UMAS E OUTRAS DO HELIO FERNANDES - 03-02-14

HELIO FERNANDES –
Como afirmei no sábado, lamento discordar do jurista Ives Gandra Martins e do cientista político Claudio Gonçalves Couto. Eles pretenderam interpretar os diversos sistemas de governo, nada contra. Mas tentaram tirar conclusões, inteiramente distantes da realidade. E deixaram de fora, sem analisar ou concluir, precisamente o que vigora no Brasil: o Presidencialismo-Pluripartidário, responsável por todas as contradições desta República inútil de 125 anos.
Os dois notáveis intelectuais cometeram erros graves, e sem salvação. Gandra dá valor extraordinário ao Parlamentarismo, e chega a dizer, textualmente: “O Presidencialismo é regime de irresponsabilidade a prazo certo”, esquecido dos 226 anos do que acontece nos EUA. E em contraposição, exalta e enaltece o Parlamentarismo, um regime ou sistema que pode dar certo, dependendo dos personagens e das circunstancias.
Afirma, com ênfase, que Margaret Thatcher ficou 11 anos no governo, sendo “afastada quando pretendeu aumentar a tributação”. Bem longe disso. Dona Thatcher foi impedida de disputar mais uma reeleição, os líderes do Partido Conservador achavam que ela não ganharia, foi destituída “numa reunião interna, sem a presença dela”. Isso acontece muito no Parlamentarismo, o povo não sabe de nada.
O fim da eleição ininterrupta, nos EUA
Essa emenda número 24, de 1952, foi verdadeiro aperfeiçoamento do sistema. E Gandra que chama o Presidencialismo de irresponsabilidade a prazo certo, devia aplaudir a redução da atividade política do presidente, depois de oito anos. Obama, para o bem ou para o mal, foi presidente vindo em linha reta dessa decisão.
Apesar de não ter estudado e refletido sobre o sistema falsamente presidencialista no Brasil, joga sobre ele a responsabilidade dos golpes de 30, 45 e 64. Esqueceu da própria República, (o golpe dos dois marechais contra os “propagandistas da República”) e o de 1934, constituinte que deveria marcar a eleição do primeiro presidente direto. E que na verdade implantou o “pré-Estado Novo”, ditadura tão cruel, selvagem e torturadora quanto à de 1964.
O Parlamentarismo da Europa
Esse continente viveu sempre em hostilidade, na busca da bipolaridade. Inglaterra e França, Alemanha-Inglaterra, às vezes a Itália com um dos outros. Até a chamada Primeira Guerra, um simulacro ou teste para a Segunda Guerra Mundial, essa rigorosamente verdadeira, com 60 milhões de mortos. E toda a Europa dominada pelo Parlamentarismo, incerto, às vezes com eleições diretas, mas quase sempre indiretas.
“Sou parlamentarista, desde os bancos acadêmicos”
É um direito seu, mas por convicção pessoal não pode defender eleição indireta, com o cidadão afastado de tudo. Ou obrigado a referendar o que alguns poucos decidem, resolvem ou transformam em forma de governo.
A Europa inteira naufragou com o Parlamentarismo Indireto
Outro notável, Gonçalves Couto, defende eleições diretas num Presidencialismo altamente confuso, como deixa entrever num arrazoado tumultuado, complicado e pessimamente explicado. E também incorre no equívoco de chamar a eleição DIRETÍSSIMA dos EUA, em INDIRETAS. Incrível.
Defende o Presidencialismo mas não diz qual, não dando uma linha sobre o disparatado, desqualificado e jamais consolidado sistema do Brasil, o Presidencialismo Pluripartidário.
O Parlamentarismo Indireto, passa a Direto
Terminada a Segunda Guerra Mundial, a França, destroçada e completamente falida, foi ao retiro de De Gaulle em Colombey, convidá-lo “para salvar a França”. Aceitou, exigiu a eleição direta para presidente, foi eleito, pena que tenha renunciado em 1969, no segundo ano do segundo mandato. Mas a eleição direta ficou até hoje.
Pompidou, D’estaing, Mitterrand, duas vezes, na véspera da terceira veio o câncer, esse é invencível. Mitterrand tinha a vantagem de ser Socialista verdadeiro, horror aos comunistas. Em 14 anos de presidente não foi a Moscou, não convidou nenhum comunista para conversar com ele. Iam, eram recebidos pelo Primeiro Ministro nomeado por ele.
Segundo turno e Medida Provisória invenções de De Gaulle
Na primeira eleição direta para presidente, De Gaulle implantou o segundo turno, que lá foi chamado de Ballotage. Aqui só passou a existir a partir de 1972. A medida provisória também invenção de De Gaulle. Mas para acelerar o processo legislativo.
O presidente mandava a medida para o Congresso, sua votação tinha prioridade. Mas precisava ser votada em 30 dias. Aí, valia o resultado da votação. Aprovada, se transformava em lei, rejeitada, era arquivada. E o presidente não podia mandar outra igual.
O Presidencialismo-Pluripartidário, sepulcro caiado do sistema político
Os militares sempre dominaram o Brasil. Dentro ou fora do governo, perto ou longe do Poder. A maior curiosidade: os dois marechais, que como coronéis vieram brigados da estranha Guerra do Paraguai, fizeram as pazes na escuridão da madrugada de 15 de novembro. E tudo foi realizado de forma indireta, para afastar os civis.
