O LIVRO E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL

ENSAIO

O livro e a representação social

08.06.2013
Será o Brasil um país de leitores? Segundo o cronista João do Rio, sim; afinal nossas livrarias vivem lotadas, e o mercado oferece um leque de variedades que consegue agradar todos os gostos e bolsos

Um longo caminho foi percorrido entre a famosa invenção de Gutemberg até os dias de hoje, temos uma diversidade assustadora de livros, com vários formatos, temas e preços; eles estão cada vez mais sedutores e ganhando mais espaço em uma sociedade que tinha a oralidade como sua fonte principal de comunicação. A Internet chegou trazendo uma nova forma de comunicação para a sociedade, e a dúvida que fica é se o mercado literário vai conseguir se adaptar a essa novidade.

A gênese

Os primeiros livros foram fabricados de forma manual, o texto era manuscrito, sem um padrão pré-estabelecido. As dificuldades eram imensas, além do trabalho de fazer as cópias dos textos manualmente, o papel era objeto de luxo, os livros não vinham com suas páginas numeradas, pois variavam de acordo com a caligrafia do escrivão, por isso muitas vezes os capítulos e até mesmo os parágrafos vinham numerados, ou com títulos, o que facilitava um pouco a leitura, que era bastante complicada e confusa, o texto tinha muitas abreviações, e não tinha espaço entre as linhas, até mesmo entre os capítulos.

A impressão veio para facilitar não só a fabricação do livro, mas a leitura em si. A diagramação foi modificada, agora as páginas tinham numeração, as abreviações quase não existiam, o texto deixou de ser disposto em colunas, para aparecer em linha corrida, e os caracteres agora tinham formas arredondadas. Essa mudança foi acontecendo aos poucos, e continua mudando até hoje, com a intenção de agradar o leitor.

Os tipos móveis foram inventados pelo alemão Johann Gutemberg, o que deu um impulso aos trabalhos de impressão. As matrizes fixas de madeira ou metal usadas na tipografia foram substituídas pelos tipos móveis de chumbo fundido, fazendo com que os custos fossem reduzidos e a produção fosse mais rápida e flexível. Os livros até então produzidos na Europa começaram a ganhar o mundo no século XV, a ponto de modificar o sistema de comunicação que até então era dominado pela oralidade.

Difícil trajeto

Os primeiros livros produzidos na Europa eram cuidadosamente encadernados, ilustrados e com boa qualidade; seu formato era o in-folio, que é uma grande folha dobrada ao meio, produzindo um caderno com 4 folhas, se fosse dobrada 2 vezes, obteríamos um caderno com 8 folhas, e se chamaria in-quarto. Essa técnica permitiu que os livros tivessem um baixo custo, pois era possível imprimir varias páginas em uma única folha.

Devido à política colonial portuguesa, o Brasil era proibido de ter qualquer tipo de impresso, a educação era limitada, pois temiam a propagação de ideias revolucionárias, fazendo com que o livro tivesse um público muito restrito no país. Os interessados em adquirir um livro precisavam importá-los de Portugal, enfrentar uma série de trâmites burocráticos, pagar o frete, e logo depois passar pela censura lusitana feita pela Inquisição.

Apesar das dificuldades e da censura rigorosa, alguns comerciantes, religiosos e estudiosos em geral encontravam meios para conseguir trazer os livros para o Brasil, principalmente no século XVIII. Algumas pessoas conseguiram ter um acervo amplo e variado como os mineiros José Pereira Ribeiro, advogado, e o cônego Luís Vieira da Silva, que apesar de ser pobre, conseguiu acumular mais de 800 livros em diversas línguas e temas, incluindo alguns volumes proibidos pelo iluminismo francês e o curioso Dicionário das heresias, erros e cismas. Tal acervo serviu de suporte ideológico para a Inconfidência Mineira, acarretando a prisão de Luís Vieira em 1792 pelos Autos da Devassa.

A realidade brasileira

Se para os homens era um privilégio o acesso aos livros, para as mulheres do início do século XIX era algo raro. Eram poucas as que sabiam ler e escrever, devido às suas vidas reclusas no ambiente leigo da família brasileira; mas quem vivia no ambiente religioso tinha uma realidade diferente. Devido aos estudos, elas acabavam se aproximando da leitura e da escrita, exemplo é a madre Jacinta de São José, a fundadora da Ordem Carmelita no Brasil e do Recolhimento de Santa Teresa no Rio de Janeiro em 1742. A madre escreveu diversas obras e cartas relatando suas experiências; ela possuía um vasto acervo pessoal. John Luccock (EL FAR, 2006) fez uma observação sobre as mulheres do Rio de Janeiro.

