O JULGAMENTO DE JESUS
Hon. Harry Fogle
Editado por Frederick Graves, JD
© 2000 by Jurisdictionary Foundation, Inc.
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Há tanto misticismo e confusão acerca da crucificação e ressurreição que
acabamos perdendo de vista o fato de que Jesus de Nazaré foi julgado como homem
diante de uma corte de homens sob as leis dos homens, condenado e executado como
homem, e que como drama, o julgamento de Jesus supera quaisquer dos grandes
julgamentos da história da justiça humana.
Abordarei esse assunto como advogado, não como teólogo. Recomendo a pesquisa
dos aspectos teológicos dos eventos por conta de cada um. Creio que ter o ponto
de vista de um advogado sobre os processos da lei que culminaram na morte de
Jesus na cruz cruel do Calvário pode levar a uma melhor compreensão espiritual.
De início eu quero enfatizar que não considero que uma raça inteira de
pessoas (os Judeus) tenha causado a morte de Jesus. E também não creio que
nenhum Cristão inteligente pensaria isto.
Minha opinião é que apenas uns poucos homens poderosos em Israel -
principalmente os sacerdotes superiores daquela nação - foram os responsáveis
pela injustiça que ocorreu. Para entender quão grande foi essa injustiça, vamos
examinar a lei Judaica como ela existia na época... um verdadeiro e magnífico
sistema de justiça criminal.
Sob as provisões da lei Judaica não poderia haver condenação por um crime
capital baseado no testemunho de menos que duas pessoas. Uma testemunha era
considerada a mesma coisa que nenhuma testemunha. Se houvessem apenas duas
testemunhas, ambas teriam que concordar em todos os particulares até os mínimos
detalhes.
Sob a lei rabínica, o acusado tinha o direito de ter um defensor (o precursor
da garantia de ter um advogado em processos criminais que é definido pela Sexta
Emenda da Constituição dos Estados Unidos). Se o acusado não pudesse pagar pela
defesa, um defensor seria escolhido para ele. Alguém poderia pensar no caso
Gideon versus Wainwright, que deu origem ao sistema de defensores públicos como
uma inovação. Mas na realidade essa era a prática das cortes desde há 2000 anos
atrás!
Sob a lei Mosaica, um acusado não poderia ser obrigado a testemunhar contra
si mesmo. Esse era o espírito da Quinta Emenda (dos EUA): "Ninguém deve ser
obrigado a servir de testemunha contra si próprio em nenhum caso criminal." Eis
o conceito de "apelo a Quinta Emenda", que fez parte da justiça criminal desde
os tempos de Moisés!
Uma confissão voluntária não era suficiente para a condenação sob a lei
Judaica. O ônus da prova ainda era do Estado, que tinha que provar que a
confissão, se houvesse sido feita, teria sido feita livremente, de forma
voluntária e de plena consciência.
Hoje em dia, os policiais norte-americanos são obrigados a ler os "direitos
Miranda" ("Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser poderá ser
usado contra você.", etc ...) para os acusados de forma que a Corte possa
determinar que uma confissão seja feita livremente, voluntariamente e
conscientemente.
Se uma confissão é feita depois que a lei Miranda foi ouvida e compreendida,
a confissão pode ser admitida. Mas não era assim nos tempos de Jesus. A lei
Judaica não admitia confissão, sob a crença de que o Estado jamais poderia se
basear no que uma pessoa disse de sua própria boca para condená-la.
Uma evidência circunstancial é aquela que não está diretamente ligada ao
crime, mas sim relacionada à outras evidências, que juntas, servem para que se
deduza como um crime foi realizado. Em um julgamento, as impressões digitais da
pessoa (evidência circunstancial) servem para deduzir que o acusado esteve em
tal local e tocou em tal objeto, mesmo que ninguém tenha visto o acusado.
No caso em que uma testemunha diz "ouvi um tiro e quando cheguei à cena
segundos depois, vi o acusado com uma arma na mão", essa evidência é
circunstancial. O problema é que o acusado pode ter disparado um tiro contra o
agressor que fugiu após o crime ou o acusado pode ter sido apenas alguém que
pegou a arma depois que o agressor a jogou no chão.
