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O CALVÁRIO DO POVO VENEZUELANO

Desabastecimento põe venezuelanos horas nas filas para fazer compras
SAMY ADGHIRNI - NA FOLHA DE SÃO PAULO
DE CARACAS - 02/07/2015 02h01
Numa manhã recente, a engenheira Karina Rangel, 40, mãe de dois bebês, foi a uma farmácia de Caracas onde havia chegado um carregamento de fraldas, item raro numa Venezuela assolada pelo desabastecimento.
Enquanto esperava na fila do caixa, viu entrar na loja um grupo de dez pessoas que ela identificou como "bachaqueros", como são chamados os que compram produtos a preço regulado para revendê-los no mercado negro.
O grupo furou a fila na frente de Karina. A engenheira reclamou, provocando reação furiosa de uma "bachaquera". "Ela me empurrou e jurou que iria me cortar a cara", lembra Karina, que teve de sair da loja protegida pelos seguranças.
Federico Parra - 16.jan.2015/AFP 
Venezuelanos fazem fila para entrar em supermercado na capital, Caracas
Em maio, a imprensa local relatou o caso de uma gerente de supermercado que teve o rosto mutilado por uma cliente inconformada por não poder levar mais de três vidros de azeite de oliva –o limite fixado pelo governo.
A dona de casa Dina Rawlins, 57, não voltou ao supermercado do seu bairro desde a recente briga de socos entre um segurança e um cliente acusado de roubo. "Quando a pancadaria começou, quis sair correndo, mas trancaram a porta da loja. Fiquei apavorada", lembra.
É difícil encontrar um venezuelano que não tenha sofrido ou presenciado recente episódio de tensão em mercados ou farmácias, que se tornaram a face mais visível do caos provocado pela crise econômica.
Ir às compras na Venezuela significa passar horas na fila, muitas vezes sob sol escaldante, sem saber se ainda haverá o que se busca ao final da espera ou se o dinheiro será suficiente diante da escalada semanal dos preços.
Significa, ainda, submeter-se a compras racionadas mediante controle de identidade, muitas vezes sob observação de policiais e soldados.
A isso se soma a irritação gerada por quem tira proveito do caos, como pessoas que vendem lugares na fila e os "bachaqueros", que passam na frente de todos sob pretexto de estarem "trabalhando". Na saída das lojas, clientes temem ladrões.
Em janeiro, uma discussão na fila do Makro de Caracas terminou com o assassinato de uma mulher.
"O venezuelano tornou-se agressivo, mal humorado e ressentido. É uma sociedade em estado de 'salve-se quem puder'. Não há espaço para civilidade", diz o psicólogo social Axel Capriles.
Também socióloga, Daniuska González vê sintomas de uma banalização da violência que se manifesta igualmente na proliferação das armas e na admiração por delinquentes.
"Há uma paranoia que leva à reafirmação da identidade por meio do confronto", diz.
QUATRO FILAS SEGUIDAS
Em Caracas, a tensão é palpável nas múltiplas filas do hipermercado estatal Bicentenário.
A primeira fila, que as autoridades empurraram para o estacionamento subterrâneo para escondê-la, antecede a entrada no complexo Bicentenário.
A segunda forma-se no andar da área de vendas.
A terceira, que dá acesso às prateleiras de itens escassos, é a mais tensa.
A Folha viu centenas de pessoas espremidas umas às outras atropelarem um cordão de funcionários que tentavam controlar a distribuição de frango e leite em pó.
Nem a presença de policiais armados foi suficiente para conter o caos. "Há dias piores", disse uma policial.
Os clientes ainda precisam encarar uma quarta fila, nos caixas. É comum pessoas chegarem às 6h e só saírem no início da tarde.
A tática básica de quem depende dos mercados estatais – onde quase tudo tem preço subsidiado – é chegar em grupo. Uns garantem logo lugar na fila do caixa, outros buscam produtos.
Comprar em grupo também permite driblar o rodízio de compra por documento de identidade (final em 7 só pode comprar às quintas, por exemplo) e contornar o racionamento (multiplica-se a cota por pessoa).
GUERRA ECONÔMICA
O presidente Nicolás Maduro diz que as filas refletem a "guerra econômica" travada por empresários supostamente opositores que escondem produtos para jogar a população contra o governo.
Segundo economistas, porém, a escassez é fruto do controle de preços e de câmbio e das expropriações de empresas, que minam a já modesta indústria nacional.
A situação piorou há um ano, quando a queda do preço do petróleo derrubou a arrecadação do Estado, que dispõe de cada vez menos dólares para importar alimentos.
A socióloga González considera o governo incapaz de melhorar a vida das pessoas, o que, de acordo com ela, continuará elevando o "nível de intolerância".

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