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OS FRANCESES COM INVEJA DE NÓS

O dia em que os franceses sentiram inveja dos brasileiros

Ana Carolina Peliz

Eu sempre admirei – e por que não dizer que invejei? – os franceses por sua incansável capacidade de se manifestar. Já falei sobre isso em várias cartas, para mim nada é mais francês do que pão, queijo, vinho e manifestação.
Por isso, nestes últimos dias, não consigo esconder minha enorme fierté (orgulho, em francês), com o que tenho ouvido deste povo, especialista em revoluções.
Desconhecidos em cafés, amigos, colegas e próximos me dizem: “lindo exemplo”, “estamos com vocês”, “continuem e o mundo inteiro acompanhará” e, finalmente, a frase que quase me faz explodir, “seria bom se a mesma coisa acontecesse na França”.
As manifestações no Brasil pegaram os franceses desprevenidos. Há algum tempo nosso país é visto por eles como um eldorado, um lugar onde todas as promessas são possíveis. Mas o “povo com um enorme coração”, como eles costumam se referir a nós, também é considerado passivo.
Talvez ainda seja cedo para dizer, mas nestas últimas semanas, acho que houve uma mudança. O jornal Libération chegou a falar de “Revolução?”, com letras garrafais, na primeira página. Claro que foi com um pontinho de interrogação para não se comprometer demais.
Sobre os protestos, os franceses dizem que são “polifônicos”, “irreverentes”, “contra o circo da Copa do Mundo”, “da juventude”. Vi alguém comentar até que as manifestações “conseguiram unir um Brasil antes polarizado”, fazendo referência ao fato de que pessoas que não utilizam o transporte público se manifestaram contra o aumento das passagens. Surpreendente? Eu não acho. Para eles, que chamam as manifestações pelo apelido carinhoso de manif, uma manif só pode ser positiva.

Foto: Fe Hinnig

Claro que não é segredo para ninguém que a França atravessa uma fase difícil: marasmo econômico, desemprego, recessão, além de escândalos recentes que mostram que a corrupção também é uma realidade por aqui. Para completar tudo isso, o país enfrenta um dos mais frios verões dos últimos tempos, com temperaturas abaixo de 18 graus. Em resumo, os franceses andam desanimados e descrentes.
Por isso, ver os jovens na rua no Brasil, com cartazes criativos, exigindo mudanças, mexe com a chama que não se apaga nunca no coração dos franceses. Eu acho que estes velhos revolucionários, que continuam brigando contra tudo e todos, sentem, bem lá no fundo, uma mistura de inveja e melancolia. Eles gostariam de ter um país que ainda pudesse ser revolucionado.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela escreve aqui todas as quintas-feiras.

No Blog do Noblat de 27-6-2013.

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