A proibição de impressos no Brasil foi válida até a chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808. D. João VI escolheu o país para ser a sede do Estado Português, depois que precisou fugir de seu país de origem devido à invasão de Napoleão a Portugal, o rei trouxe consigo todo o aparato burocrático e administrativo do governo.

A Impressão Régia foi fundada em 13 de maio de 1808, com o objetivo de divulgar as leis e papéis diplomáticos do serviço real. Depois, foram impressos alguns textos literários e de conhecimentos gerais, pois o governo estava financiando alguns projetos artísticos. Devido ao elevado número de impressos, foi necessário que a Mesa do Desembargo do Paço começasse a censurar alguns impressos, passou então a vigiar o conteúdo das obras, os títulos, a fidelidade da impressão. O material que era aprovado recebia uma autorização com os dizeres "com licença do Desembargo do Paço" permitindo assim sua livre circulação.

A casa dos livros

A Real Biblioteca chegou ao Rio de Janeiro em 1810; tinha sido esquecida em Lisboa por conta da fuga de D. João VI. Em diversos países os monarcas tentavam adquirir um acervo vasto e diversificado, com edições raras, manuscritos, obras desaparecidas, enfim, tais coleções ajudavam a conferir prestígio e poder ao monarca, por isso D. João VI quis que a Real Biblioteca viesse para o Brasil o quanto antes, para assim recuperar o seu prestígio bibliográfico como monarca.

Em tempos de guerra, as bibliotecas eram pontos fracos, pois sempre sofriam saques, incêndios, catástrofes naturais, etc. A própria Real Biblioteca foi destruída em 1755 quando houve um terremoto em Lisboa, sendo refeita rapidamente por D. João I e o seu ministro Marquês de Pombal, simbolizando um tesouro que deveria ser preservado. A fragilidade da biblioteca e a dificuldade em recuperar o acervo também foi um dos motivos para apressar, assim, a vinda da Real Biblioteca para as terras brasileiras.

Hoje conhecida por Biblioteca Nacional, a Real Biblioteca nunca deixou o Rio de Janeiro, mesmo depois que a família real voltou a Portugal, pois ela passou a representar um símbolo da civilização no Brasil. Ganhou novos títulos, recebeu doações e mudou de nome em 1876.

FIQUE POR DENTRO

Um registro dos primeiros livreiros

O alemão Eduardo Laemmert, em parceria com o português Souza chegou ao Brasil para dirigir a filial das editoras parisienses Boussage e Aillaud. Depois de romper a parceria, Laemmert abriu a Livraria Universal em 1838, mas, com a chegada de seu irmão Henrique, a livraria passou a se chamar E. & H. Laemmert Mercadoria de Livros e de Música. Vender outros objetos além dos livros era uma característica comum da época, pois o comércio livreiro ainda andava em passos lentos. Os irmãos Laemmert iniciaram em 1839 trabalhos com edição, publicaram a Folhinha, almanaque literário vendido em todo o país, que depois recebeu o nome de Almanaque Laemmert, que foi responsável por divulgar informações administrativas e comerciais do Rio de Janeiro. A Livraria Laemmert era especializada em obras de referência, com volumes bem encadernados e ilustrados. Seu grande sucesso foi o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, editado em 1902 - romance sobre a Guerra de Canudos. Declarou falência em 1906.

NEYARA FURTADO LOPES
COLABORADORA*
*Do Curso de Publicidade e Propaganda da Unifor




ENSAIO

O percurso do livro no Brasil

08.06.2013

Baptiste Louis Garnier, dono da filial Livraria Garnier, desembarcou no Brasil em 1844. A livraria chamou a atenção da elite carioca devido às novidades e ao glamour dos romances e folhetins parisienses. Tentando conquistar o maior número de leitores, montou uma equipe de tradutores e editores, tornando-se uma das editoras mais importantes do século XIX, recebendo o título de "Livreiro e editor do Instituto Histórico e Geográfico" do imperador D. Pedro II e uma comenda da Ordem da Rosa pelos serviços prestados às letras nacionais.

