"A SENHORA DOS ESPÍRITOS": CARTA À REVISTA' ISTOÉ'

De: Gerson Simões Monteiro (Rio de Janeiro, RJ)
Quinta-feira, 6 de junho de 2013 às 9:34
Transmito cópia da carta enviada à revista IstoÉ, relativamente à reportagem “A Senhora dos Espíritos”.
Abraços.
Gerson Simões Monteiro 

Nota do Editor: 
A carta enviada por nosso amigo e colaborador Gerson Simões Monteiro, colunista do jornal “Extra” e ex-presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado do Rio de Janeiro (USEERJ), atual CEERJ (Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro) é transcrita em seguida, para conhecimento de nossos leitores: 

Prezado Jornalista João Loes, 
Na matéria de sua autoria publicada na revista “ISTOÉ”, ano 37, edição nº 2.272, do dia 05/06/2013, intitulada “A SENHORA DOS ESPÍRITOS”, devo esclarecer que o senhor cometeu um grande equívoco ao informar, na página 80, que: 
“A UMBANDA É UM RAMO DO KARDECISMO QUE NASCEU COMO UMA OPÇÃO PARA QUEM CONCORDAVA COM AS PREMISSAS BÁSICAS DE KARDEC, MAS NÃO SE VIA REPRESENTADO NA SUA PESADA TRADIÇÃO EUROPEIA. SE OS KARDECISTAS VALORIZAM O CIENTIFICISMO, O ESTUDO E A ILUSTRAÇÃO, OS UMBANDISTAS PREFEREM A EXPERIÊNCIA ACUMULADA NA PRÁTICA. SE NO KARDECISMO, AS REFERÊNCIAS ESPIRITUAIS SÃO MÉDICOS E ESCRITORES, NA UMBANDA QUEM SURGE É O PRETO VELHO E O CABOCLO”. 
Sinceramente, espero que o senhor tenha aprendido na cadeira de Antropologia, ministrada nos Ciclos Básicos dos cursos de Jornalismo, que, historicamente, a Umbanda teve início em nosso país no século XVI, com a vinda dos nossos irmãos africanos através da escravatura do negro no Brasil, os quais tiveram de incorporar impositivamente rituais do catolicismo às suas crenças de origem. Já o Espiritismo teve início na França a partir de 18 de abril de 1857, com a publicação de "O Livro dos Espíritos", que chegou ao Brasil por volta de 1860.
Portanto, torna-se evidente que a Doutrina Espírita não tem vínculo algum com cultos de origem africana, seitas ou rituais de magismo, pois não resulta de qualquer forma de sincretismo religioso, e muito menos se encontra vinculada a outras práticas assemelhadas, como no caso da Umbanda, que está mais próxima do Catolicismo do que de qualquer outro culto religioso adotado no Brasil.
Faço ainda questão de esclarecer que, quando o Espiritismo se iniciou no Brasil, nas últimas décadas do século retrasado, já havia cultos africanos espalhados por todo o país, particularmente na Bahia. Esses cultos, enraizados no Brasil desde o período colonial, absorveram grande influência do catolicismo, resultando num sincretismo religioso, sem que o Espiritismo tivesse exercido qualquer influência no seu surgimento, conforme depoimentos dos autores Manoel Querino, em Costumes Africanos no Brasil; Arthur Ramos, em Negro Brasileiro; e Waldemar Valente, em Sincretismo Religioso Afro-Brasileiro.
Para facilitar ainda mais o entendimento da questão, ou seja, a diferença entre o Espiritismo e a Umbanda, lembro que o Espiritismo não tem qualquer culto material e não adota nenhuma espécie de ritual, como oferendas, velas, imagens de santos, danças, uso de paramentos ou procissões. Tudo isso refere-se a coisas absolutamente estranhas ao Espiritismo, que não pratica nenhuma forma de culto exterior, embora respeite todas as crenças. Assim sendo, vale frisar que o Espírita (neologismo criado por Allan Kardec) é o seguidor do Espiritismo, doutrina por ele codificada que não adota rituais de espécie alguma.
Por outro lado, não existe doutrina kardecista. Allan Kardec não fundou nenhuma religião. Ele próprio deixou bem claro que o Espiritismo – o Consolador Prometido por Jesus – é de autoria dos espíritos, tendo ele sido apenas seu codificador, ou melhor, o responsável na Terra pela sua coordenação ou sistematização.
Existe, sim, Doutrina Espírita ou Espiritismo, jamais kardecismo, pois o Espiritismo é uma doutrina que não está centrada na pessoa de Allan Kardec, como podemos nos referir ao cristianismo, ao budismo, etc. Portanto, a Doutrina é uma criação dos Espíritos; por isso mesmo, denomina-se Espiritismo e não KARDECISMO.
Outro fato que não pode ser deixado de lado é o de que o IBGE, de acordo com as determinações estabelecidas pelo Ministério da Justiça diante da realidade brasileira, faz a distinção em seus questionários, para fins de coleta de dados (inclusive os do último Censo), separando Católicos, Evangélicos, Espíritas, Umbandistas e Candomblecistas.
