| 29 Abril 2012   
   
       
   
        
                   
    
   
  
De
 jeitinho em jeitinho, vai-se a Constituição para o brejo, a segurança 
jurídica para o espaço e o Poder Legislativo para o outro lado da praça.
Assisti a boa parte das sessões em que o STF deliberou sobre a adoção de quotas raciais para ingresso nas universidades públicas. Praticamente todos os votos foram ornados com líricas declarações de amor à justiça pela igualdade. Estavam dispostos a servi-la às mancheias. O ministro Fux, por exemplo, não falava. As palavras lhe gotejavam como favos de mel enquanto o versejador Ayres Britto ralava os cotovelos na quina da mesa. Joaquim Barbosa cedeu a cadeira a Castro Alves e quedou-se em pé, atrás, feliz por "estar ali, nest'hora, sentindo deste painel a majestade".
A ministra Rosa Maria, tecendo frases como quem bordasse sobre tela,assentou
 "que a ação tinha de ser julgada à luz da Constituição, que consagra o 
repúdio ao racismo e o direito universal à educação". Foi um alívio, 
àquelas alturas, ficar sabendo que a ação seria julgada à luz da 
Constituição porque eu já desconfiava de que os votos estavam sendo 
iluminados pelos estatutos de algum movimento racial. Contudo, ficaram a
 quilômetros das ponderações da ministra as inevitáveis decorrências do 
voto que deu: doravante incorrerá em racismo e afrontará o direito 
universal à Educação toda universidade, pública ou privada, toda feira 
do livro, todo prêmio literário, que não prover as tais cotas. Marco 
Aurélio, por pouco, muito pouco, não disse que a  adoção de quotas raciais se justifica porque o Estado é laico.
Levandowski,
 o ministro-relator, foi saudado como a princesa Isabel da sessão. Só 
não lhe deram tapete vermelho e damas de companhia porque não ficaria 
bem. Mas sua imensa contribuição para a justiça racial no Brasil o fará 
ombrear, na história, com a filha de D. Pedro II. Ao lado da Lei Áurea, 
haverá de estar, para sempre, o Voto Diamantino que relatou à corte. O 
ministro, contudo, tinha um problema. Havia um preceito, na 
Constituição, segundo o qual ninguém pode ser discriminado por motivos 
de cor, etc.. E era demasiado óbvio que o regime de cotas raciais feria 
essa prescrição ao criar exceções ao mérito como critério seletivo. A 
arguição de inconstitucionalidade do regime de cotas alegava que os 
positivamente discriminados ingressam na universidade com nota inferior à
 obtida por aqueles que, negativamente discriminados, ficam de fora 
apesar de haverem obtido nota superior. Como saiu-se dessa encrenca o 
ministro? A possibilidade da discriminação positiva não poderia ser 
permanente, disse ele. Não poderia ser uma porta aberta para a 
eternidade. Precisaria valer apenas enquanto necessária. Só por uns 
tempos. Caso contrário, ocorreria a inconstitucionalidade. Capice? 
Enxuguemos pois as consequências, provisoriamente, através dos séculos, 
enquanto permanece aberta, a montante, lá no bê-á-bá do sistema público 
de ensino, a torneira das causas. Mas quem se importa?
De
 jeitinho em jeitinho, vai-se a Constituição para o brejo, a segurança 
jurídica para o espaço e o Poder Legislativo para o outro lado da praça.
 Se o Congresso se omite em legislar, andam dizendo os 
ministros-constituintes, o STF precisa agir subsidiariamente. 
Esquecem-se de um dado da dinâmica parlamentar: quando o Congresso não 
delibera é porque não há entendimento sobre a matéria. E isso é 
absolutamente normal, significando que o parlamento, provisoriamente, 
decidiu não decidir. Aliás, a ideia de que o Estado precisa emitir leis 
sobre tudo e sobre todos é irmã do totalitarismo. Quando, nas normas que
 conduzem qualquer organização humana - do estatuto do clube à 
constituição nacional - se pretende criar exceções ou regulamentar 
detalhes, produz-se uma balbúrdia com efeito contrário ao pretendido. Em
 vez de esclarecer, confunde-se cada vez mais. Por favor! Menos leis, 
mais liberdade.
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