A AFLIÇÃO DE UMA ELEITORA ÓRFÃ

Temos responsabilidade por quem será eleito. 
Por Mônica El Bayeh (*)
Na 'Visita' de hoje, a aflição de uma eleitora órfã
Revista Época - 24/08/2014 12h00 - Atualizado em 24/08/2014 13h50
Estamos de volta ao ruim e velho horário eleitoral. Já assistiu? Eu assisto menos do que deveria. Mais, eu não consigo suportar. Sempre na dúvida se rio ou se choro. Tem a verve de um programa humorístico mal escrito. É muito ruim para ser verdade e o pior: é verdade. A nossa triste verdade. 
Pezão, Garotinho, Zé Bombril, Zé Porquinho, Lair do Marmitão, Tião Cascudo, Tiririca da Itinga e Zaca Me Ajuda Aí. Todos de olho no seu voto. Se você ouvisse essa lista assim, de repente, acreditaria que se tratava de candidatos a governador, deputado, vereador? Você votaria? Votará?
Se fossem médicos, você deixaria que te operassem? Contrataria um nome assim para ser teu advogado? Engenheiro? Veterinário do gatinho? O que um nome desses nos conta sobre suas intenções? Você enxerga seriedade numa pessoa que adota um nome desse tipo? Veja bem, a proposta não é para sentar no bar, beber cerveja, falar besteira e rir junto.
Parece convocação de time de fundo de quintal do tipo 'com camisa' x 'sem camisa'. Agora adivinhe quem somos? Acertou! Somos os sem camisa, sem saúde, sem lei, sem voz, sem direitos e sem educação. Não temos tido políticos que joguem no nosso time, do nosso lado, estabelecendo parceria.
Já há algum tempo sofremos com a nossa falta de tática na hora da escalação. Bem na cara do gol, nós convocamos a equipe errada. É falta nossa! É pênalti! Somos um time de bola murcha, fazemos gol contra e reclamamos como se não tivéssemos nenhuma responsabilidade nesse placar. Temos toda a responsabilidade sobre quem vai nos representar. E é o que me aflige.
Quem sustenta toda essa máquina publicitária? Que custo terá para nós? Quem se vende, nos venderá junto, não me engano. Somos o pagamento, o boi a ser abatido para o churrasco dos grandes poderosos e ricos. Tem sido assim desde sempre. 
Estou farta de CPIs e dinheiros na cueca. Entre o abismo e o penhasco vago aflita. Momento de indecisão por total falta de opção. Votar no menos pior é muito triste. Mais ainda quando não há o menos pior.
Olho a lista dos candidatos e só me sobra o que não conheço. Os que conheço, nem sei como conseguiram se candidatar com ficha limpa. Aliás, gostaria enormemente de saber com que sabão eles lavaram a ficha. Porque os que eu compro são de boa marca, mas nem de longe lavam tão branco e tão limpo quanto o deles. O deles não tira só mancha, faz milagre.
Houve um tempo longínquo em que eu tinha candidato, ia a comícios, fazia boca de urna. Eu acreditava. Levei meu filho pequeno para votar comigo, para que ele lembrasse que fez parte da história. E hoje ele me acusa disso. Mas eu era feliz por lutar por um mundo melhor.
Hoje, mais de dezessete anos se passaram. Meu filho tirou o título de eleitor e não tem em quem votar. Tenho vergonha. Me pego órfã, vazia de quem admirar e confiar. Do que vejo e analiso nada me agrada. Minha angústia só piora com a surpresa de ver os mesmos de volta!
Me pergunto: como assim, depois de tudo? Se tivesse lei Maria da Penha para agressão de políticos contra o povo, mais da metade da lista estaria presa. Mandaram bater em professores, em bombeiros, bateram em todos os que ousaram questionar e lutar por melhores serviços para o povo.
Mandaram embora servidores públicos grevistas, deixaram pais e mães de família sem sustento. Se negam a pagar decentemente aos funcionários, mas permitem todo tipo de desvio aos amigos do rei. Sucatearam a saúde, a educação, a segurança. E agora de ficha e cara limpa retornam?
É como se eu estivesse num pesadelo e não conseguisse acordar. Voltam os mesmos para dar continuidade ao massacre que começaram. Como filmes de terror que têm continuação. Voltam para acabar o que ainda falta destruir. Onde está a nossa memória? Deve ter sido lavada com o mesmo sabão deles. Só pode.
Há candidatos novos desconhecidos. Não mostraram muito ainda a que vieram. Alguns parecem bons, nem sempre estão aliados a um partido que presta. Pelo menos esses ainda não fizeram nada de ruim. Esse é um bom raciocínio?
Os novos ainda não tiveram sua chance. Tendo a chance o que farão? O mesmo que os outros? Só o destino dirá. Mas como namoro desfeito, prefiro investir no próximo do que no que já me fez tão mal. Me agarro à pouca esperança de que posso me surpreender.
Não vai ganhar mesmo? É voto perdido? Amigo, confesso aqui em segredo, meu voto eu já considero perdido há muito tempo. Preciso de alguém que ainda não tenha usado sabão em sua vida política, que ainda não tenha maltratado o povo que lhe elegeu.
Quer saber? Pelo menos na minha lista, só sobrou o que é novo. O resto, os que ficaram de molho na água sanitária, esses não me pegam mais. Podem beijar mil criancinhas, cozinhar, desidratar de chorar, contratar atores para dizer o quanto são ótimos. Estou fora. Não me enganam mais.
Me entristece sonhar em morar fora para ter uma vida mais digna. Nasci aqui. Meus filhos são desta terra. É por ela que devo lutar, mesmo achando tudo muito difícil. Resistirei. Voto é resistência e esperança. Voto é investimento. Investirei no novo. Porque o velho já me mostrou a que veio.
Estou cheia de cheiro de mofo, de artimanhas, de teias de aranha de gestões velhas e viciadas que nada fazem por nós e ainda arrastam trabalhadores honestos pelas ruas. Chega de tanto desprezo, tantas falcatruas. Quero sangue novo, quero cheirar a esperança de um Brasil melhor. Quero meus filhos indo votar de olho brilhando, como um dia eu já fui. Quero acreditar que nem todo mundo paga para ter ficha limpa, afinal esse sabão deve custar fortunas.
O Brasil não precisa de "garotinhos". Deixemos os garotos na escola, lá é o lugar deles. O Brasil não precisa de pé de nenhum tamanho. Pisões e chutes já tivemos mais que o suficiente.
Também não precisamos de pessoas que julguem a forma e as escolhas de cada um. Nem as sexuais, nem as religiosas. Que cada um seja feliz do jeito que quiser e que os governantes governem bem e para todos. Todos merecem e têm os mesmos direitos. Precisamos não de pedaços, mas de pessoas inteiras e íntegras que nos enxerguem, nos atendam e nos acudam.
Que nossos votos sejam vetos ao que não presta.

(*) Professora e Psicóloga

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