Conto de Natal 

Francisca Clotilde Barbosa Lima (*)

A noite é quase gelada.
Contudo, Mariazinha
É a menina de outras noites
Que treme, tosse e caminha...
Guizos longe, guizos perto...
É Natal de paz e amor.
Há muitas vozes cantando:
– “Louvado seja o Senhor!”
A rua parece nova
Qual jardim que floresceu.
Cada vitrina enfeitada
Repete: “Jesus nasceu!”
Descalça, vestido roto,
Mariazinha lá vai...
Sozinha, sem mãe que a beije,
Menina triste sem pai.
Aqui e ali, pede um pão...
Está faminta e doente.
– “Vadia, saia depressa!”
É o grito de muita gente.
– “Menina ladra!” – outros dizem.
– “Fuja daqui, pata feia!
Toda criança perdida
Deve dormir na cadeia.”
Mariazinha tem fome
E chora, sentindo em torno
O vento que traz o aroma
Do pão aquecido ao forno.
Abatida, fatigada,
Depois de percurso enorme,
Estira-se na calçada...
Tenta o sono, mas não dorme.
Nisso, um moço calmo e belo
Surge e fala, doce e brando:
– Mariazinha, você está dormindo
ou pensando?
A pequenina responde,
Erguendo os bracinhos nus:
– Hoje é noite de Natal,
Estou pensando em Jesus.
– Não lhe lembra mais alguém?
Ela, em lágrimas, disse:
– Eu penso também, com saudade,
Em minha mãe que morreu...
– Se Jesus aparecesse,
Que é que você queria?
– Queria que ele me desse
Um bolo da padaria...
Depois de comer, então –
e a pobre sorriu contente –
Queria um par de sapatos
E uma blusa grande e quente.
Depois... queria uma casa,
Assim como todos têm...
Depois de tudo... eu queria
Uma boneca também...
– Pois saiba, Mariazinha,
Eu lhe digo que assim seja!
Você hoje terá tudo
Aquilo que mais deseja.
– Mas, o senhor quem é mesmo!
E ele afirma, olhos em luz:
– Sou seu amigo de sempre,
Minha filha, eu sou Jesus!...
Mariazinha, encantada,
Tonta de imensa alegria,
Pôs a cabeça cansada
Nos braços que ele estendia...
E dormiu, vendo-se outra,
Em santo deslumbramento,
Aconchegada a Jesus,
Na glória do firmamento.
No outro dia, muito cedo,
Quando o lojista abriu a porta,
Um corpo caiu, de leve...
A menina estava morta.

 
Do livro Antologia dos Imortais, obra psicografada pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, de autoria de Espíritos diversos.

Joias da poesia contemporânea
Revista <O Consolador>, Ano 6 - N° 292 - 23 de Dezembro de 2012

(*)


Francisca Clotilde

Francisca Clotilde nasceu em Tauá, Ceará aos 19 de outubro de 1862. Filha de João Correia Lima e Ana Maria Castelo Branco. Do sertão dos Inhamuns a família se mudou para a Serra do Baturité e de lá, a menina passou a estudar em Fortaleza, capital da Província, no Colégio Imaculada Conceição, de onde saiu apta para o magistério. 

Ávida por liberdade, engajou-se no Movimento Abolicionista; já então se notabilizava pela vocação poética. Em 1884, por concurso público foi nomeada com o título de professora para a Escola Normal de Fortaleza. Concomitantemente ao trabalho de educadora, colaborou na imprensa em verso e em prosa: Cearense, Gazeta do Norte, Pedro II, O Libertador, A Quinzena, A República, Almanaque do Ceará, no Ceará; também na imprensa de outros estados brasileiros, como por exemplo, Almanaque das Senhoras Alagoanas; O Lyrio, de Recife; A Família, de São Paulo e Rio de Janeiro etc.

Ao ser demitida da Escola Normal (sua pena incomodava os poderosos), fundou externato próprio que funcionou em Fortaleza, depois em Baturité, de onde continuou colaborando na Imprensa.

Além de poetisa, foi também contista, cronista, jornalista, dramaturga e romancista. Em 1902 veio a público o romance A Divorciada. Pelo tema, há de se imaginar o abalo na sociedade e o preço que a romancista pagou pela "ousadia".

Em 1908 transferiu-se com a família, o externato e a revista A Estrella para a cidade de Aracati, onde passou 27 anos de sua vida dedicados à educação da Zona Jaguaribana.
Seus filhos Antonieta, Aristóteles e Angelita seguiram o exemplo da mãe – todos percorreram o árduo caminho de educar.

Faleceu em Aracati aos 08 de dezembro de 1935.

Ao ser fundada a Academia Feminina de Letras, em Fortaleza, sua ex-aluna da Escola Normal de Fortaleza, Alba Valdez, a tomou para madrinha.