Pois bem, as evidências circunstanciais também não eram admitidas. Hoje em
dia, raramente se vê um caso nas cortes onde as evidências circunstanciais não
sejam usadas. Atualmente, em muitos casos as únicas evidências existentes são
totalmente circunstanciais.
Os depoimentos do tipo "ouvi fulano falar isso" (o "ouvir dizer") também não
eram admitidos na época. Ainda temos essa regra contra admitir depoimentos de
testemunhas que não estão no tribunal e que não podem ser examinadas
pessoalmente, mas as exceções à essa regra têm demolido as proteções originais
aos acusados.
A regra "inocente até prova em contrário" que nossas leis reconhecem hoje
(isto é, um acusado é presumido inocente até que sua culpa tenha sido
estabelecida por evidências e pela eliminação de qualquer dúvida razoável)
também vem da lei Judaica e essa era a regra quando Jesus foi injustamente
crucificado.
O acusado de um crime capital só podia ser julgado durante o dia e em
público. Esse era o precursor da garantia constitucional de um julgamento em
público.
Nenhuma evidência poderia ser apresentada se o acusado não estivesse
presente. Isso deu origem ao atual direito que os acusados têm de estarem face a
face com as testemunhas depondo contra eles.
As testemunhas não tinham que jurar. O mandamento "Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo" era considerado suficiente para deter o perjúrio. Mentir
na corte era perjúrio - sob juramento formal ou não.
E mais ainda, havia dois desestímulos adicionais ao perjúrio: (1) qualquer
testemunha em um caso de crime capital que desse falso testemunho recebia a pena
de morte, e (2) se o acusado de um crime capital fosse condenado, as testemunhas
eram obrigadas a assistir à execução. Sob essa provisão da lei, as testemunhas
geralmente escolhiam suas palavras cuidadosamente e só davam testemunho com
grande cuidado!
O Grande Sinédrio, a Suprema Corte Judaica, era a única corte com jurisdição
sobre crimes puníveis com a morte. A criação do Sinédrio é atribuída à Moisés.
Foi uma corte de 70 membros composta de um Sumo Sacerdote como juiz principal,
uma Câmara Religiosa de 23 sacerdotes, uma Câmara Legal de 23 escribas, e uma
Câmara Popular de 23 anciãos. Era a essa corte que Jesus se referia quando ele
disse que devia ir a Jerusalém e sofrer nas mãos dos anciãos, sacerdotes e
escribas. Ele sabia que pela decisão deles ele seria morto.
Extremo cuidado era usado para selecionar os juízes dessa grande corte. Cada
um devia ter pelo menos 40 anos de idade com experiência em pelo menos 3 cargos
de dignidade gradativamente maior. Cada um tinha que ser uma pessoa de
integridade incontestável e tido em alta estima por seus conterrâneos.
Membros do Sinédrio atuavam como juízes e jurados. Eles não tinham um júri
separado. Qualquer membro com interesses ou conhecimento pessoal das partes era
requerido que se retirasse do julgamento. A Corte tinha que decidir a questão da
culpa ou inocência apenas com evidências apresentadas no tribunal.
O Sinédrio era encarregado sob a lei rabínica de proteger e defender o
acusado. Nenhum membro da corte poderia atuar inteiramente como acusador ou
promotor. A lei requeria que a corte desse aos acusados o "benefício da dúvida"
para ajudar o acusado a estabelecer sua inocência.
Os procedimentos de julgamento eram similares aos nossos. Seguindo-se à
audiência preliminar, um sumário das evidências era dado por um dos juízes. Os
espectadores eram então removidos do tribunal e os juízes votavam. Uma maioria
era suficiente para condenar ou absolver. Se uma maioria votasse pela
absolvição, o julgamento terminava e o condenado recebia a liberdade total. Se
uma maioria votasse pela condenação, então um procedimento diferente era
seguido.
Nenhum anúncio de veredicto poderia ser feito nesse dia. A corte teria que
adiar por um dia inteiro. Os juízes recebiam permissão para voltarem às suas
casas mas não poderiam ocupar suas mentes em quaisquer atividades sociais ou de
negócios. Eles tinham que devotar seu tempo inteiro para a consideração e
reconsideração solene das evidências e retornar no dia seguinte para votar de
novo.