A Livraria Garnier era localizada na Rua do Ouvidor, ponto de encontro de seus escritores renomados, como Machado de Assis, Graça Aranha, Aluísio Azevedo, José de Alencar, Olavo Bilac, entre outros, para discutir literatura, chamando a atenção dos que passavam e causando inveja aos iniciantes, pois a livraria tinha fama de não trabalhar jamais com autores que fossem estreantes.

O impulso

Em 1873, Garnier abriu a tipografia Franco-Americana com seu amigo Charles Berry, fazendo com que suas publicações tivessem uma nova dinâmica, já que não era mais necessário importar os livros luxuosos de Paris. Consequentemente, foi possível aumentar as atividades editoriais, apostando em mais traduções e lançamentos com capa de brochura e preços acessíveis. A Livraria Garnier fechou suas portas em 1934 e é considerada uma das mais importantes para o desenvolvimento do mercado livreiro no país.

Alguns brasileiros, apesar de um ritmo mais lento, também conseguiram se destacar no mercado editorial do século XIX. Segundo Machado de Assis (EL FAR, 2006), Paula Brito foi o primeiro editor brasileiro, ex-integrante da equipe de composição do Jornal do Commercio ao lado de Pierre Plancher. Em 1830, Paulo Brito abriu sua primeira livraria; todos os seus trabalhos de edição e encadernação eram feitos sob encomendas, por isso cada obra possuía uma lista de pessoas interessadas em pagar por elas adiantado.

A publicidade

As divulgações dos livros eram feitas sempre aliadas a um grande alarde na mídia; muitas vezes os próprios autores bolavam como era feita essa divulgação, exemplo é o escritor Figueiredo Pimentel que forjou seu suicídio em uma barca que ia para Niterói, com direito a chapéu, casaco e uma carta suicida abandonados na barca e policiais investigando o caso. Pouco tempo depois o autor apareceu para divulgar seu romance Suicida!

Diversos livreiros imitaram a linha publicitária de Quaresma, exemplo disso foi à livraria Bejamim Costallat & Micollis, que em 1923, conseguiu vender 25 mil exemplares do livro Mademoselle Cinema em menos de 10 meses, devido a chamadas no jornal como "Vão gritar contra o escândalo!... Esta Mademoselle Cinema vai, pois, fazer espernear muita gente". Na década de 1920, a livraria Bejamim Costallat & Micollis conseguiu atingir a marca de 15 mil exemplares vendidos em diversos títulos. Seguindo a linha editorial de Quaresma, os livreiros proporcionaram uma grande diversidade ao mercado literário do Brasil, inúmeros títulos, autores, preços, conseguindo atrair todo tipo de leitor, fazendo com que o livro não fosse mais privilégio de um pequeno grupo de pessoas endinheiradas, mas um objeto de diversão que atingia todos em qualquer classe social. A concorrência no mercado livreiro estava, pois, acirrada.

As estratégias

Além das livrarias, a tipografia contribuiu bastante para o crescimento do mercado editorial, os autores que não conseguiam o apoio de uma editora para publicar suas obras, pagavam pela impressão do manuscrito. Ato que incomodava muitos críticos e jornalistas, pois agora qualquer um podia publicar um livro, sendo um insulto para os letrados da época. Olavo Bilac (EL FAR, 2006) era uma das pessoas que se sentiam incomodadas com isso. Em sua crônica O vício literário de 1905, ele afirmava que existia uma mania de transformar tudo em literatura, causando uma superprodução literária.

Se para alguns era uma ousadia publicar seus livros através de uma tipografia, para outros era o único meio de sair do anonimato, exemplo disso é o Machado de Assis que publicou Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881, pela Tipografia Nacional.

Outro exemplo foi Raul Pompéia que publicou O Ateneu em 1888 pela tipografia Gazeta de Notícias, e Aluísio Azevedo que publicou Casa de Pensão pela Tipografia Militar dos Santos em 1884. Graças a essa alternativa, vários autores de sucesso conseguiram sair do anonimato no século XIX e XX.

Um registro curioso é que apesar da impressão ser proibida até a chegada da família real ao Rio de Janeiro, diversas foram as tentativas de instalar tipografias clandestinas no Brasil. Exemplo foram os tímidos ensaios de imprensa em Pernambuco, em 1706, e no Rio de Janeiro, em 1752, mas foram rigorosamente extintos pelo governo português, todo material foi sequestrado e os impressores ameaçados de prisão.

