O LEGADO DA COPA FUGIU COM OS TURISTAS

Dilma Rousseff, na entrevista coletiva com ministros convocada (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil de 14-7-14)
BRANCA NUNES
“O Brasil mostrou que estava capacitado e que tinha todas as condições para assegurar infraestrutura, telecomunicações, tratamento adequado aos turistas, às seleções, aos chefes de Estado que viessem nos visitar. O país se superou e nós teríamos de ter a nota máxima”, cumprimentou-se nesta segunda-feira (14) a presidente Dilma Rousseff, na introdução da entrevista coletiva que prometera conceder ao lado de 16 ministros. O que seria o maior evento do gênero em três anos e meio de governo foi a primeira entrevista da história em que não houve perguntas.
A sabatina que se seguiria ao monólogo de abertura foi abortada pela deserção da entrevistada, que invocou a necessidade de decolar rumo ao encontro dos Brics em Fortaleza para abandonar a zona de perigo. Se tivesse ficado por lá, dificilmente escaparia de ser confrontada com a distância que separa a Copa das Copas, que só o governo vê, da Copa da Roubalheira que a imprensa insiste em enxergar
Nesta segunda-feira (14), por exemplo, uma reportagem publicada pelo Estadão (leia abaixo) mostrou as reais dimensões do que Dilma chama de “legado”. Os projetos vinculados à infraestrutura eram 83 na lista divulgada em 2010. Caíram para 71 – e a maioria está longe da conclusão. Em contrapartida, os gastos saltaram de R$ 23,5 bilhões para R$ 29,2 bilhões. Até agora.
A malandragem federal incluiu a substituição de trens e monotrilhos por meros corredores de ônibus ─ sem que a despesa diminuísse. Embora o governo ainda não tenha publicado o balanço do Mundial da Fifa, um estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal calculou, em 2011, que a gastança não seria inferior a US$ 40 bilhões.
“Os projetos de construção do VLT de Brasília e de Manaus ficaram no papel”, constatou o Estadão. “O monotrilho de Cuiabá será entregue no segundo semestre de 2015. Em São Paulo, o Expresso Aeroporto, trem que ligaria o centro da cidade a Cumbica, foi cancelado em 2012. E o monotrilho do Morumbi ainda está em construção”. A contabilidade das realizações invisíveis nem inclui promessas delirantes como o trem-bala, que ficou fora da Matriz de Responsabilidades do Mundial.
“Nosso projeto é que esteja integralmente pronto em 2014 ou pelo menos o trecho entre Rio e São Paulo”, afirmou Dilma Rousseff em junho de 2009, época em que era ministra da Casa Civil de Lula. “Pretendemos ter os trens em funcionamento em 2014 porque esta é uma região muito importante em termos de movimentação na Copa”.
Como as obras de mobilidade urbana continuam no papel, os congestionamentos que diariamente atormentam os brasileiros não paralisaram as cidades-sede graças à decretação de feriados ou pontos facultativos nos dias de jogos e à antecipação das férias escolares por numerosos estabelecimentos de ensino. “Em uma cidade como São Paulo”, lembrou a reportagem, “isso equivale a trocar o deslocamento de seus 10 milhões de moradores pelo de 64 mil torcedores indo para o Itaquerão e outras 30 mil ou 40 mil pessoas concentrando-se na Fan Fest e bares ao redor no centro da cidade, bem como na Vila Madalena, na zona oeste”.
Essa maquiagem também foi feita, por exemplo, nos corredores do BRT (espécie de corredor exclusivo de ônibus) Norte-Sul e Leste-Oeste de Recife e no metrô de Salvador. No primeiro, apenas quatro das 45 estações funcionaram. Nos dias de jogos, os dois meios de transporte só puderam ser utilizados por aqueles que portavam ingressos.
A boa qualidade do transporte aéreo, aprovada por 76% dos turistas estrangeiros na pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira (15), resultou de operações especiais organizadas pelas próprias empresas, uma vez que as obras previstas para os aeroportos não foram concluídas a tempo. Em Fortaleza, enterrou-se R$ 1,7 milhão num puxadinho construído para fingir por 90 dias que o aeroporto ficou maior.
“No aeroporto de Brasília, o piso na segunda-feira à noite pós-Copa já estava imundo”, observou o jornalista Fernando Rodrigues na Folha desta quarta-feira (16). “O local continua em obras. Durante o torneio houve a preocupação de lustrar o que era possível. Agora, nos guichês das companhias aéreas já há menos gente trabalhando. Padrão pós-maquiagem”. O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, além de não ter ampliado o terminal de passageiros no prazo combinado, provavelmente terá rescindido o contrato com a construtora. Motivo: os atrasos recorrentes, que adiaram para 2016 o que já deveria estar em funcionamento.
“Único segmento que não sofreu baixas”, como ressalva a reportagem do Estadão, os estádios consumiram R$ 8 bilhões – 98% originários dos cofres públicos –, fortuna 50% maior do que a prevista em 2010. Aprovadas por 92% dos estrangeiros – também segundo o Datafolha –, as arenas Padrão Fifa começam agora a escancarar o Padrão Dilma.
Quem foi à Arena Pantanal nesta terça-feira (15) para assistir ao jogo entre Vasco e Santa Cruz, pela série B do Brasileirão, espantou-se com o lixo e o entulho dentro e fora dos estádios, com a iluminação precária no entorno, com o policiamento quase inexistente e com a falta de informação. “O chão que antes brilhava apesar de existir mais gente, hoje está imundo, há muita poeira no local e os espaços lounges estão caindo aos pedaços”, descreveu o barman Junior Santana, que trabalhou no local durante a Copa, numa reportagem publicada pelo Estadão nesta quinta-feira (17). Na sala de imprensa não havia cadeiras, mesas, cabos de energia nem internet wi-fi.
Aprovada por 95% dos turistas, a hospitalidade dos brasileiros é uma das poucas coisas que permanecerão por aqui com o fim da Copa. As obras para inglês ver se foram na esteira dos estrangeiros que voltaram para casa. O humor nacional tenta resistir ao péssimo desempenho no campo da Economia. Como o legado prometido pelo governo, já é bem menor do que foi.
Da Coluna do Augusto Nunes de 19-7-14.

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