Certo de estar colaborando para que o senhor e a prestigiosa revista “ISTOÉ”, da qual sou leitor há muitos anos, informem com precisão os fatos para seus leitores, agradeço as atenções dispensadas, colocando-me a inteira disposição de ambos para qualquer esclarecimento posterior. 
Atenciosamente, 
Gerson Simões Monteiro 
ANEXOS: 
1. Para que o senhor se atualize em relação a assuntos religiosos, a fim de informar corretamente os seus leitores, sugiro a leitura das obras do meu amigo Edison de Souza Carneiro, com que trabalhei na CAPES, órgão do Ministério da Educação. Especializado em temas afro-brasileiros, Edison fez todos os seus estudos em Salvador, até diplomar-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Bahia, no ano de 1936 (turma de 1935). Os livros que recomendo são os seguintes, dentre outros: 
•        Negros Bantos, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1937; 
•        O Quilombo dos Palmares, Editora Brasiliense, São Paulo, 1947 – 1958; 
•        Candomblés da Bahia, Editora Museu do Estado da Bahia, Salvador, 1948 – 1954 – 1961; 
•        Antologia do Negro Brasileiro, Editora Globo, Porto Alegre, 1950; 
•        Religiões Negras, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963. 
2. Para esclarecer melhor o que é o Espiritismo, segue abaixo um resumo que preparei anos atrás sobre os Fundamentos da Doutrina Espírita e sobre, afinal, o que é Ser Espírita: 
“Muitas pessoas desejam saber o que é o Espiritismo e por extensão, o que é ser Espírita. Foi justamente para responder a essas duas questões que escrevemos essas notas.
Procuramos, numa linguagem simples, colocar ao alcance de todas as pessoas os princípios fundamentais do Espiritismo, utilizando os artigos publicados aos domingos na coluna "Em Nome de Deus", do Jornal Extra, e que agora são publicados no blog do jornal.
Nós vamos esclarecer, neste primeiro capítulo, “o que é ser Espírita?"; “em que se baseia a sua crença?”; e também a diferença entre “ser Espírita e ser
verdadeiro Espírita”.
Bem, quando você pergunta de que forma uma pessoa se torna Espírita, podemos responder dizendo: é quando ela crê e admite os seguintes princípios básicos (ou fundamentais) da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, a saber: 
•        A existência de Deus, criador de todas as coisas que se encontram no Universo, isto é, os espíritos encarnados e desencarnados e o mundo material. 
•        A imortalidade da alma, que sobrevive após a morte do corpo físico. É bom que se diga que isso foi comprovado cientificamente por Allan Kardec, através de procedimentos por ele concebidos, aos quais submeteu as inúmeras mensagens recebidas por diversos médiuns. 
•        A evolução de todos os espíritos pela reencarnação. Criados por Deus na condição de simples e ignorantes, isto é, sem conhecimento algum e sem nenhum progresso moral, eles podem, através das reencarnações, atingir a perfeição espiritual, a mesma conquistada por Jesus. 
•        A comunicação dos espíritos desencarnados com os encarnados, tal como aconteceu no Monte Tabor, segundo a Bíblia, quando dois mortos – os espíritos Elias e Moisés – conversaram com Jesus. 
A pessoa, portanto, aceitando pela fé raciocinada esses princípios fundamentais do Espiritismo, pode ser considerada Espírita. No entanto, reconhecemos o verdadeiro Espírita por sua transformação moral, conforme conceituação de Allan Kardec no capítulo "Sede Perfeitos" de O Evangelho Segundo o Espiritismo. A transformação moral do Espírita se dá quando ele pratica a caridade em toda a sua extensão e procura melhorar-se moralmente no modo de pensar e de agir.
Podemos afirmar que Chico Xavier foi exemplo de um verdadeiro Espírita, como foi Bezerra de Menezes – o médico dos pobres – quando esteve entre os encarnados. Suas vidas são exemplos de humildade, de abnegação e de profundo respeito ao sofrimento alheio e de amor ao próximo.
Concluindo, podemos dizer que “ser Espírita é crer na existência de Deus, na imortalidade da alma, na Evolução do espírito pela reencarnação e na comunicação dos espíritos”; e que “o verdadeiro Espírita, além de admitir e crer nos princípios fundamentais do Espiritismo, utiliza-os para modificar a sua conduta, tendo como lema a famosa frase deixada por Allan Kardec: fora da caridade não há salvação”.

Da Revista O Consolador, Ano 7 - N° 316 - 16 de Junho de 2013.

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