09 de maio de 2012 |
Por José Nêumane (*)
Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), e
Fernando Collor de Mello, que há 20 anos renunciou à Presidência da
República sob acusações de corrupção e atualmente é senador governista,
exibiram publicamente seu desapreço comum pela liberdade de expressão.
Como registrou este jornal na editoria Nacional, no sábado, o
petista deu uma informação inusitada em encontro realizado em Embu das
Artes para discutir estratégias eleitorais do partido. Segundo ele, a
presidente Dilma Rousseff "poderá" (atente para o verbo usado) pôr em
discussão o marco regulatório da mídia depois de acertar as contas dos
juros altos com os banqueiros. "Este é um governo que tem compromisso
com o povo e que tem coragem para peitar um dos maiores conglomerados,
dos mais poderosos do País, que é o sistema financeiro ou bancário. E se
prepara para um segundo grande desafio, que (sic) iremos nos
deparar na campanha eleitoral, que é a apresentação para consulta
pública do marco regulatório da comunicação", pontificou.
Em teoria, a presidente da República tem poderes constitucionais
para, por exemplo, declarar guerra aos Estados Unidos ou ao Paraguai.
Ninguém acredita que o fará. Mas Falcão espera que ela declare guerra
aos meios de comunicação. Ela pode desejar. Mas ele poderá influir ou
mesmo informar a respeito, sendo presidente nacional do partido em que
milita a presidente e ocupando uma cadeira na Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo? Não consta que nenhum de seus cargos o torne
porta-voz da presidente ou do governo federal, no qual é um zero à
esquerda como o autor destas linhas e a quase totalidade dos que as
leem. Como não consta que a presidente da República seja obrigada a
cumprir o que determina o principal dirigente da legenda pela qual se
elegeu, a autoridade dele para anunciar o que o governo dela fará é
igual à de um marronzinho anônimo ou do bispo de Santo André.
Nada há, pois, a temer quanto às consequências de suas bravatas
contra a liberdade de imprensa gozada nesta República, que, felizmente,
não é uma republiqueta de bananas. Elas devem provocar idêntico susto
(que ninguém sentiu) ao de quando Collor assumiu o encargo de atrapalhar
a cobertura da imprensa na CPI de Carlinhos Cachoeira.
Há, sim, que esclarecer os motivos do desprezo de ambos pelo
jornalismo. Falcão e Collor são profissionais de imprensa. O currículo
do petista revela sua passagem por jornais importantes e por ele se
constata que dirigiu a redação da Exame, revista que propaga e
defende o capitalismo, que o deputado execra. Sabe-se lá que mágoas ele
guarda de seus antigos patrões ou os dilemas de consciência que teve de
ultrapassar para editar o noticiário e os artigos de uma publicação que
nega todos os princípios do socialismo, que ele abraçou e seguiu depois
de trocar a profissão de jornalista pela militância política num partido
de esquerda. É possível entendê-lo, mas não dá para justificá-lo. A
transposição de ódios pessoais para o ideário político não faz bem ao
profissional nem ao cidadão.
Ao contrário dele, Collor foi apenas um "foca" (iniciante) que não
chegou a seguir carreira, trocando-a pela atividade política, em que
atingiu o posto máximo que alguém do ramo pode almejar, sem, porém,
conseguir dar nenhuma amostra de mérito pela vertiginosa ascensão. Foi
na carreira pública, e não no ofício jornalístico, que o ex-presidente
encontrou seus motivos para, mais do que o outro, detestar os meios de
comunicação em geral e, em particular, a liberdade de informação e
opinião. Afinal, jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão
revelaram à sociedade as estripulias da "República de Alagoas", que ele e
seu anspeçada PC Farias aprontaram em Brasília.
O "Carcará Sanguinollento" nunca perde a oportunidade de se dizer
inocente das acusações contra ele publicadas, usando como argumento o
fato de nunca ter sido condenado pela Justiça. É verdade, contudo, que
essa evidência não elimina outra: a de que ele deixou de ser o poderoso
presidente de uma "República monárquica" e hoje não passa de um obscuro
senador por Alagoas, Estado que governou depois de ter sido prefeito da
capital, Maceió. Livre de cumprir condenação judicial e usufruindo sem
restrições os bens que amealhou, ele é agora um acólito do baixo clero
sempre disposto a fazer o serviço sujo para os novos patrões, por ironia
do destino, seus mais brutais algozes, os principais responsáveis por
sua derrocada. A ponto de se oferecer, sem que ninguém tivesse
encomendado ou mesmo pedido, para atrapalhar a cobertura da CPI no
Congresso Nacional
A pouca prática de Collor e a notória carreira de Falcão no
jornalismo não bastaram para que ambos aprendessem uma lição elementar: o
direito à livre informação e à opinião plural não é dos concessionários
dos canais de rádio e televisão nem das empresas proprietárias de
jornais e revistas, mas do cidadão. Comunicação não é um negócio como os
bancos, mas um ofício que depende da aprovação de seu cliente, o
cidadão, que exige ser bem informado para poder decidir sobre o próprio
destino. Assim funciona o Estado de Direito.
Aliás, a página deste jornal que expôs o destampatório do deputado
também publicou o anúncio feito pelo presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Carlos Ayres Britto, de que o Judiciário fará "até
campanhas esclarecendo o conteúdo da decisão do Supremo (que derrubou a Lei de Imprensa em 2009),
que foi pela plenitude da liberdade de imprensa". Para tranquilidade
geral da Nação, que quer continuar a ter acesso à informação livre e à
opinião plural, a presidente Dilma Rousseff tem feito reiteradas
declarações no mesmo sentido desta. O ódio de Falcão, coerente com o
sobrenome, mas contrário ao pedido de "luz" do poeta alemão Goethe, seu
segundo nome, e de seu novel companheiro Collor terá, assim, o destino
das iniciativas anteriores: o lixo da História.
(*) JOSÉ NÊUMANNE É JORNALISTA, ESCRITOR E EDITORIALISTA DO 'JORNAL DA TARDE'
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,carcara-e-falcao-contra-a-liberdade-de-expressao-,870560,0.htm |
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