“Chefes do governo provisório”
Deodoro assumiu naquela noite mesmo, sem eleição. Floriano foi feito vice e Ministro da Guerra, quem tinha a força militar era ele. Convocaram a Constituinte em eleição direta, mas só podiam eleger presidente e vice, de forma indireta. E como Deodoro e Floriano, estavam nos cargos, foram efetivados. Deodoro com aplausos raros, Floriano consagrado, com a Constituinte toda de pé. Ninguém tinha dúvida sobre o que aconteceria. E aconteceu.
41 anos de um partido só, o Republicano, sem povo e sem voto
Em 1910, Rui Barbosa, candidato a presidente, foi a primeira grande vítima dessa República sem republicanos. Teve que enfrentar o Ministro da Guerra de Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, depois herói nacional, que morreria em 1923, no mesmo mês e ano do próprio Rui.
O grande jurista, fez a famosa “campanha civilista”, que traumatizou o País, apesar da precariedade dos meios de comunicação. Se fosse hoje, Rui teria sido o primeiro e único presidente estadista do País. Ele mesmo dizia, “combato as três forças mais poderosas do Brasil. O Exército, a Igreja e o Partido único”.
O golpe de 30, chamado de revolução
Rui ainda foi candidato mais uma vez, em 1918, contra Epitácio Pessoa, que nem estava no Brasil. Rui completara 70 anos, exausto, sem recursos, percorrendo o País, quase a pé, movido apenas pela convicção. E o país continuava com o Partido Único, o Republicano.
Em 1930, depois de derrotado pelo governador de São Paulo, Julio Prestes, Vargas aproveitou o assassinato de João Pessoa, (governador da Paraíba, sobrinho de Epitácio), tomou o governo. E novamente como Chefe do Governo Provisório. (O assassinato de João Pessoa, numa confeitaria do Recife, nenhuma motivação política).
Como sempre, Vargas traiu o povo
A Constituinte de 1932, devia promulgar a Constituição, (o Brasil não tinha nenhuma) e marcar a primeira eleição direta para presidente, em 60 dias. Vargas aumentou a Constituinte com os “pelegos trabalhistas” e os “pelegos patronais”, conseguiu se eleger indiretamente. Jogando a eleição direta para quatro anos depois, em 3 de outubro de 1938.
O “Estado Novo”, e outra ditadura
Lógico, o País não chegou a esse outubro forjado. Em 10 de novembro de 1937, Vargas implantou uma ditadura tão cruel e selvagem, quanto a que surgiria mais tarde, em 1964. Como se houvesse ditadura realizadora e “boazinha”.
O fim do “Estado Novo”, o começo do Pluripartidarismo
Vargas, os Ministros, governadores, assessores, inocentados. Não houve cassação nem inelegibilidade, todos foram candidatos. O Marechal Dutra, que como Ministro da Guerra garantiu Vargas durante oito anos, ficou no seu lugar.
Numa ditadura, o Ministro da Guerra garante o presidente, mas obrigatoriamente é o seu substituto. Isso não falha, não falhou. E depois de Dutra, quem voltou ao Poder? Getúlio Vargas.
Vargas não devia ter voltado ao Poder
Desgastado, já com 67 anos, naquela época muita coisa, se candidatou e ganhou. Mas a posse e os tempos até 1954, históricos no pior sentido. Para tomar posse teve que enfrentar a fúria de Lacerda-Golbery. E para chegar ao Catete, precisou ir buscar Estillac Leal que estava presidindo o Clube Militar. Aí chegou ao governo, Lacerda e Golbery saíram de cena. Só que Vargas mal completou dois anos de poder.
De 1954 a 1964, 10 anos de conspiração
Foram tempos tormentosos. Ninguém se aguentava, o único que terminou o mandato foi Juscelino. Cumprindo o mandato, passou a presidência a Jânio, lançou oficialmente sua candidatura a novo mandato em 1965. Mas o Presidencialismo-Pluripartidário não permitia nenhuma forma de consolidação.
Veio a nova ditadura, mais 21 anos perdidos, quero examinar apenas os regimes tidos e havidos como democráticos. Estávamos então em pleno ocaso e ostracismo do pluripartidarismo.
Com 32 partidos e 39 ministros, ninguém governa
Inventaram o jogo de palavras chamado de “transição democrática”, que não era nem é transição nem democrático. Com esse regime partidário, ninguém pode governar ou até mesmo ser chamado de presidente. O presidente, seja quem for, se elege. Dos 513 deputados, apenas digamos 80 são eleitos junto com ele. Como precisa de no mínimo 257 votos para aprovar qualquer coisa, tem que negociar, ou melhor, comprar os votos necessários.
A reeleição presidencial
FHC comprou o segundo mandato, Lula quis o terceiro, Dona Dilma se movimenta para que não haja segundo turno. Os adversários pretendem apenas esse segundo turno.
E então a corrida ao Poder se faz através de negociações, perdão, negociatas. E qualquer um que seja convidado para compor o governo, logo, logo é “descoberto” com espantosas irregularidades.
PS – Na esteira desse Presidencialismo-Pluripartidário, uma porção de fatos que precisam ser modificados ou eliminados.
PS2 – Mas como o Congresso é que tem que executar as reformas, e eles mesmos serão atingidos, nada se muda nem se transforma.
PS3 – Até chegarmos à nova ditadura.

Da Tribuna da Imprensa On Line.

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