Nesse segundo dia, qualquer juiz que houvesse votado pela absolvição não
poderia mudar seu voto, mas qualquer juiz que, na primeira votação, houvesse
julgado o acusado como "culpado" poderia mudar seu voto.
Durante esse tempo, o acusado ainda era presumido inocente.
Uma outra provisão peculiar da lei Judaica era de grande importância, porque
um veredicto unânime de culpa resultava na absolvição do acusado! Isso derivava
do dever que a corte tinha de proteger e defender o acusado. A lei Mosaica
estabelecia que desde que algum membro da corte tinha que fazer a defesa do
acusado, um veredicto unânime de culpa indicava que ninguém teria feito essa
defesa, que poderia ter havido uma conspiração contra o acusado, e que ele não
teria tido um amigo ou defensor. Tal veredicto unânime era inválido e tinha o
efeito de uma absolvição.
Israel não era uma democracia com Igreja e Estado separados, mas uma
teocracia com Igreja e Estado entrelaçados como uma coisa só. Muitos acreditam
que os altos sacerdotes ordenaram a prisão e julgamento ilegal de Jesus, que
eles foram quem subornaram Judas, que eles sozinhos é que se sentiram ameaçados
pelos ensinamentos de Jesus em público, e que eles sozinhos é que buscaram a
morte de Jesus.
A prisão foi ilegal porque ela veio de noite, em violação à lei. Ela foi
efetuada através das atividades do conspirador Judas Iscariotes em violação à
lei rabínica. Ela não foi resultado de um mandado legal, novamente em violação
ao código Mosaico. Os guardas romanos que prenderam Jesus no Jardim de
Gethsemane e o trouxeram ao tribunal do Sumo Sacerdote não tinham uma ordem de
prisão legal. O julgamento noturno é uma evidência adicional de conspiração
contra Jesus por esses sacerdotes cuja hipocrisia o Carpinteiro denunciava
publicamente. Sob a lei do Sinédrio, o primeiro passo deveria ter sido a
audiência prévia com a leitura das acusações para o réu em uma corte aberta. O
registro (incluindo os escritos de Mateus, Marcos, Lucas, João, Josephus, Philo
e os Manuscritos do Mar Morto) não menciona nenhum audiência prévia. E eu assumo
que Mateus, Marcos, Lucas e João são testemunhas com credibilidade. Nós podemos
crer em seus testemunhos.
O registro diz que a corte procurou testemunhos falsos contra Jesus para
justificar condená-lo à morte mas da primeira tentativa não conseguiram, apesar
dos várias testemunhos falsos que surgiram. Houve perjúrios entre eles mas
ninguém estava disposto a arriscar a terrível conseqüência de mentir contra um
homem acusado de crime capital.
Mas finalmente surgiram duas falsas testemunhas, e nos disseram Mateus e
Marcos que ambos os testemunhos não concordam entre si. A primeira testemunhou
para acusação de blasfêmia dizendo que Jesus havia dito "Eu sou capaz de
destruir o Templo." A segunda testemunhou que Jesus havia dito "Eu vou destruir
esse Templo."
Não houve outras testemunhas além dessas duas, e elas não concordavam entre
si. Jesus deveria ser absolvido ainda antes de ser questionado em sua defesa ...
e certamente sem ser obrigado a testemunhar contra si próprio.
Porém, o sumo sacerdote Caifás invocou Jesus para que se defendesse
(contrariando a lei). "E, levantando-se o sumo sacerdote no Sinédrio, perguntou
a Jesus, dizendo: Nada respondes ? Que testificam estes contra ti?" Jesus não
respondeu.
Em vez de proteger e defender o acusado como requerido pela lei deles, o
próprio sumo sacerdote se tornou o acusador, em franca violação das regras do
julgamento. "Conjuro-te pelo Deus vivo", ele gritou, "que nos digas se tu és o
Cristo, o Filho de Deus!"
Agora, coloquemo-nos na posição de um carpinteiro humilde diante dos homens
mais poderosos do país, no maior tribunal da nação. É difícil imaginar quão
grande foi a coerção e a pressão!
