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E AGORA, JANOT?

17/06/2015 às 16:47
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, poderia estar numa situação muito fácil. E, no entanto, está numa situação difícil. Seria fácil caso tivesse se limitado a ler o que está na Constituição, evitando a interpretação exótica. Como não a evitou… Vamos ver. Júlio Macedo, que pertence ao mesmo Ministério Público presidido por Janot e que é procurador da República junto ao TCU, fez um relatório devastador sobre as contas do governo federal em 2014. Além das tais pedaladas fiscais e de manobras contábeis as mais diversas, aponta que a presidente Dilma assinou três decretos autorizando o Tesouro a contrair empréstimos sem o aval do Congresso.
Se o TCU tivesse votado o relatório nesta quarta, ele teria sido aprovado, e, assim, o tribunal teria recomendando ao Congresso que rejeitasse as contas. É grave? É grave! Mas os ministros deram uma piscada e decidiram adiar por 30 dias, cobrando que Dilma se pronuncie pessoalmente sobre o assunto. Atenção, meus caros! Isso nada tem a ver com a praia de Rodrigo Janot, pouco importa a decisão do TCU ou do Congresso. Vamos ver.
Ao se manifestar perante o Supremo sobre a possibilidade de a presidente Dilma ser responsabilizada pelos descalabros da Petrobras, Janot argumentou que o Artigo 86 da Constituição impede que a presidente seja responsabilizada, no curso desse mandato, por atos cometidos no mandato anterior. Foi a leitura que ele fez do parágrafo 4º de tal artigo, onde se lê:
“§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
Parece evidente que a interpretação dada por Janot é imprópria. Até porque o texto constitucional fala em “exercício de suas funções”, não em “exercício do mandato”. A função de Dilma em 2015 é a de presidente, a mesma que ele exerce desde 2011. Caso Janot mantenha a sua leitura, há de dizer que as pedaladas fiscais e os empréstimos irregularmente contraídos se deram em 2014; logo, não teriam nenhuma relação com este mandato.
Mas esperem: fiquemos atentos a um trecho do relatório de Julio Macedo. Diz ele:
“O que a Nação assistiu perplexa foi uma verdadeira política de irresponsabilidade fiscal, marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da chefe do Executivo em ano eleitoral”.
Ora, essas palavras põem a nu a leitura ridícula feita por Janot. Se o procurador-geral estivesse certo, um presidente da República poderia cometer crimes num mandato para garantir o próximo e jamais poderia ser responsabilizado. Macedo diz que Dilma fez precisamente isso. Será que o parlamentar constituinte, ao redigir e aprovar aquele Parágrafo 4º, estava dando carta branca ao chefe do Executivo para fazer o que lhe desse na telha? De resto, o texto constitucional é anterior ao estatuto da reeleição.
Sim, senhores! O representante do MP no TCU está dizendo que Dilma cometeu crime de responsabilidade, infringindo a Alínea 4 do Artigo 10 e a Alínea 3 do Artigo 11. Janot tem instrumentos na mão para oferecer, se quiser, uma denúncia contra Dilma.
Mas não é só isso. A oposição lhe encaminhou um pedido cobrando a abertura de ação penal contra a presidente, aí com base dos Artigos 299 e 359 “a” e “c” do Código Penal, que tratam de crimes contra as finanças públicas. Como já expliquei aqui, ele pode negar que isso tenha acontecido — e isso implica, de novo, jogar no lixo o relatório de um membro do próprio MP —, encaminhar uma denúncia ao STF, que teria de ser remetida à Câmara para exame, ou solicitar, ao menos, uma abertura de inquérito.
Se, nos episódios do petrolão, a Procuradoria-Geral da República conseguiu, ainda que com argumentos ruins, livrar a cara de Dilma, no caso das pedaladas fiscais, a coisa já fica mais difícil. Ainda que Janot insistisse naquela mesma leitura exótica, não teria por quê, dadas as evidências apontadas por um membro do próprio MP, recusar ao menos a abertura de inquérito — o que é, segundo jurisprudência do Supremo, constitucional, sim.
Na história do petrolão, está sendo possível limpar a barra de Dilma com o glacê da retórica jacobina contra alguns acusados. No caso da lambança fiscal, isso é impossível. Não há compensações a oferecer. Se Janot mantiver a sua postura, só restará mesmo a advocacia da impunidade.

Por Reinaldo Azevedo em seu blog

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