WALDICK SORIANO, O MACHO BAIANO



Eu não sou cachorro, não, mas gosto de cantores que uivam para a Lua, desesperam-se com alguma mulher que foi embora e rasgam o peito, os cornos emborcados na mesa de um cabaré da Lapa, suspirando de infelicidade pela boneca cobiçada com lábios de veneno.
Esta noite, eles queriam que o mundo acabasse — mas estão indo embora primeiro. Os cantores que choravam a dor do abandono amoroso não existem mais, todos empurrados para baixo do tapete como um Brasil cafona que não se quisesse mais tomar conhecimento.
O lado B de um país moderno, todo mundo cantando baixinho, todo mundo dançando o creu, que jamais conseguimos realmente ser.
Waldick Soriano, o macho baiano que se foi na semana passada, talvez tenha sido o último deles, digo, talvez tenha sido o último cantor de voz viril, arrebatada, daqueles raros que não foram ao show do João Gilberto para copiar suas notas baixinhas. Se alguém dissesse coolna frente de Waldick, ele pediria que a pessoa tivesse modos e evitasse tamanha vulgaridade no palavreado. Cool na terra dele era outra coisa.
Cantor viril, como Nelson Gonçalves, ele soltava a voz ao conhaque das emoções. Vociferava, batia no peito e tornava-se um ébrio para na bebida esquecer aquela amada que o abandonou. Os cantores populares que agora levam Waldick ao túmulo representam um dos pilares da música brasileira. Brega é o outro, cafona é a vovozinha. Esses cantores, com sua temática amorosa tirada dos dramas cotidianos, explicam as coisas básicas da Humanidade.
Sabem a dialética sentimental de encontrar alguém e logo em seguida perder. Com a morte de Waldick, autor do clássico "Tortura de amor", eles dizem novo adeus. Ficou feio chegar na frente do distinto público, todos já tão sofridos dos seus infernos particulares, e abrir o jogo. Mentira, traição, pé na bunda, solidão. Ninguém quer saber mais de cavucar amor e dor. De olhar a camisola do dia, tão transparente, macia, e suspirar com o divino conteúdo que estava ali até ontem à noite.
O sonho agora, de vez em quando interrompido por Caetano cantando "Cucurucucu Paloma", é ser de bom gosto.
A bossa nova caçoava de Antônio Maria, de Dolores Duran, e de todas as complicações sentimentais do samba-canção. Gritou chega de saudade e também chega de perdedores, de gente que vivia com o destino da Lua, para todos que vivessem na rua. O país modernizava-se, a noite depressiva das boates de "Ninguém me ama" não ajudava o progresso.
A bossa nova inventou o mau gosto na MPB. Entrou em cena uma multidão de jovens da Zona Sul que namorava entre si, transava sem complicação, e na hora de cantar evitava revelar que a garota de Ipanema tinha aprontado como uma cachorra qualquer.
A felicidade foi um dos seus dogmas. O barquinho ia, o barquinho vinha, e dele Roberto Menescal pulava para fazer caça submarina.
Waldick Soriano, que cantava soluçando, pois o homem quando chora tem no peito paixão", talvez tenha encerrado a saga tão brasileira de cantores que rasgavam o terno no palco, como Orlando Dias.
Descabelavam-se sem pudor na frente de todo mundo. Gritavam fica comigo esta noite e sabiam, machos da melhor espécie, a dor de ter loucura por uma mulher e depois encontrá-la nos braços de um outro qualquer.
Lá se foram Silvinho, Orlando Dias, Evaldo Braga, Vicente Celestino, Altemar Dutra, Paulo Sérgio, Nelson Gonçalves, Tim Maia e Lindomar Castilho.
Sobreviveram Nelson Ned, Reginaldo Rossi e Agnaldo Timóteo, mas são quase ursos pandas do circo de Orlando Orfei, raridades exóticas em processo de extinção.
O amor básico — um homem, uma mulher e todas as trágicas decorrências deste desencontro — sumiu da música junto com o pente Flamengo do bolso da camisa. Os cantores de nervos de aço, sempre reclamando que atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem, cederam o palco para uma geração de craques, como Luiz Melodia, Zé Renato, Marcos Sacramento, Diogo Nogueira, Emílio Santiago e poucos outros — todos pautados, no entanto, pela voz suave da bossa nova e pela vergonha de berrar a desdita amorosa.
Ninguém mais é abandonado nos versos da MPB. Todos garanhões, todos metendo bronca adoidado e subindo ao palco para contar como foi bom. Ninguém é humilhado. Todos príncipes vencedores. Waldick, o cantor de voz poderosa que agora se foi, um dos maiores da música brasileira, colocava o coração na mesa, os bofes pela boca. Esbravejava a paixão radical pela mulher da vez, que pretendia fosse a última — mas ela, na segunda parte da letra, sempre insistia em trocar de amante. Escafedia-se. As músicas de Waldick suplicavam perdão, tinham zero de empáfia e nenhum orgulho da testosterona.
Embaixo do jeitão rústico, estava um artista que exaltava a delicadeza do encontro definitivo. "Fica". "Volta". "Saudade". Um macho do tipo que, infelizmente, não grava mais discos, que deixou de traduzir o brasileiro sentimental nas canções — como se todos, moderníssimos, fingissem desconhecer que a pior coisa do mundo é amar sem ser amado.

Autor: Joaquim Ferreira dos Santos

Recebido por e-mail enviado pelo amigo canindeense/benebeano, Robério Fernandes, em 16-01-13.

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