CACHOEIRAS & CASCATAS
Fontes corruptas são corruptoras; submeter-se a governos é aceitar suborno
Por Alberto Dines em 08/05/2012 na edição 693 do Observatório da Imprensa
No exato momento em que a CPMI do Congresso inicia formalmente o
trabalho de investigação do escândalo Cachoeira e todos os seus
desdobramentos, convém lembrar que a mídia sempre foi uma entusiasmada
parceira e beneficiária dos arapongas (públicos ou privados) produtores
de fitas, vídeos e dossiês secretos.
A expressão “jornalismo fiteiro”, cunhada neste Observatório da Imprensa há mais de uma década [ver abaixo],
não surgiu por acaso: inspirou-se na dobradinha prazenteira em que a
fonte oferece bombásticas revelações desde que o jornalista privilegiado
garanta não apenas o seu anonimato, mas também uma cortina de fumaça
sobre os procedimentos que envolveram o vazamento das denúncias.
Nestes três lustros de denuncismo ensandecido, a mídia brasileira não
parou uma única vez para discutir a promiscuidade entre jornalistas,
corruptos e corruptores. Calou-se e sacramentou o vale-tudo. Se o
tivesse feito uma única vez – no caso de Waldomiro Diniz, por exemplo –,
teria interrompido a produção e o fluxo do material “fiteiro”, já que a
arapongagem brasiliense trabalha num sistema de vasos comunicantes ao
qual não estão alheios alguns repórteres ditos investigativos.
Um mínimo de transparência e nossa imprensa hebdomadária seria salva da
tentação marrom que a avacalha implacavelmente. A amoralidade é a-ideológica.
Em ambientes altamente impregnados pelas toxinas do poder, como é o
caso de Brasília, o embate ideológico é reduzido, importam mais as
conexões e os alvos invisíveis.
Aética e acrítica
Os editores de Veja abusaram do seu poder de fogo e da prática
de acionar a metralhadora antes de perguntar quem vem lá. Algumas vezes
ofereceram evidências consistentes embutidas na vociferação panfletária
– caso da ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra e mais recentemente
da cúpula do DNIT. Geralmente, contentavam-se com a panfletagem.
Mesmo quando a concorrente IstoÉ embaralhou-se com a
publicação de um dossiê pago por falsários – caso dos “aloprados”, em
setembro de 2006 –, as cobranças concentraram-se nos supostos mandantes e
na acirrada disputa eleitoral [ver, neste Observatório, “Jornalismo de quinta categoria” (26/09/2006), "A imprensa e os aloprados" (26/9/2006) e “Só a crítica genuína acabará com o ‘jornalismo fiteiro’”].
O comportamento indecoroso do rival foi omitido porque o pacto de
silêncio adotado pelo patronato midiático não permite qualquer
questionamento sobre a conduta jornalística dos pactuantes. Mesmo quando
apostam suas fichas em interesses opostos.
Fontes corruptas são inevitavelmente corruptoras. A submissão a
partidos, governos e religiões é uma forma disfarçada de embolsar
propinas e aceitar suborno.
Nesta escuridão aética e acrítica só pode prosperar uma espessa
promiscuidade entre a sede denuncista e a fome pelo poder. Ambas
insaciáveis. Os holofotes, embora tardios, são bem-vindos. Desde que
dispostos a esquadrinhar os desvãos, sótãos e porões onde se aninham os
vermes que corroem os restos da “última profissão romântica”.
***
A capa de CartaCapital comparando Roberto Civita a Rupert Murdoch é uma vendeta pessoal. Indecente.
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