A ESMOLA QUE VICIA


Será que o Bolsa Família, ele sim, está virando uma cultura? Ou: O que querem os pobres? Ou: Pai, mãe, faxina, hora extra e uma máquina de escrever

Vamos lá. Uma confusão a mais, uma a menos, que diferença faz? Adiante. Mandam-me um vídeo que já foi bastante visto no YouTube. Eu não o conhecia. Vejam. Volto em seguida.
Voltei
Quando eu era moleque, uns 8, 9 anos, começou o negócio da “calça liamericâna”. Era preciso ter uma calça “liamericâna”. Vim a saber algum tempo depois que se tratava, na verdade, de uma caça da marca Lee, americana.
Depois de algum tempo, fui contemplado com uma. Aquele brim me incomodou de tal maneira que só voltei a usar jeans aos, deixem-me ver, 47 anos. Como não tinha Bolsa Família, minha mãe decidiu fazer umas faxinas a mais e aumentar o ritmo da costura para oficinas de roupa. Tudo para satisfazer a vontade do filho. Depois minha mãe fez mais faxina, e meu pai, mais horas extras para comprar uma máquina de escrever Olivetti Studio 45. Eu os convenci de que só seria feliz se tivesse uma Olivetti Studio 45. Foi em 1974. Acho que cheguei a simular uma febre, não sei bem… Nem me orgulho nem me arrependo da pequena trapaça.
Ah, como é tediosa a vida dos pobres esforçados para os ricos “progressistas” que hoje pululam na política e até nas redações. Fico pensando naquele banqueiro de esquerda, cheio de desdém, e nos seus estafetas: “Por isso esse Reinaldo ficou assim reacionário…”. Marilena Chaui me odeia. Este pronome oblíquo não sou eu, Reinaldo Azevedo. Este “me” é uma legião de gente que nunca aceitou pedir.
“Ah, o Reinaldo gosta de pobre esforçado. Quer usar o próprio exemplo ou de seus pais…” É isso mesmo! Eu me orgulho deles! Como escrevi aqui dia desses, citando um poema de Drummond, sou contra o “vício de esperar tudo da oração” e o vício de esperar tudo do estado, uma droga pesada, que cria a pior de todas as dependências. Uma hora estudo isto, mas creio que vira uma espécie de dependência química também. Certamente produz efeitos neuroniais devastadores.
No primeiro ano de seu governo, quando insistia no Fome Zero, Lula dizia que o bolsismo deixava o povo preguiçoso; que, em vez de plantar macaxeira, ficava à espera de benefícios. Em parte ao menos, ele estava certo. Mas depois, como de hábito, preferiu o erro que era mais útil à sua carreira política.
É claro que existem pessoas que precisam efetivamente do Bolsa Família. Na forma como se dá o programa, no entanto, a questão é saber que Brasil se está construindo. Num país em que a política seguisse o molde da tradição democrática, isso estaria sendo debatido. Entre nós, no entanto, os partidos competem para saber quem quer tornar o povo ainda mais dependente da droga pesada do estado.
No dia 7 de janeiro, fez 13 anos que meu pai morreu. Não me deixou um só bem além dessa máquina de escrever. Mas sei o quanto lhe custou. Quando eu me for, além do afeto dos que amo, quero a Studio 45 perto de mim. Melodrama barato? Pode ser. Cada um tem o seu. Mas a única servidão que vale a pena é a que dedicamos a nossos amores.
Esse país de pedintes e reclamões (em todas as áreas; daqui a pouco falo sobre uma briga que meu amigo Gerald Thomas comprou) só tem passado, não tem futuro.
A fita, sem uso há uns bons 25 anos, não ajudou muito. Ali está escrito: “Com o Tio Rei desde 1974. Grana de faxina e horas-extras”. País decente transforma suor em letras
Por Reinaldo Azevedo

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