O ESCÂNDALO NO BNB


Corrupção - Jornal O Povo, 05/07/2012

Empréstimo negado em Jaguaribe saiu pelo Maranhão

Empresário revela ao O POVO que ele e seu sócio receberam financiamento do Banco do Nordeste (BNB) por meio de fraude. Ele era parceiro de negócio do vereador Marcos Rogério Machado (PRB), o Marcão, assassinado por pistoleiros na Câmara Municipal de Jaguaretama em setembro do ano passado
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IGOR DE MELO
Barrado na agência do BNB em Jaguaribe (foto), o empréstimo foi aprovado em agência no Maranhão. Aqui, o gerente teria rejeitado aceitar como garantia uma escritura de um terreno localizado em Goiás
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Apesar da solicitação ter sido feita na agência do BNB de Jaguaribe, no sertão do Ceará, um empréstimo de R$ 1 milhão e 943 mil foi liberado pela agência do bairro Renascença, localizada em São Luís do Maranhão. Para o valor ser aprovado por lá, o vereador cearense Marcos Rogério Machado de Lima, da pequena Câmara Municipal de Jaguaretama, teria usado da influência política em Fortaleza para ser beneficiado.

Além do suposto apadrinhamento político, o vereador e seu sócio, o empresário Genivaldo Bezerra Peixoto, 52, abriram uma firma que nunca funcionou e compraram até “garantias” para apresentar ao banco. Em um cartório no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza, pagaram R$ 245 mil por escrituras de terrenos sem valor no estado de Goiás e no Eusébio (Ceará). Apesar da fraude, o gerente da agência Renascença, de São Luís (Maranhão), validou o documento e autorizou o financiamento de quase R$ 2 milhões para a compra de seis veículos pesados e uma carroceria.

De acordo com Genivaldo Bezerra, que se diz vítima de um golpe, “nenhum tostão” do empréstimo feito no BNB teria passado por suas mãos.

Leia as revelações de Genivaldo Bezerra a O POVO.

O POVO – Como o vereador Marcos Rogério chegou ao senhor?
Genivaldo Bezerra – Eu conhecia ele de muito tempo e o pai dele tem uma propriedade vizinha à minha, no distrito de São Pedro, aqui em Jaguaretama. Ele se candidatou a vereador na eleição passada e trabalhei pra ele. Foi a primeira vez que ele foi candidato. Quando se elegeu, um dia chegou pra mim e disse: “Rapaz, você é uma pessoa que me ajudou muito e quero fazer alguma uma coisa por você”. E o que é? Perguntei. Ele disse que estava planejando um empréstimo no Banco do Nordeste. Isso antes da última eleição para deputado, em 2010. Ele disse “rapaz, tem um deputado (do PT) que vai ajudar a gente”. 

OP – Ele era cabo eleitoral do deputado?
Genivaldo – Trabalhou pra ele na última eleição. Veio duas vezes aqui. Ele dizia: “Nós não temos condições de tirar um projeto desse. Mas como o deputado é influente e ele sabe que nós vamos botar as máquinas pra trabalhar, nós vamos ganhar dinheiro”. 

OP – O senhor chegou a falar com o deputado?
Genivaldo – Não. Eu mesmo, não. O contato era com o vereador. Ele repetia que tinha amizade com o deputado e com o superintendente do BNB, o Isidro (Morais, recém-afastado do cargo). Ele dizia que tudo ia dar certo. Lá, ele chegava no Banco do Nordeste como se fosse o dono. Ele entrava na sala do Isidro. O vereador dizia que não se preocupasse que o empréstimo ia sair. 
OP – Qual a proposta do vereador?
Genivaldo – Nós íamos abrir um financiamento, comprar umas máquinas e ele ia me botar para trabalhar com as máquinas. Tudo lícito. Eu não tinha como provar nada. O pessoal falava, mas, comigo mesmo, ele (o vereador) sempre honrou os compromissos. Comprou por quase dois anos no meu mercantil e me pagou direitinho. Comprou 25 reses (gado) e me pagou. Eu achava que jamais ele faria isso. Justamente porque eu tinha trabalhado com ele na política. Alugou meu carro e um som para trabalhar para a eleição do deputado na época. Pagou R$ 3.500 pelo aluguel do carro. O carro era meu. Eu fazia propaganda durante a campanha para o deputado. Era o que a gente chama aqui de volante (carro com caixas de som). Quando terminou a campanha, ele pagou tudo direitinho. 