Embora Jesus pudesse continuar em silêncio, ele decidiu falar. "Se vo-lo
disse, não o crereis, e também, se vos perguntar, não me respondereis." Os
sacerdotes novamente perguntaram "És tu o Filho de Deus ?" A resposta de Jesus
foi apenas "Vós dizeis que eu sou." Caifás então anunciou à Corte "De que mais
testemunho necessitamos? Pois nós mesmos o ouvimos da sua boca." O resto dos
homens daquela corte terrível, ouvindo essas palavras ditas pelo seu sumo
sacerdote, ilegalmente confirmaram seu julgamento gritando "É réu de morte!"
A primeira audiência diante do Sinédrio foi concluída por volta das três da
manhã. A Corte só adiou o julgamento até o nascer do sol, embora a lei exigisse
que cada um deles deliberasse a sós por um dia inteiro antes da segunda
audiência.
Eles retornaram apenas algumas horas depois, ao amanhecer. Lucas nos conta "E
logo que foi dia, ajuntaram-se os anciãos do povo, e os principais dos
sacerdotes e os escribas, e o conduziram ao seu concílio." Essa sessão foi
superficial. Nenhuma testemunha foi invocada novamente e a lei foi violada ao se
exigir que Jesus respondesse à questão repetida "És tu o Filho de Deus?"
E novamente Jesus respondeu "Tu o disseste", e então acrescentou "digo-vos,
porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e
vindo sobre as nuvens do céu." Diante disso, a corte gritou "Para que precisamos
ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia."
A votação foi feita, os votos dos juízes foram contados, e Marcos nos conta
"todos o consideraram culpado de morte." A importância disso reside naquela
provisão peculiar da lei Judaica que requeria a absolvição se houvesse veredicto
unânime.
Sob a lei Judaica, a morte por apedrejamento era a sentença apropriada para
uma ofensa capital. O povo Judeu não crucificava e esse método de executar a
pena de morte era de origem Grega ou Romana. Os Judeus executavam os condenados
por apedrejamento, decapitação ou estrangulamento de acordo com a natureza do
crime. Para a blasfêmia era prescrita a morte por apedrejamento.
No entanto, o exército Romano que ocupava Jerusalém na época era o único com
poder de anunciar e executar sentenças de morte. O Sinédrio tinha apenas
autoridade para levantar a acusação perante um magistrado Romano ou governador
militar, o qual tinha o dever de rever o processo inteiro em um julgamento
separado tendo poder para decidir. Portanto, "logo ao amanhecer, os principais
dos sacerdotes, com os anciãos, e os escribas, e todo o Sinédrio, tiveram
conselho; e, ligando Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos."
Normalmente se diz que o reino de Judah nos deu a religião e a Grécia nos deu
as artes, mas Roma nos deu as leis. O sistema judicial Romano era incomparável
em matéria de jurisprudência, mas Pilatos não seguiu o sistema Romano. Ele não
exerceu julgamento independente de acordo com a lei mas cedeu às pressões
políticas dos sacerdotes Judeus, violando assim a própria lei que ele estava
encarregado de fazer cumprir.
Sua história é um exemplo de como os juízes devem ser sempre livres de
pressões políticas, livres para decidir os casos baseando-se apenas na lei e nas
evidências. Como Procurador Imperial na Jerusalém ocupada pelos Romanos da
época, Pilatos tinha o dever legal de rever todas as evidências e procedimentos
nos casos capitais trazidos até ele pelos líderes Judeus. Ele foi um bom juiz
(até que a segurança de seu cargo foi ameaçada pela política).
Os sacerdotes levaram Jesus para a entrada do palácio de Pilatos. (Eles não
poderiam entrar porque se tornariam impuros, sendo uma época de Páscoa.) Pilatos
foi até eles dizendo "Que acusação trazeis contra este homem?".
Essa pergunta é importante porque demonstra a intenção de Pilatos em levar o
caso como um julgamento à parte desde o início, começando a julgar a própria
acusação. Ele não perguntou "Vocês condenaram esse homem de quê?", mas em vez
disso perguntou quais eram as acusações.
Os sacerdotes sabiam a importância da pergunta de Pilatos, então eles
responderam indiretamente "Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos."
