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SEARA VERMELHA

CANINDÉ

Seca faz maridos deixarem famílias e irem para o Sul

 

Caderno Regional do Diário do Nordeste, de Fortaleza,CE, 20.05.2012


O fenômeno conhecido como viúvas de maridos vivos volta ao interior do Ceará diante da seca que vitima o sertão

Canindé. Rosto sulcado pelo tempo, como os leitos dos rios fantasmas que assombram a região. Pele e corpo ressecados, feito a terra outrora fértil que hoje se desfaz em areia levada pelo vento. Olhar profundo e vazio, o mesmo vazio a que está acostumado o prato do sertanejo. O chão há vários meses não vê chuva que dê para o cultivo.

A seca que atinge todo Nordeste expulsou maridos dos sertões de Canindé, no Interior do Ceará. Para sobreviver, foram obrigados a migrar principalmente para São Paulo, cortar cana e trabalhar de galego (vendedor de porta em porta), Rio de Janeiro, para o trabalho de garçons e cozinheiros, e para o sul de Minas Gerais para colheita do café.

Como os maridos passam a maioria do tempo fora de suas casas, dando o duro para a sobrevivência, as "viúvas dos maridos vivos", como são chamadas a contragosto suas esposas, acabam se tornando chefes de família. Esse fenômeno ocorre com mais frequência nos sertões de Canindé, que compreende ainda as cidades de Paramoti, Itatira, Caridade e Madalena.

Quando chove, é possível arrumar emprego nas lavouras ou plantar a sua própria roça. Com a estiagem, a terra não consegue segurar o trabalhador no campo. A busca pela cidade grande é quase inútil. Não há vagas, nem no pequeno comércio local, nem nas prefeituras, que muitas das vezes já dedicam mais verbas do que é permitido por lei a folhas dos funcionários.

A solução aparece no ônibus mandado pela indústria canavieira paulista ou mato-grossense. Em cidades como Canindé, Itatira e Madalena, já viajaram para o sul mais de 2 mil pessoas. Para se ter uma ideia do problema, só em abril deixaram o Município de Itatira, para o corte de cana, 545 pais de famílias. E o processo do vai-e-vem não é recente, como a seca também não é. Tanto que, não raro, as pessoas rompem a corda desse ioiô humano e acabam ficando no sul do Brasil.

Durante o tempo que estão fora, os homens mandam um pouco que recebem para a família. Três, cinco, seis, sete pessoas têm que se manter com R$ 90 ou R$ 120 por mês. Dona Francisca Maria da Silva, de 55 anos, residente no Distrito de Bonito, em Canindé, ficou com seis filhos, recebeu do marido João Ferreira da Silva, que está em São Paulo, no mês de abril, R$ 80.

A seca destrói a vida de todos. Contudo, a natureza não pode ser a única a sentar no banco dos réus. Os governos têm grande parcela de culpa nessa história, porque o grande problema do Nordeste não é a seca, mas sim a cerca. A burocracia emperra o sonho de muitos sertanejos que sonham em permanecer em suas terras, mas as condições adversas fazem com que deixam para trás a família e sigam para o sul, sem direito de pelo menos ter uma moradia parecida com a que deixou no sertão.

Miséria
Na rota da fome, na geografia da miséria, é assim que podemos definir os caminhos percorridos pela nos Sertões de Canindé. Com a pior seca registrada nos últimos 30 anos, é raro encontrar algum homem nas casas das comunidades visitadas.

Encontradas em quase todos os Municípios que sofrem com a estiagem, as mães passam praticamente metade do ano sozinhas com os filhos enquanto os maridos partem para o sul em busca de trabalho nas lavouras de café e cana-de-açúcar. Resignadas, elas confessam não ter outra saída para que a família sobreviva com o mínimo de dignidade. O marido de Maria Tereza Matos, 48 anos, José Antunes Matos, de 43 anos, que residem na localidade de Mato Grosso, em Itatira, está em Rio Claro há três meses e só deve voltar dias antes do Natal. Com a mulher ficaram três crianças, de 10, 12 e 14 anos, sustentadas com o pouco dinheiro enviado e com R$ 112,00 mensais da bolsa família. Às vezes, Maria encara um dia de trabalho lavando roupas de donas de casas por R$ 12,00 a diária. "É pouco, mas dá para ir se virando", disse. "A gente sente muita saudade marido. As crianças sempre têm mais medo dos pais do que das mães".

Esposas contam que o dinheiro é pouco
Canindé. Raimunda Arcanjo Moreira, de 51 anos, vive situação semelhante à de dona Maria. Todos os anos, o marido parte para o sul para trabalhar no corte de cana. "Quando ele muito manda, manda R$ 100,00 que só dá para sustentar os meninos que ficaram em casa", lamenta. Segundo ela, o medo de perder o marido existe, mas fica em segundo plano. "Para caçar jeito de viver tem que ser assim".

Ainda no Município de Itatira, Antônia Ribeiro de Sousa, de 28 anos, casada há dois anos com Jerônimo Feitosa Brito, de 29 anos, disse que está com muita saudade do marido. "O que ficou foi à esperança de que ele volte com alguma coisa que dê para a gente se garantir até o próximo inverno, isso porque quando dá para economizar, voltam com alguma reserva", sonha a viúva dos maridos vivos.

A esperança de dias melhores para as viúvas dos maridos vivos vem mais da fé em Deus do que da espera por políticas públicas que não sejam assistencialistas, mas de desenvolvimento sustentável. "Os políticos só pensam na miséria do sertanejo na época do voto, depois que são eleitos, não estão nem aí", lamenta Maria Ferreira da Silva, da localidade de Esperança, em Canindé.

Falta emprego
As invés de fazer com que o trabalhador permaneça nas suas origens, gerando emprego, fazem com que o agricultor acabe indo para as grandes cidades do Sul e se tornando mais um nos bolsões da pobreza que salpicam as capitais.

O futuro é incerto de Marias, Franciscas, Antônias, Raimundas, são vários e na verdade iguais ao mesmo tempo. Não precisam de sobrenome. Você as encontra ao longo dos sertões de Canindé.

ANTÔNIO CARLOS ALVES

COLABORADORDona Francisca Maria e os filhos que o marido deixou para trás fugindo da seca FOTO: ANT. CARLOS ALVES

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