OP – O senhor leu o projeto apresentado ao BNB?
Genivaldo – Eu vi. Fui lá naquela empresa... Não é Podium. É outra. O cara da Podium foi quem fez o negócio com ele (o vereador). Eu não peguei em nenhum centavo e ele disse que também não pegou. Parte foi para a conta da Podium.

OP – E as máquinas?
Genivaldo – Nem nas máquinas eu peguei. Eu não sei nem se ele recebeu de fato essas máquinas (seis veículos e uma carroceria). Mas aí passou dezembro, janeiro, fevereiro e nada desse empréstimo. Peguei meu carro e fui bater na agência de Jaguaribe e falei com o gerente: “Rapaz, fizemos esse empréstimo e tal e não saiu até agora. E eu tô com medo”. Aí o gerente disse: “Vamos olhar aqui”. E ele disse “não, rapaz, esse empréstimo já saiu em 31 de de janeiro de 2011”. Ele viu lá o extrato e disse que já tinha saído o capital de giro e o dinheiro para comprar as seis máquinas. Os R$ 183 mil de capital de giro tinham sido transferidos da conta da gente para a conta do rapaz da Podium. Isso sem eu nem saber e não ter assinado nada. A conta estava zerada.

OP – O senhor e o vereador abriram uma empresa?
Genivaldo – Sim, a Ouro Metal Construções Ltda.

OP – A Ouro Metal era pra funcionar aqui, em Jaguaretama?
Genivaldo – Exatamente, mas nunca funcionou. As coisas foram passando e ele se transformou, ficou diferente comigo e nada dele falar do resto do dinheiro. Aí, eu falei pra ele: “Vamos receber as máquinas. O dinheiro já tinha saído”. E ele disse que “sim” e fomos para a Podium. Quando chegamos lá (na Podium, em Fortaleza), o Clayton disse que não entregava tudo. Eram seis máquinas e uma carroceria caçamba basculante. Ele falando e Marcão ali, calado. Ele disse que o Marcão estava devendo um dinheiro a ele e, por isso, não entregava. E eu perguntei: “Quanto ele está te devendo? Ele disse que tinha emprestado R$ 300 mil. Trezentos mil! Como é que empresta R$ 300 mil a ele?”. E ele respondeu: “Ora, ele disse que me pagaria quando o empréstimo (BNB) fosse sair. Era garantido”. Aí foi que eu fui entender, os R$ 183 mil do capital de giro que ele passou para a conta dele (da Podium) era por conta da dívida do Marcão. Então, ele disse que só entregaria quatro máquinas (ver fac-símile na página 31) e ficaria com a retroescavadeira grande e a motoniveladora. E eu disse que não aceitava porque ia dar problema no banco. Nós estávamos devendo ao banco seis máquinas (e uma carroceria) e não quatro. 

OP – E o que o senhor fez?
Genivaldo – Eu fui ao cartório de Jaguaretama me aconselhar com Francijaime (tabelião) sobre o que fazer e ele disse que eu ia levar um balão. Aí, ele preparou um documento dando um prazo para a Podium entregar as máquinas em 48 horas; caso contrário, eu ia pra Justiça. Depois eu recebi uma resposta dele, dizendo que havia entregado as máquinas. Fui de novo na Podium, em Fortaleza, e ele (Clayton) disse que tinha entregado as máquinas para o vereador. “Ele veio aqui e disse que se responsabilizava e eu entreguei”, o Clayton falou. Eu pedi uma cópia do documento de entrega e ele me deu a original. Depois entreguei ao delegado (Edmar Granja, de Jaguaribe). O vereador recebeu as seis máquinas (e a carroceria) e nunca mais apareceu para falar comigo. Dali em diante, ele pegou um talão de cheque da firma (Ouro Metal) e sentou o pau a dar cheque sem fundo.

OP – A firma nunca existiu?
Genivaldo – Não. Ela existiu para a compra das máquinas, mas nunca funcionou. Elas seriam alugadas para prefeituras e obras grandes.

OP – O BNB cobrou a primeira parcela do empréstimo?
Genivaldo – Mandou várias cartas. Depois, nunca mais recebi cobrança. Começou a partir de janeiro de 2012. A primeira prestação, se não me engano, era de R$ 23 mil por mês. Durante sete anos.