Em outras palavras, Pilatos perguntou "Qual a acusação contra este homem?" e os
sacerdotes responderam "Se ele não fosse culpado não estaria aqui!"
Pilatos percebeu essa tentativa de limitar sua jurisdição e induzi-lo a agir
de acordo com a vontade deles. Isso o irritou e ele revidou: "Levai-o vós, e
julgai-o segundo a vossa lei!" Os sacerdotes foram então forçados a admitir "A
nós não nos é lícito matar pessoa alguma."
Tentemos entender o dilema desses sacerdotes em violação às leis. Se eles
apresentassem Jesus como um homem condenado por blasfêmia com o depoimento de
apenas duas testemunhas que não concordaram entre si, Pilatos reverteria o
veredicto. Se eles apresentassem Jesus como alguém condenado por sua própria
confissão, Pilatos também dispensaria o veredicto. E, é claro, se eles
informassem que Jesus havia sido condenado por votação unânime, Pilatos entraria
com um veredicto de absolvição.
Então, os maliciosos sacerdotes apresentaram Jesus a Pilatos sob uma nova
acusação que eles inventaram naquele momento: traição contra César. "Havemos
achado este, pervertendo a nossa nação", disseram eles, "proibindo dar o tributo
a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei."
Pilatos chamou Jesus para dentro do palácio e o perguntou em privado "Tu és o
rei dos Judeus ?" E Jesus perguntou a Pilatos para saber a origem da nova
acusação: "Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de mim?"
Pilatos replicou "A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a
mim", explicando com isso de onde havia sido originada aquela acusação de
traição.
Era uma coisa plausível que um Judeu acusasse um Romano de traição ou que um
Romano acusasse um Judeu, mas naquele momento eram os Judeus mais proeminentes
da nação acusando um de seus conterrâneos de crime de traição contra Roma!
Jesus disse a Pilatos "O meu reino não é deste mundo." E Pilatos insistiu
"Logo tu és rei ?" Jesus respondeu "Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci,
e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é
da verdade ouve a minha voz."
Pilatos então fez a famosa pergunta "Que é a verdade?"
Jesus não deu resposta alguma senão a presença silenciosa de Si, o cordeiro
levado ao sacrifício por mentirosos, de forma que Pilatos saiu para onde os
sacerdotes estavam e, de acordo com João, pronunciou sua absolvição enfática do
carpinteiro Nazareno. Ele disse a eles "Não acho nele crime algum!"
Até então, Pilatos havia seguido a lei à risca. A lei era boa. A lei teria
libertado Jesus mas pela persistência desses maldosos sacerdotes que não se
importavam em nada com as leis pelas quais eles mesmos governavam a terra e seus
habitantes.
Era intolerável para esses inimigos da verdade que seu complô assassino fosse
frustrado dessa maneira. Os sacerdotes soltaram rugidos de indignação "Alvoroça
o povo ensinando por toda a Judéia, começando desde a Galiléia até aqui."
Essa acusação era a de sedição (revolta, motim, crime contra o Estado), que
era menos odiosa que a traição. Ela exigia a prova de uma motivação corrupta
para a condenação, mas ainda nenhum motivo maldoso se pode provar que existira
em Jesus.
Pilatos ignorou essa acusação, mas com a referência à Galiléia, ele encontrou
uma oportunidade de escapar do que o esperava. Herodes, o Tetrarca da Galiléia,
estava em Jerusalém para a Páscoa. Pilatos viu nisso uma chance de transferir a
responsabilidade para Herodes, que tinha jurisdição para julgar acusações de
sedição. Jesus era Galileu. Os sacerdotes aprovaram essa ação porque eles
pensavam que Herodes faria o que eles quisessem para ganhar seus favores.
Jesus foi arrastado até o palácio de Herodes, onde as acusações de traição e
sedição foram reiteradas.
Herodes, contudo, não se impressionou. Ele havia ouvido a respeito dos
ensinamentos de Jesus e o questionou, mas quando Jesus se recusou a responder
(um direito de todo acusado), Herodes colocou nele uma túnica branca e o mandou
de volta a Pilatos sem dar uma decisão. Se esse procedimento irregular tivesse
qualquer status legal, ele levaria a uma nova absolvição. Pilatos concordou.
