UMAS E OUTRAS DO HELIO FERNANDES - 17-02-14


HELIO FERNANDES –
Ele foi preso e massacrado por causa de imprudência de brasileiros exilados no Chile. Sabendo que todos os telefones estavam gravados, telefonaram de lá com afirmações que não podiam fazer de jeito algum. Uma hora depois, Rubens era sequestrado dentro de casa, jogado brutalmente num carro, Pontiac 1967.
Era feriado, dia da fundação da cidade, Rubens estava à vontade, sozinho em casa. Não teve tempo para coisa alguma, amarrado e “desaparecido” a partir daquele momento. Disseram que foi dirigindo o próprio carro, afirmação insensata e desinformada. Em nenhuma circunstância aqueles carrascos fariam o mínimo de concessão.
Eu e ele, grandes amigos
Não apenas pessoais, mas de família. Rubens e sua admirável Eunice, eu e a indispensável Rosinha, frequentávamos as casas sem aviso, almoçávamos ou jantávamos. No verão daquele feriado, como acontecia todos os anos, ia para o sítio de um cunhado em Itaipava. Passava o fim de semana lá. Todos os meus filhos aprenderam a andar nesse sítio.
Cheguei por volta de 8 da noite, contei o que aconteceu com Rubens Paiva. Não sabia mais nada, não podia telefonar para ninguém.
Só na segunda-feira, 48 horas depois, já no jornal, comecei a desenrolar a meada do fim da vida de Rubens, que só em parte é delatada agora pelo Tenente Coronel Raymundo Ronaldo. (General na reserva). Apesar da ferocidade dos que tomaram o poder em 1964, o Exército estava completamente dividido, o que aconteceu sempre em todos os golpes e conspirações.
O capitão que não chegou a general
O Exército de verdade, nem golpista nem torturador, nacionalista e autêntico, soube de tudo, mas não podia fazer nada. Centenas e centenas de oficiais tiveram as carreiras cortadas pelo fato de não concordarem com a violência, com a tortura e assassinato.
Os militares que dominavam tudo, foram notificados que não admitiriam que esse capitão chegasse a general, o máximo no Exército.
Promovido a Major e depois a Tenente Coronel, foi passado para a reserva, mocissimo. Como até 1965, todos os oficiais “que iam para casa” tinham direito a duas promoções, foi a coronel e a general para efeito de tratamento e de salário. Agora tenta se vingar ou se “acertar” consigo mesmo.
A trajetória para a morte
Rubens Paiva morava numa casa da praia do Leblon, onde hoje é um edifício de 12 andares. Foram pela Praia de Botafogo, pegaram o Aterro do Flamengo, pela contramão chegaram ao Cisa, (em frente ao Santos Dumont), central de tortura da Aeronáutica. Tirado do carro aos bofetões, foi levado para o subterrâneo, onde começou a ser torturado.
Depois de algumas horas, constatando que ele sofria, mas não o suficiente, mudaram de local. O quartel ficava no centro de um grande jardim, cheio de árvores. Essas árvores ficavam num espaço circulado por pedaços de concreto. Rubens Paiva, já desacordado, amarrado no cano de descarga de um carro, foi rodando pelo jardim, com a cabeça sendo estraçalhada nas peças de concreto.
O pânico dos assassinos
Rubens sangrava muito, dava a impressão de estar morto. O capitão que “comandava” pessoalmente a chacina, mandou um auxiliar telefonar para o DOI-Codi avisando “que estavam levando um prisioneiro”.
E o próprio capitão foi dirigindo o carro que em alta velocidade se encaminhou para a Barão de Mesquita, onde se localizava o DOI-Codi, comandado pelo general Orlando Geisel. O “presidente” era Médici que chefiou o momento mais tenebroso da ditadura, arbitrária, autoritária, atrabiliária.
Rubens estava morrendo
Chegou praticamente morto, faltava apenas o “toque final”, que deram com o prazer e a competência de sempre. E o capitão Raymundo do lado, vigiando e “imaginando” o que deveria ser feito. O Tenente Amilcar Lobo, médico que atendia presos do DOI, tentou salvar Rubens, ele já não tinha mais salvação.
O Pelotão de Investigações Criminais
Esse Pelotão não era vizinho do DOI, e sim o quartel onde ficava o próprio órgão de tortura. O Exército só raramente prendia alguém, sua principal ocupação era a tortura. Conheço bem o local. Saiamos do carro da polícia civil, estávamos num largo enorme. Em frente, cartazes com um homem apontando para a frente com um dedo e apenas três letras grandes: “PIC”. Pelotão de Investigação Criminal, dono do local e não vizinho.
(No meu caso, os oficiais me gozavam, rindo muito. E diziam: “O senhor escreve contra nós, mas acaba sempre aqui”. Era verdade).
A farsa burra
É impossível querer que torturadores também saibam pensar. Daí essa palhaçada do Volkswagen e da “reação dos terroristas” no Alto da Boavista. Isso já era conhecido, eu mesmo escrevi. O complemento importante, é a confissão do próprio assassino e das suas tentativas de esconder o crime. Sabe que na sua idade nada vai acontecer.
Rubens não caberia num Volkswagen
O deputado assassinado não era gordo, mas grande e volumoso. Não entraria num fusca, nem mesmo no banco da frente, ainda mais no banco de trás. O Exército jamais teve qualquer órgão na Tijuca. E se estavam prendendo Rubens como “subversivo” (a palavra da moda na época), como admitir que ele estava sendo perseguido por “companheiros?”.
O grande personagem que foi Rubens Paiva
Engenheiro tranquilo e bem sucedido, se elegeu deputado apenas para participar mais ativamente. Não precisava do mandato para nada, apenas complicava sua vida. Morava em São Paulo, tinha casa no Rio, e passou a ter apartamento em Brasília. Seus filhos eram pequenos, praticamente da idade dos meus.
(O filho de Rubens, Marcelo, hoje grande escritor, o de Fernando Gasparian, e dois meus, íamos habitualmente ao Maracanã. Apesar de muito pequenos, o trauma da morte do pai e do amigo, assassinado daquela forma, deixou marcas indeléveis).
Onde estarão os restos de Rubens?
Muitos perguntam agora, “como o corpo de Rubens Paiva teria saído do DOI-Codi?”. Nenhuma dificuldade. A pergunta obrigatória: “Onde colocaram o corpo esquartejado do bravo Rubens Paiva?”. Acredito que nem o capitão criminoso confesso aposentado como general, pode saber alguma coisa do local.
Individualmente, o assassinato do bravo lutador, o crime do século
Coletivamente, o covarde assassinato dos 60 guerrilheiros, é insuperável. Mas do ponto de vista da tortura e do assassinato execrável, nada se compara à morte e desaparecimento de Rubens Paiva.
Perdi um grande amigo, o país perdeu um filho bravo e pacífico, a História do 
O Brasil ganhou um grande personagem.
PS – Espero que estes fatos, rigorosamente verdadeiros, contribuam para a consagração histórica. Da mesma forma como consagrado na minha memória.

Da Tribuna da Imprensa On Line.

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