremo.
Ribeiro da Costa mandou então que eu fosse transferido para Brasília. Fui para o BGP (Batalhão da Guarda Presidencial), comandado pelo coronel Raimundo Correa, neto do grande poeta, autor de “As Pombas”. Está certo, Dione? Um abraço). Me levou para o seu apartamento especial, um quarto e banheiro, nada demais. Explicou: “Eu só fico aqui quando o batalhão está de plantão ou prontidão”.
10 DIAS PRESO
Fui levado várias vezes ao Supremo, respondi a perguntas sem nenhuma importância, mas meus advogados me alertavam: “O julgamento será dificílimo, a pressão do ministro da Guerra e do presidente da República é muito grande”. Seria mesmo. Sobral faria a defesa oral, os outros três tratavam dos contatos e das respostas dos ministros. O julgamento estava marcado para o dia 31 de julho, muita gente supersticiosa não queria que passasse para agosto, um mês aparentemente “marcado” negativamente.
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AMANHÃ – Dia 32, há 50 anos, eu me transformaria no único jornalista, em toda a História da República, a ser julgado pelo Supremo Tribunal. E deram uma parada nas conspirações, queriam esperar o que aconteceria no julgamento.


Da Tribuna da Imprensa de 30-7-2013.

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