Lucas nos conta que quando os sacerdotes trouxeram Jesus de volta do palácio
de Herodes, Pilatos saiu de encontro a eles e disse "Haveis-me apresentado este
homem como pervertedor do povo; e eis que, examinando-o na vossa presença,
nenhuma culpa, das de que o acusais, acho neste homem. Nem mesmo Herodes, porque
a ele vos remeti, e eis que não tem feito coisa alguma digna de morte.
Castigá-lo-ei pois, e soltá-lo-ei."
Notemos que Pilatos naquele momento cometeu um erro. Ele declarou "Esse homem
é inocente. Herodes o julgou inocente e eu o julguei inocente. Eu vou, portanto,
castigá-lo e soltá-lo!" Mas que autoridade legal tinha Pilatos para castigar um
homem inocente? Porque ele fez isso?
Apesar de contrária à lei Romana, eu creio que Pilatos fez isso na esperança
de que o castigo deixaria os sacerdotes satisfeitos de modo que eles cessariam
suas exigências de morte. Assim, Pilatos ordenou o castigo de Jesus, não com uma
punição branda, mas com o açoitamento até quase matar, com tiras de couro
embutidas com pedaços de chumbo!
A imposição desse açoitamento ilegal foi, em si, um impedimento para punições
ainda piores. Qualquer punição adicional violaria as leis tanto de Roma como de
Israel, que estabeleciam que, já tendo o acusado sido condenado e punido, ele
não poderia ser julgado novamente pelo mesmo crime.
João diz que "desde então Pilatos procurava soltá-lo", mas Jesus foi levado
ao quartel dos soldados e despido de sua túnica branca que havia sido dada por
Herodes, foi coberto com uma capa púrpura, coroado com uma guirlanda de
espinhos, dado uma cana como cetro, e levado para ser confrontado pelos irados
sacerdotes novamente.
Pilatos anunciou "Eis aqui o homem." Os sacerdotes responderam "Crucifica-o!"
Tudo isso por ter Jesus desafiado a autoridade daqueles homens que estavam
dispostos a violar as leis para causar sua morte, homens que por esta razão
corromperam sua própria autoridade.
Pilatos então disse "Tomai-o vós, e crucificai-o; porque eu nenhum crime acho
nele." Ali estava um juiz de leis dizendo "este homem é inocente, mas vocês
podem matá-lo se o quiserem."
É claro que isso não satisfez os sacerdotes. Eles não ousariam crucificar
Jesus sem uma aprovação inequívoca de uma autoridade Romana, porque fazer isso
os sujeitaria a uma represália, possivelmente até a morte, nas mãos dos Romanos.
"Nós temos uma lei", eles insistiram, "e, segundo a nossa lei, ele deve
morrer porque se fez Filho de Deus." E ao dizer isso, eles revelaram a Pilatos
que sua verdadeira queixa contra Jesus era, na verdade, a acusação de blasfêmia.
Pilatos, que não havia ouvido ainda essa acusação, mais uma vez levou Jesus à
parte e perguntou "Donde és tu?" Essa era a equivalente à nossas modernas
perguntas "De onde você vem? Qual é a sua intenção?" Pilatos queria saber o que
Jesus poderia ter feito para enraivecer tanto os sacerdotes ao ponto de violarem
as leis sagradas de sua nação para condená-lo à morte ilegalmente.
Jesus não respondeu nada. Pilatos então vociferou "Não me falas a mim? Não
sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?"
Jesus apenas respondeu "Nenhum poder terias contra mim, se de cima te não
fosse dado."
Pilatos novamente procurou soltar Jesus, mas os sacerdotes enraivecidos
exclamaram "Se soltas este, não és amigo do César." Essa era uma ameaça à
Pilatos. Poderia haver graves conseqüências se a mais alta corte de Israel
denunciasse Pilatos à César. Pilatos sentiu que uma interpretação errada de seu
julgamento poderia chegar aos ouvidos de César. Ele poderia ser visto como se
estivesse protegendo alguém que era considerado pelos mais influentes de seus
conterrâneos como culpado de traição. Pilatos não teve a coragem de lutar pela
justiça contra esses sacerdotes coléricos.
