A POBREZA E A MISÉRIA NO BRASIL

Aumento da extrema pobreza abre polêmica
Pesquisador constata que miséria sobe mesmo quando se exclui quem não tem renda, refutando governo
POR CLARICE SPITZ / EDUARDO BARRETTO / JOÃO SORIMA NETO
O Globo - 07/11/2014 6:00

RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO - Apesar de o governo argumentar que o aumento do número de miseráveis em 2013 apontado pela Pnad está ligado a uma flutuação estatística, devido ao aumento das pessoas que se declararam como tendo renda zero, o economista Rodolfo Hoffmann, da Esalq-USP, uma das grandes referências em estudos de desigualdade e pobreza do país, refuta essa tese. No ano passado, 2,369 milhões de pessoas ou 1,27% da população, se declararam com renda zero. Segundo Hoffmann, mesmo que não houvesse elevação desse grupo - formado por quem recebe pelo trabalho apenas moradia, alimentação, roupas, vales-refeição ou transporte e medicamentos - haveria aumento da pobreza extrema.
Segundo dados do Ipeadata, banco de dados do Ipea, divulgados na quarta-feira (05), o percentual de miseráveis, segundo a linha de pobreza de R$ 70 mensais per capita (linha do programa Brasil Sem Miséria), subiu de 3,6% em 2012 para 4% no ano passado. No mesmo dia, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Tereza Campello, contestou os dados dizendo ver uma incongruência, devido ao aumento do número de pessoas que se declararavam como renda zero. Ela disse que o órgão havia recalculado os dados e que o índice de miseráveis seria de 3,1%.
Mas Hoffmann calcula que o indicador aumentou de 3,11% em 2012 para 3,46% no ano passado, alta de 0,35 ponto percentual. As contas consideram apenas domicílios particulares permanentes e excluem os dados do Norte rural, entre outros. Com relação ao grupo de renda zero, este aumentou de 1,04% para 1,27% na mesma comparação, alta de 0,23 ponto.
- Há aumento da proporção de miseráveis, mesmo que sejam excluídas as pessoas com renda zero - afirma ele.
EVOLUÇÃO DO GRUPO RENDA ZERO
O pesquisador analisou a evolução do grupo renda zero desde a década de 90 e detectou uma oscilação em torno de 1%. Houve uma ligeira queda entre 2001 e 2006, seguida de uma leve alta. Com relação à miséria, Hoffmann vê uma trajetória similar: um forte decréscimo entre 2003 e 2008, de 7,7% para 3,9%, e uma quase estabilidade de 2008 a 2013, com a proporção de miseráveis ficando entre 3,5% e 3,9%. A exceção foi 2011, quando esse índice ficou em 3,1%.
- O valor da pobreza de 2013 está perfeitamente coerente com a relativa estabilidade a partir de 2008, e o ônus da prova cabe a quem está acusando - afirma ele, que reconhece, no entanto, que os dados da Pnad, elaborada pelo IBGE, estão sujeitos a erros.
O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, afirmou que a pesquisa do IBGE pode ter tido um problema metodológico. E ressaltou que o governo considera a queda da pobreza consistente e tem segurança nas políticas públicas que adota.
- Os indicadores de patrimônio não batem. O que pode ter acontecido é que são pessoas que não declararam a renda e não necessariamente têm renda zero. Queremos que o IBGE analise com mais profundidade a amostra, porque todos os outros índices mostram que a pobreza caiu e que esse indicador de renda zero pode ter um problema metodológico - declarou o ministro. - Acho difícil qualquer acadêmico que estude a pobreza com profundidade concluir qualquer mudança de trajetória em uma avaliação muito específica e dentro da margem de erro com esse componente.
Mercadante também negou ter havido atraso na divulgação dos dados por causa das eleições. Na quarta-feira, Tereza Campello havia contestado os números da Pnad. Segundo o ministério, parte expressiva das famílias com renda zero não tem perfil consistente com o de extremamente pobres - por exemplo, 13,5% destes têm máquina de lavar roupa, enquanto entre os de renda zero esse índice chega a 38,9%. Entre os extremamente pobres, 0,8% dos chefes de domicílio têm nível superior. Entre os de renda zero, o percentual é sete vezes maior.
O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Marcelo Neri, usou argumentos semelhantes:
- O crescimento dos miseráveis reflete o aumento das pessoas que se declararam renda zero. Mas entre as pessoas que declararam renda zero, 38% têm máquina de lavar louça em casa. Portanto, não é pobre.
Neri disse ser intuitivo achar que a desaceleração da economia e a inflação alta provocaram o aumento de miseráveis, mas afirmou que a renda dos brasileiros cresceu. Segundo ele, "o Produto Interno Bruto (PIB) dos brasileiros, que é o dinheiro no bolso, cresce mais do que a economia do país":
- Por isso, discordo totalmente de que a Pnad tenha sido contaminada por esse quadro da economia - afirmou, ressaltando que houve aumento na renda real dos brasileiros em 2013. - A questão é saber por que a sociedade brasileira não sabe desse crescimento. O nível de conhecimento sobre o país está muito ruim.
Neri ressaltou, porém, que a Pnad é um bom instrumento científico para medir a condição financeira dos brasileiros.
O IBGE negou que vá fazer revisão nos dados da Pnad 2013 em razão dos questionamentos do MDS. O instituto argumentou ter seguido sua metodologia e afirmou que, a cada ano, os indivíduos sem declaração de rendimentos têm flutuação anual diferenciada, bem como aqueles que se recusam a prestar informação sobre a renda.

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