-UM ANO PUNGENTE PARA OS NORDESTINOS-

Por Estênio Negreiros 




-Nordeste-

De Olegário Mariano (1889-1958)

 Pleno nordeste. Sol a pino. A vida

Sem sonhos como uma árvore sem fronde.

Retine uma araponga, outra responde

Como o grito da terra comburida.

II

A criatura de Deus, fraca e vencida

Leva o destino sem saber p’ra onde,

E ergue os olhos pedindo a água escondida

Nalguma nuvem que no céu se esconde.

III

Córregos secos, montes se arrastando...

Terral que corta...Cansaço e solidão...

E no céu desolado, a quando e quando,

Bandos loucos de avoantes forasteiras,

Alvoroçando na paisagem morta

O ar cansado e infeliz das carnaubeiras.


A voragem do tempo consumiu mais um ano na contagem criada pelos homens. Na carroceria de Chromos, o Deus do Tempo, lá se foi o ano de 2012, levando consigo as coisas boas e as ruins que ocorreram com cada um de nós. Na sucessão chegou 2013, e como  cada Ano Novo, ele nos traz o alento de renovadas esperanças.

Para o sertanejo nordestino o passado ano de 2012 não deixou nenhuma saudade, pois foi um período eivado de consideráveis perdas para a atividade agropastoril, em face da prolongada estiagem que ora abala toda a região conhecida como Polígono das Secas, a mais severa dos últimos quarenta anos. E o mais preocupante é que os institutos de meteorologia prevêem poucas precipitações atmosféricas no ano iniciante, deixando antever-se um prolongamento e um agravamento da miséria provocada pela falta de chuvas.

Os nossos açudes estão secando velozmente e se não chover em abundância nos próximos seis meses fatalmente assistiremos a mais uma catástrofe que abalará fundamente não apenas os habitantes do campo, mas também a população urbana. Adicione-se a isso o colapso energético que advirá com o esgotamento dos reservatórios que abastecem as nossas hidrelétricas e que já se encontram em níveis preocupantes.

Em algumas cidades aqui do Ceará o abastecimento d’água está sendo feito por caminhões-pipas, por não existir nenhuma alternativa afora este meio, haja vista que  o lençol freático também está exaurido. Nessas urbes chegou-se ao extremo de se paralisarem o funcionamento de escolas, hospitais e outros serviços públicos, por absoluta falta do precioso líquido.

As autoridades governamentais, ao longo dos séculos vêm tratando de forma paliativa a problemática da escassez de água nos sertões nordestinos, a despeito de terem sido criados organismos específicos para cuidar das secas e dos seus efeitos, como por exemplo o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o centenário DNOCS, fundado em 21 de outubro de 1909.

Na verdade, o principal gargalo não é a míngua desse líquido vital, mas o seu mal partilhamento, porquanto há fontes perenes em todo o País que bem poderiam irrigar a nossa região, caso houvesse uma canalização racional no bojo de uma política séria de armazenamento e distribuição. O que falta mesmo é seriedade e honestidade de propósitos aos governantes que têm ocupado a cadeira do poder central do País desde os tempos imperiais.

Ao longo de décadas, rios de recursos financeiros têm sido dotados nos orçamentos da República com a destinação de ‘acabar com a seca no Nordeste’ através da construção de reservatórios e de canais de irrigação. Todavia, lamentavelmente, esses dinheiros sempre escoam pelos desvãos da corrupção, capitaneada por políticos sagazes que enriquecem ainda mais, desviando as verbas para os seus insaciáveis bolsos.

Felizmente ainda não estamos vendo se repetirem as invasões e saques às cidades e aos estabelecimentos comerciais como os ocorridos durante outras secas que abalaram a nossa região e que tanta desgraça acarretaram. O freio dessa tragédia tem sido a ajuda financeira proporcionada pelos programas sociais do Governo Federal por intermédio das muitas bolsas (verdadeiras esmolas) outorgadas aos milhares de famílias de baixa renda, bem como os proventos que mensalmente são pagos a muitos idosos maiores de sessenta anos, aposentados pela Previdência Social.

Essas bolsas sociais ajudam a aliviar as necessidades básicas de grande parte da nossa massa popular, embora avilte os beneficiários dela, pois, conforme o sábio dizer de um dos versos da música <Vozes da Seca>, imortalizada por Luiz Gonzaga: “Mas ‘doutô’ uma esmola a um homem que é são/Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Deploravelmente, o homem do campo acomodou-se com essas migalhas distribuídas por governantes oportunistas e demagogos, levando-o a abandonar os seus cultivares para viver nas cidades e nas povoações, no ócio e na preguiça, deixando desertas e improdutivas as pequenas propriedades rurais.

Os mais bem informados sabem que as causas principais das secas no Nordeste são de ordem natural, em razão das peculiaridades atmosféricas regionais. Mas para a maioria da massa ignara sertaneja, as estiagens e suas misérias conseqüentes são um ‘castigo divino’ destinado a purgar os pecados que todos cometemos.

Essas crenças são fixações secularmente arraigadas em razão do ensinamento religioso católico que receberam os nossos avoengos, incrustradas na nossa memória antropológica, retratando o Deus punitivo e vingador do Velho Testamento, do que aliás discorda a Doutrina Espírita, cujas respostas lógicas, profundas e claras explicam, esclarecem e, por via de conseqüência, consolam os corações humanos ao mostrar o verdadeiro Deus, infinitamente bom e justo.

O sertanejo é antes de tudo um forte”, já afirmara certeiramente Euclides da Cunha no seu magistral<Os Sertões>. Além de ser forte é, sobretudo, conformado, mas sem no entanto ser passivo, pois não desiste da luta contra os reveses que se lhe antepõem.

É admirável vê-se com que estoicismo, paciência e resignação ele enfrenta as desgraças sem reclamar, embora se lhe vejam os olhos marejarem de lágrimas em face delas. Pratica ele, literalmente, nesses momentos de sofrimento, o ensinamento ditado em Le Havre, França, em 1862, por Um Espírito amigo, acerca da Paciência, e pelo Espírito Lázaro, em Paris, em 1863, sobre a Obediência e a Resignação, conforme consta nos itens 7 e 8 do capítulo IX do O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec.

De tempos em tempos, eventos da Natureza, como a seca que ora castiga o sertanejo nordestino, atingem determinadas regiões do Planeta. Enquanto muitos os interpretam como punição ou castigo divino, o Espiritismo racionalmente os explica como sendo tão-somente o cumprimento da imutável, perfeita e infalível Lei de Causa Efeito que regula o Universo erigido pelo Arquiteto Divino.

No momento atual o sertanejo nordestino parece expiar velhas culpas, saldando ou amortizando antigos débitos, contraídos na esteira do seu pretérito culposo.


Fortaleze, CE, 02 de janeiro de 2013.

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