Foi então que a esposa de Pilatos lhe enviou uma mensagem: "Não entres na
questão desse justo."
Seu apelo levou Pilatos a tentar um último esforço para salvar Jesus sem
arriscar seu cargo. Era costume durante a Páscoa de libertar um prisioneiro
escolhido pelo povo. Pelo voto popular, as pessoas poderiam conceder anistia a
qualquer um sentenciado à morte.
Eu vejo esse como um dos mais dramáticos momentos de toda a História, mas
muito do drama passou despercebido pelos autores e dramaturgos, e uma lamentável
confusão resultou em 2000 anos de animosidade desnecessária entre Cristãos e
Judeus. Foram os sacerdotes Judeus que buscaram a morte de Jesus, não o povo.
O nome Barrabás em Hebraico significa filho de Abás. Pedro era referido por
Mateus como "Pedro bar Jonas", isto é, Pedro filho de Jonas. Bar Mitzvah é
traduzido literalmente como Filho da Lei. O nome de Barrabás também era Jesus:
Jesus Barrabás.
A pergunta de Pilatos aos sacerdotes foi "Qual quereis que vos solte? [Jesus]
Barrabás, ou Jesus chamado Cristo?" Eles clamaram, é claro, pela libertação de
Barrabás, o notório ladrão e assassino. "Que farei então de Jesus, chamado
Cristo?", perguntou Pilatos. Eles gritaram "Seja crucificado!" "Hei de
crucificar o vosso rei?", perguntou Pilatos. E aqueles sacerdotes (que odiavam
César como só os povos conquistados podiam odiar) disseram a Pilatos "Não temos
rei senão o César!"
Pilatos enfraqueceu diante daquela ferocidade implacável e entregou Jesus
para que o crucificassem. Ele tomou uma bacia de água diante dele, lavou suas
mãos nela e anunciou "Estou inocente do sangue deste justo: considerai isso."
Pilatos mandou gravar na cruz "Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus". Caifás e
os outros sacerdotes foram a Pilatos e pediram "Não escrevas 'Rei dos Judeus',
mas que ele disse 'Sou Rei dos Judeus'." E Pilatos respondeu "O que escrevi,
escrevi."
Jesus foi julgado desde antes de sua audiência. Ele foi acusado de três
crimes separados. Os sacerdotes do Sinédrio o condenaram ilegalmente por
blasfêmia. Pilatos se recusou a reconhecer esse procedimento inicial. Pilatos,
por duas vezes, absolveu Jesus da acusação de traição. Ele foi acusado de
sedição diante de Pilatos e Herodes mas foi absolvido por ambos. E ainda assim,
Jesus foi executado porque pretensamente se assumiu que ele havia sido
considerado culpado de traição. Ameaçado com a possível perda de seu cargo,
Pilatos escolheu crucificar Jesus como a maneira mais fácil de calar os
coléricos sacerdotes.
Antes das doze horas daquele mesmo dia, Jesus foi crucificado em violação às
leis de Israel e Roma, fechando o mais tenebroso capítulo da história da
administração judicial e invocando o supremo chamado que o mundo jamais ouvira
para que humanos obrassem pela justiça. Dois dos sistemas de leis mais
esclarecidos que existiram foram prostituídos para destruir o homem mais
inocente que já passou pela face da Terra.
Essa história nunca vai morrer, porque de sua verdade sempre nasce a
esperança de toda a humanidade. Mais do que qualquer outro episódio na história
do mundo, o julgamento de Jesus clama a todos os homens e mulheres de boa
vontade para que trabalhem por um sistema de governo humano pelo qual possamos
viver juntos em paz e segurança sob um Estado de Direito administrado com
reverência pela Verdade e pelo Amor Caridoso.
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Por favor, mantenha os créditos do autor deste trabalho.
Para cópias ou maiores informações sobre a educação pública legal, contate:
Jurisdictionary Foundation, Inc.
Post Office Box 123
Jensen Beach, Florida 34958
561-334-4447
Extraído da página http://www.espirito.org.br, por Estênio Negreiros, em 08-5-2012.
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