Na Ala Feminina da Casa de Juvenal, Francisca Clotilde é patrona da cadeira que teve como primeira ocupante uma ex-aluna de Aracatis, Stella Maria Barbosa de Araújo. É nome de logradouro na cidade de Fortaleza. É nome de grupo teatral na cidade de Aracati. Nessa mesma cidade foi criada, por familiares e amigos da cultura, a Associação Cultural Solar das Clotildes (22/10/2005). É patrona da cadeira No. 11 na Academia Tauaense de Letras (05/03/2005). É nome do Centro de Referência da Mulher em Fortaleza (08/05/2006). Por último, a Câmara Municipal de Tauá aprovou projeto de lei que dá nome de logradouro à ilustre conterrânea.

Sua obra tem sido tema de monografia em várias universidades do Brasil.

Contribuição de Anamélia Mota. 

SONETOS 

SONETO 1: A REDENÇÃO A treva esconde a face delicada Do Salvador exangue sobre a Cruz, Po... 

SONETO 2: MARIPOSA Incauta mariposa em torno à luz Viceja pela chama fascinada, Até que e... 

SONETO 3: À ANA NOGUEIRA Não te corre nas veias delicadas O sangue azul da fátua realeza, ... 

SONETO 4: CEARÁ Ave, Terra da Luz, Ó pátria estremecida, Como exulta minha alma a proclamar-t... 

SONETO 5: A GARÇA Ei-la triste a mirar as águas irrequietas, Parecendo evocar em visões lumin... 

SONETO 6: ÍRIS Ergue-se a cruz no monte! as sombras lutulentas Foram-se as nuvens negras, proc... 

SONETO 7: TEU NOME É bálsamo de amor que os lábios suaviza É cântico do céu... encanta, a... 

SONETO 8: MAIO Eis que Maio chegou! Mas triste e desolado, Sem primores de rosas e... 

SONETO 9: VÉSPER A noite faz-se bela e iluminada. Vésper brilhante, a confidente amig... 

SONETO 10: O CAMINHO DA GLÓRIA Sempre a olhar a bandeira erguida e tremulante, Visão sublime ... 

SONETO 11: A PALMEIRA Sobre o vasto areal, na extensão do deserto, Erguia senhoril à luz, ao ... 

SONETO 12: ANDORINHA Passando do inverno a pérfida inclemência... Andorinha ligeira, vai busca... 

SONETO 13: ÊXTASE Com as asas da Fé transporto-me às alturas E sondo a profundidade enorme d... 

SONETO 14: HORA FESTIVA Brilha o sol no infinito! A natureza em festa Mostra um raro primor... 

SONETO 15: A UM POETA Detem a inspiração e o estro ousado, Passa altivo no mundo o indiferen... 

SONETO 16: D. LUIS ORLEANS É vivo o teu lugar, a cintilar na história, Descendente de reis, o... 

SONETO 17: VISÕES DE OUTRORA Que formosa ilusão! Vejo presente O caminho feliz e perfumado,... 

SONETO 18: Minha Estrela Declina o dia... e nuvens cor-de-rosa Vão adornando as fímbrias do po... 

SONETO 19: AO CORAÇÃO Porque suspiras, coração dolorido? Ermo de afetos, cheio de amargura!... 

SONETO 20: Ninho Desfeito Inda há pouco cantava docemente, Num transporte de candidos amores,... 

SONETO 21: A BANDEIRA Vejo-te erguida, bela e tremulante Tendo o azul deste céu resplandecent... 

SONETO 22: PARA O IGNOTO Eles têm que partir!... A caravana triste Despede-se a chorar de doc... 

SONETO 23: DESERTO Esta casa que vês arruinada, Solitária e deserta no caminho, Foi outro... 

SONETO 24: O CAMINHO DA GLÓRIA Sempre a olhar a bandeira erguida e tremulante, Visão sublime ... 

SONETO 25: SETE DE SETEMBRO Esplende o sol... O Ypiranga desliza E nele se reflete o azul ser... 

SONETO 26: LUZ E SOMBRA Por toda parte a luz, a placidez, o amor, A graça festival do campo e d... 

SONETO 27: O SONHO DE COLOMBO Dorme embalado na caricia rude Da vaga azul, indoôita, fremente,... 

SONETO 28: PÁTRIA Ter uma Pátria assim tão bela e majestosa, Como o nosso Bras... 

SONETO 29: CARIDADE Tu descestes do céus e aos céus te volves Num grande impulso do mais santo... 

SONETO 30: SETE DE SETEMBRO Esplende o sol. O Ipiranga desliza E nele se reflete o azul sereno... 