OP – Deixaram de cobrar porque detectaram a fraude?
Genivaldo– Acho que sim. Quando eu fui lá, na agência do Jaguaribe, vi que esse negócio estava errado. Depois, eu comecei a denunciar, mandei um e-mail para agência. O empréstimo não havia saído por Jaguaribe. Eles arrastaram para uma cidade do Maranhão. A agência de Renascença. Eu nem sabia que podia fazer isso num banco. Eu fui funcionário 15 anos do Banco do Brasil. Nunca tinha visto um banco fazer uma coisa dessas. Você assinar um contrato fora da agência onde você pediu?

OP – Teve fraude nas garantias?
Genivaldo – As garantias, o Marcos me disse que tinha um rapaz em Fortaleza que vendia. “Você chega lá, compra e o rapaz passa um documento para o seu nome e o banco aceita”. No caso, era em nome da firma. Eu sei que ele comprou uma escritura de um terreno em Goiás. Passei a escritura para o advogado.

OP – A agência de Jaguaribe teria se negado a conceder o financiamento por que achou suspeito o terreno em Goiás?
Genivaldo – Não sei. Eu só vim saber que o projeto havia saído de Jaguaribe quando fui à agência e o gerente disse que o projeto havia ido para o Maranhão. Acho que foi por isso que arrastaram o empréstimo pra lá [No Maranhão, apresentaram a escritura de outro terreno “superavaliado” localizado no Eusébio (Ceará)].

OP – Duas das máquinas foram vendidas em Morada Nova?
Genivaldo – Rapaz, eu só fui saber disso depois da morte dele (do vereador, em setembro de 2011). Um dia o delegado chegou aqui e me perguntou pelas máquinas. Acho que ele nem recebeu, apesar de ter assinado um documento. Em Morada Nova, vendeu para uma revendedora de carro. E a outra foi para um tal de “Nêgo”, que veio até aqui. Um rapaz me falou que outras duas caçambas estavam em Limoeiro do Norte alugadas para Prefeitura. Foram alugadas por causa da influência política do deputado Maílson (Cruz). Fui ao encontro dele numa rádio e perguntei pelas caçambas. Ele me respondeu que tinha mandado entregar ao Clayton, da Podium. E perguntei: “Mas por quê? O Clayton não era o dono. Já havia vendido as máquinas”. E aí ele falou que o Clayton queria o maquinário. Disse isso e foi embora. Fui lá no Clayton e ele não me recebeu. Procurei o advogado Flávio Jacinto e entreguei a documentação.

OP – Quando o vereador foi morto por pistoleiros, o senhor ficou com medo?
Genivaldo – Fiquei apavorado. Todo mundo na cidade dizendo que tinha sido eu que havia mandado matar. O delegado veio e contei a história toda. Nesse dia, a família dele estava toda lá e eu falei com o velho pai dele. Disse que não tinha nada a ver e que o filho dele era envolvido em várias coisas. Sim, aí passei a receber correspondências de vários cheques sem fundo do BNB. Toda semana recebia uma, vários cheques que davam mais de R$ 100 mil. Eu peguei, entreguei ao delegado as correspondências. E contei que, para comprar uma das garantias, o vereador Marcão havia me pedido cinco cheques emprestados.

OP – Qual o valor?
Genivaldo – R$ 245 mil para comprar as garantias. O cabra que estava vendendo me disse que não tinha perigo de colocar os cheques antes do tempo. Nos encontramos, em Fortaleza, duas ou três vezes. Eu, o Marcão e o velho que vendeu as garantias. Não lembrado do nome dele, mas tenho o telefone. O véi telefonou um dia e falou que ia botar meus cheques no banco. Fui na agência de Jaguaribe e dei contraordem, mas ele ainda protestou um cheque de R$ 20 mil. Ele trocou os cheques com um cara num cartório em Aquiraz. Os cheques eram para pagar o terreno em Goiás, eu tenho a escritura.
Procedimento

O POVO não revela o nome do deputado porque não encontrou provas que atestem a intermediação de empréstimo para o vereador Marcos Rogério no BNB. No inquérito policial e nas auditorias da CGU e BNB, também não existem provas. O jornal enviou e-mails para o deputado Maílson Cruz na semana passada e ligou para seu gabinete. Não houve retorno. O POVO também entrou em contato com a assessoria de imprensa do BNB para falar sobre o assunto. O banco informou que todas as denúncias estão sendo alvo de auditorias.

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