DA MÍDIA SEM MORDAÇA - 27-10-2014

NO JORNAL O ESTADÃO
Seis e meia dúzia
JOSE ROBERTO DE TOLEDO
26 Outubro 2014 | 22:13
Milhões nas ruas protestando; sete em cada dez eleitores declarando desejo de mudança no governo. O cenário no qual transcorreram as eleições de 2014 prenunciava uma transformação profunda da política brasileira. O resultado não poderia ser mais contrastante. O Congresso Nacional terá poucas caras novas e com sobrenomes velhos. Os Estados continuam sendo governados, na imensa maioria, pelos mesmos caciques de sempre. E Dilma Rousseff (PT) segue sendo presidente do Brasil, após derrotar o PSDB no segundo turno: 2002, 2006 e 2010 “reloaded”.
Das 27 eleições para governador, só dá para dizer que houve algum tipo de renovação em quatro. Nas outras 23, o atual governador se reelegeu, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, ou fez o sucessor, como em Pernambuco e na Bahia, ou o eleito é um ex-governador, como no Espírito Santo, Tocantins e Piauí. Na melhor das hipóteses, o novo governador pertence a um grupo político que, não faz muito tempo, mandava no Estado.
A maior renovação aconteceu no Maranhão, com Flávio Dino (PC do B), que desalojou o clã dos Sarney. No Mato Grosso, Pedro Taques (PDT) é um procurador tornado senador que se elegeu governador. Não foi eleito por ter parentes políticos. No Distrito Federal, a eleição de Rodrigo Rollemberg (PSB) acabou com a polarização entre o PT e o grupo de Joaquim Roriz. No Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB) põe fim a uma era do PMDB no poder. Só.
Em todo o resto, a troca de comando, quando houve, foi de seis por meia dúzia. Ou, no máximo, por um terço de 18.
Dos 513 deputados federais, 401 tentaram se reeleger e 290 conseguiram. Sua taxa de sucesso foi de 72%. Nada se correlaciona mais com a vitória na eleição parlamentar do que já ser um parlamentar. Por outro lado, se “apenas” 290 estarão de volta a Brasília no próximo ano, quer dizer que 223 são novos, certo? Não exatamente. Pelo menos 25 não são novatos, mas redivivos. Já foram deputado antes, só tinham dado um tempo.
A Câmara terá 198 neófitos que terão seu primeiro gabinete brasiliense. Formalmente, é a maior taxa de renovação desde 1998: 39%. Mas o exame da lista de eleitos revela que grande parte das caras novas têm sobrenomes ou nomes de guerra velhos conhecidos do Congresso, como Covas, Cardoso e Garotinho.
Mudam só os prenomes: Bruno em lugar de Mario, Clarissa em vez de Anthony. Às vezes nem isso, basta acrescentar um “júnior”, um “neto” ou até um um “bisneto” no final. São todos herdeiros do poder, como Newton Cardoso Jr., Expedito Netto e Arthur Bisneto. A hereditariedade do poder é um dos legados da monarquia que a república brasileira conserva com mais afeto e zelo.
Entre os neófitos, quem não chegou lá por ser parente se encaixa em pelo uma dessas categorias: já passou por outro cargo eletivo (prefeito, deputado estadual etc), exerceu alguma função pública (policial, promotor etc), é celebridade – com as exceções que confirmam a regra. Na Câmara, a eleição foi seis por meia dúzia.
Por que os gritos e cartazes não se converteram em votos de protesto? Não em quantidade suficiente para mudar os donos do poder. Por que? Há várias respostas, esta é apenas uma.
Porque quem foi às ruas protestar foi um segmento expressivo, mas um segmento, não toda a população. Eram majoritariamente jovens que tiveram mais oportunidades de estudo do que qualquer outra geração anterior à deles na história do Brasil. Mas que não conseguem equiparar esses anos de estudo a cifrões nos seus salários. Estão mais frustrados do que as gerações anteriores. Foram essas gerações mais velhas que decidiram a eleição.
Os mais velhos votaram na continuidade. Não arriscaram porque, mesmo sem tanto estudo quanto os filhos, experimentaram um incremento de renda que nem seus pais nem avós experimentaram. Para eles não era seis por meia dúzia.

NO BLOG DO CORONEL
Não adianta. O fato da eleição é este. Os mineiros nos apontaram uma esperança para, em seguida, derrotar o nosso sonho. Não a totalidade dos mineiros, mas uma parte dos nossos irmãos outrora inconfidentes cometeu um terrível erro histórico, que custará muito caro ao resto do país. Os números não mentem, só mostram verdades inconvenientes.
Primeiro ponto: se Aécio Neves tivesse feito 62,76% em Minas Gerais estaria eleito presidente do Brasil. Teria feito 1.731.000 votos a mais e, evidentemente, tirado 1.731.000 votos de Dilma Rousseff. Ela terminaria a eleição totalizando 52.770.000 votos. Ele somaria 52.772.000 votos, sendo eleito presidente da República.
Segundo ponto: Minas, mesmo assim, ainda teria dado menos votos ao mineiro Aécio Neves do que São Paulo, onde 64,31% dos paulistas sufragaram o tucano, dando um exemplo de maturidade política e de desapego a regionalismos. E mesmo em meio a uma enorme crise hídrica, causada pela falta de chuvas. Que crise Minas enfrenta para dar uma punhalada nas costas do seu mais dileto filho, esperança de metade do país em dias melhores? Nenhuma.
Terceiro ponto: não foram todos os mineiros que derrotaram Aécio, porque ele recebeu 48,36% dos votos no estado. Como precisaria de 62,76%, apenas 14,40% foram os responsáveis pela derrota do seu maior político. E, certamente, estes 14,40% não vivem de Bolsa Família, não moram no Vale do Jequetinhonha, não são pobres coitados que teriam motivos, por uma campanha suja e nojenta feita pelo PT, para não votarem em Aécio com medo de perder seus benefícios. Com toda certeza também não fazem parte do tradicional voto partidário petista. Mais certo é que façam parte da tradicional família mineira.
Portanto, nós brasileiros, não devemos culpar os nordestinos ou os beneficiários de programas sociais pela derrota de Aécio Neves. Pelo menos antes de condenar esta pequena parte de mineiros que não são petistas, que não são bolsistas, mas que devem carregar em si alguma herança genética de Joaquim Silvério dos Reis ou mesmo do carrasco que enforcou Tiradentes. 
A profunda tristeza que estava marcada no rosto de Aécio Neves, ontem à noite, não foi motivada por brasileiros. Estes só lhe deram alegrias. Foram estes mineiros, estes poucos mineiros que apequenaram a História de Minas e sangraram o seu coração. Carlos Drummond de Andrade, o mais mineiro de todos, escreveria ontem para Aécio: Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. Aécio sonhou, mas Minas não se cumpriu. Dói. Dói demais da conta.