SONETO 31: CRIANÇA Nem um prazer enubla-lhe a existência Vive a sorris feliz e descuidosa,... 

SONETO 32: DEZEMBRO Trajas o manto alegre e resplandente Que tem a primavera auspiciosa,... 

SONETO 33: NINHO DESFEITO Inda há pouco cantava docemente, Num transporte de candidos amores,... 

SONETO 34: MÊS DAS FLORES És das flores o mês, o belo mês festivo, Em que virgem do céu, a te... 

SONETO 35: VISÃO CAMPESINA Que mimosa casinha emmoldurada De baunilhas em flor ! Um doce ninh... 

SONETO 36: CÔRES Gostem outros do rubro, a cor viva incendida Que lembra a chama, a guerra, as... 

SONETO 37: A GARÇA Ei-la triste a mirar as águas irrequietas, Parecendo evocar em visões lumin... 

SONETO 38: ÊXTASE Com as asas da Fé transporto-me às alturas E sondo a profundidade enorme dos... 

SONETO 39: O INVERNO Em vez do belo azul quisera agora, Fitar por esses céus nuvens sombrias... 

SONETO 40: A ÁRVORE Ao contemplá-la, triste emurchecida, Os galhos nus, de flores despojados... 

SONETO 41: À PAZ Estende sobre nós as asas benfazejas, Afasta para longe a sanguinária guerra;... 

SONETO 42: IRMÃ DE CARIDADE Como um anjo risonho do céo Ella assiste nos leitos da dôr Tr... 

SONETO 43: À Memoria da Virtuosa Irmã Margarida Bazet Seus lábios não provaram neste mundo A t... 

SONETO 44: O ALVORECER (F. Clotilde, A Estrella, fev. de 1909) Vai pouco a pouco o sol iluminando... 

SONETO 46: LUAR DE AGOSTO (F. Clotilde, A Estrella, ago de 1909) Luar de agosto, belo e resplandecen... 

SONETO 47: REMINISCÊNCIA (F. Clotilde. A Estrella maio de 1918) Era sempre ao sol pôr... Milhares de... 

SONETO 48: LUCI (F. Clotilde, À Evangelina Ribeiro, A Estrella, maio de 1920) Passaste nesta vida a... 

SONETO 49: MINHA ESTRELLA (F. Clotilde. À Letícia Câmara, Almanach do Ceará, 1910) Declina o dia... ... 

SONETO 50: AVE ESTRELLA (F. Clotilde, A Estrella, março de 1912) Como brilha no azul a estrela matut... 

SONETO 51: NO SOSSEGO DO CAMPO (F. Clotilde, A Estrella, Março de 1918) Eis-me longe da praça! Em pl... 

SONETO 52: NO CALVÁRIO (F. Clotilde, Ao Frei Marcelino de Mornico, março de 1915) Ergue-se a cruz no... 

SONETO 53: O ALVORECER (F. Clotilde, A Estrella, Fev. de 1909) Vai pouco a pouco o sol iluminando... 

SONETO 54: MISTÉRIOS (F. Clotilde, A Estrella, Jul. de 1915) Há um encanto secreto, um mistério inso... 

SONETO 55: BONINAS (F. Clotilde, Mar. de 1916) Boninas, reflori no instante do por do sol, Esp... 

SONETO 56: TEU NOME ( F. Clotilde. A Estrella, 1915 In: Lembrados e Esquecidos, 1993 p. 89) É bálsam... 

SONETO 57: NO SOSSEGO DO LAR (F. Clotilde, A Estrella, abril de 1918) Eis-me longe da praça! Em plen... 

SONETO 58: HIENAL (F. Clotilde, A Estrella, Fev. de 1916) Tarde de inverno... O sol já se avizinha... 

SONETO 59: SORRISOS DE ABRIL (F. Clotilde - À Gilberta Galvão - A Estrella, Abr. de 1916) O sorriso ... 

SONETO 60: EVANGELINA (F. Clotilde - À Evangelina Martins - A Estrella, Maio de 1916) Teu nome é tod... 

SONETO 61: LÁGRIMAS ( F. Clotilde – À F. Martins – A Estrella, Jun. de 1916) Chora a noite sentida a... 

SONETO 62: MATER DOLOROSA (F. Clotilde - À Leodegária de Jesus, A Estrella Mar. De 1918) Quem pode ... 

SONETO 63: REMINISCÊNCIA (F. Clotilde - À Augusta Santos. - A Estrella, Maio de 1918) Era sempre a... 

SONETO 64: GRAÇA INFANTIL (F. Clotilde - À Maria Dolores Pontes - A Estrella, Set. de 1920) Se nã... 

SONETO 65: PRECE (F. CLOTILDE, A Estrella abril de 1915) Oh! Bendita Virgem, Mãe piedosa,...

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