O ponto de partida

O Rio de Janeiro foi o ponto de partida do mercado editorial brasileiro. Foi nas ruas centrais que alguns livreiros endinheirados abriram suas portas, permitindo que o mercado de livros e periódicos crescesse. Sempre atentos ao que o público queria, eles transformavam o livro em um produto acessível e lucrativo, "criaram coleções, novos formatos e capas atraentes, com a pretensão de atingir os mais diferentes interesses da população leitora brasileira" (EL FAR, 2006, p.39).

Os impressos conseguiam chegar a outros pontos do país por encomenda. Exemplo são às edições de Pedro Quaresma que foram encontradas no sertão da Bahia e no interior de Minas Gerais, segundo Brito Brosa (EL FAR, 2006), um dos maiores estudiosos sobre a vida literária brasileira. Na tentativa de imitar o mercado literário do Rio de Janeiro, Anatole Louis Garraux, ex-funcionário da Garnier, abriu a Casa Garraux em 1860, localizada na Praça da Sé em São Paulo, ele aproveitava os estudantes de direito do Largo São Francisco para vender livros jurídicos. Os irmãos Antonio Maria e José Joaquim abriram a Livraria Teixeira em 1876, que publicou livros como os de Euclides da Cunha e Visconde de Taunay. Em 1888, publicou o livro A Carne de Julio Ribeiro.

A outra face

A província de São Paulo estava prosperando economicamente, permitindo, assim, que o mercado editorial se arriscasse, então, em um novo projeto nas primeiras décadas do século XX.

Saindo da linha de histórias metropolitanas e personagens ousados que o Rio de Janeiro vinha copiando da França e Estados Unidos, São Paulo resolveu arriscar na valorização da cultura caipira. Nascia um novo grupo de escritores, a chamada geração pré-moderna, com Lima Barreto, Paulo Setúbal e Monteiro Lobato, que começou a ganhar visibilidade com o livro Urupês lançado em 1917 pelo selo Revista do Brasil. Lobato é lembrado até hoje por suas histórias infantis, como A menina do narizinho arrebitado, que saiu com uma tiragem de 50 mil exemplares, fato bastante raro até nos dias de hoje.

Lobato possuiu o selo Monteiro Lobato & Companhia, criou a Companhia Editora Nacional, ao lado Caio Prado, Leandro Drupé e Artur Neves em 1944. O grupo modernista de São Paulo articulou, em 1922, a Semana de Arte Moderna, o evento permitiu que alguns intelectuais se juntassem para colocar em circulação o que as editoras não tinham condições de apoiar, como projetos muito inovadores pra época. Mesmo com os autores arcando com os custos e publicando em revistas produções de Mario de Andrade, Oswald de Andrade, entre outros, o evento não conseguiu abrir as portas do mercado para esse novo tipo de publicação. Novas editoras iam nascendo no mercado e trazendo projetos inovadores. Alguns apostavam em livros didáticos ou universitários; outros apostavam em escritores nacionais e internacionais, assim nasceram diversas livrarias e muitas fazem sucesso até hoje, exemplo é a Saraiva, Melhoramentos, Ática, Globo, Record, Rocco, Vozes, entre outras que dinamizaram o mercado naquela época. (N. F. L.)- Neyara Furtado Lopes

SAIBA MAIS

FEBVRE, Lucien. O aparecimento do livro. São Paulo : Unesp, 1992

FONSECA, Aleilton. O arlequim da Pauliceia. São Paulo: Geração / UEFS, 2013

KATZENSTEIN, Ursula. A origem do livro. Sao Paulo : Hucitec, 1986

MARTINS, Wilson. A palavra escrita: História do livro, da imprensa e da biblioteca. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996

SCORTECCI, João. Guia do Profissional do Livro. São Paulo : Scortec te1 � t o �� ��� 0px;">
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FEBVRE, Lucien. O aparecimento do livro. São Paulo : Unesp, 1992

FONSECA, Aleilton. O arlequim da Pauliceia. São Paulo: Geração / UEFS, 2013

KATZENSTEIN, Ursula. A origem do livro. Sao Paulo : Hucitec, 1986

MARTINS, Wilson. A palavra escrita: História do livro, da imprensa e da biblioteca. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996

SCORTECCI, João. Guia do Profissional do Livro. São Paulo : Scortecci, 2007 

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