À esquerda, o mapa das eleições de 2014. Azul é Aécio, vermelho é Dilma. À direita, o mapa da Bolsa Família. Na cor vermelha, são estados onde pelo menos 25% da população recebe o benefício. Em azul, menos de 25%.
E, mesmo assim, Aécio Neves não venceu por muito pouco. É um herói.

NA COLUNA DO CLÁUDIO HUMBERTO
Reeleita com grande votação nos grotões, a presidenta Dilma (PT) terá uma tarefa difícil em seu segundo mandato: buscar a reconciliação com a metade do País que a rejeitou nas urnas. Após campanha agressiva, multidões passaram a hostilizá-la nas grandes cidades, durante eventos em estádios, ginásios esportivos, etc., o desafio de Dilma será usar muita política e menos propaganda para reconquistar os corações.
Maior Estado do País, São Paulo definitivamente não quer papo com o PT: 65% votaram em Aécio Neves.
Será perdido o ano de 2015, segundo líderes do Congresso. É que a revelação dos ladrões do Petrolão provocará abertura de processos de cassação e ações criminais na Justiça. E isso deve paralisar o País.
Além de entregar comparsas no governo e no Congresso Nacional, o megadoleiro Alberto Youssef também está mostrando à Polícia e ao Ministério Público Federal todas as provas documentais que acumulou e deixou em mãos de pessoas de sua confiança. Ele promete revelar os bens usados pelo esquema do Petrolão para presentear corruptos, além dos números das contas desses políticos em paraísos fiscais.
Paulo Roberto Costa tratava com a cúpula do poder (Lula o chamava de “Paulinho”) e Youssef fazia o “varejo”, pagando propina a políticos.
Na terça-feira, 30, Youssef revelou à PF e ao MPF, em depoimento, que Lula e Dilma sempre souberam da roubalheira na Petrobras.
Depois de 44 anos, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), fica sem mandato após sua derrota ontem.
O senador Cristovam Buarque (PDT) diz que ficou “satisfeito” com eleição de Rodrigo Rollemberg (PSB), no DF, deixando de fora a turma de José Roberto Arruda e Joaquim Roriz: “Dos antigos, só sobrou eu”.

NO BLOG DO NOBLAT
Viva o povo brasileiro!
O país sai partido ao meio – e a maior culpa cabe ao PT com a política do “nós” contra “eles”.
27/10/2014 - 07h36
Ricardo Noblat
No domingo 21 de abril de 1985, o presidente Tancredo Neves agonizava em um hospital de São Paulo enquanto eu me preparava para escrever a coluna do Jornal do Brasil chamada “Coisas da Política”.
Tancredo poderia morrer a qualquer hora. A coluna deveria ficar pronta até às 20 horas.
No primeiro parágrafo da coluna intitulada “Viva Tancredo”, ele estava vivo, embora inconsciente. Foi morrendo. Morreu no último parágrafo.
São 14h30 deste domingo 26 de outubro de 2014. Tudo que sei até agora é que nada sei sobre a eleição ainda em curso do presidente da República – Dilma ou Aécio Neves.
O Ibope, ontem, conferiu a Dilma seis pontos de vantagem, para além do empate técnico. O Datafolha, quatro. Empate técnico, pois, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para lá ou para cá. 
O Instituto Sensus pôs Aécio quatro pontos na frente.
Espantado com a discrepância dos resultados das pesquisas? Esse é o ramo do crime perfeito. Se você acertar, acertou. Louve-se sua competência.
Se errar, foi o distinto eleitor que resolveu mudar de posição no último minuto. A culpa é dele.
Instituto que faz pesquisas para veículos de comunicação deveria se declarar impedido de simultaneamente fazer pesquisas para partidos políticos. Pega mal, convenhamos. Dá margem à suspeição.
São 15h28. Avisaram-me que a coluna deve ser fechada, no máximo, às 20 horas. A Justiça Eleitoral prevê que o primeiro boletim com resultados parciais da eleição será divulgado às 20h.
Se tivermos, de fato, diante de uma eleição apertada, como será? O que faço? Ponho um ponto final nesta coluna sem dizer quem venceu? Você me desculpará por isso?
Falando em desculpa, Lula chamou a revista VEJA de leviana por ter publicado trechos da confissão à Justiça do doleiro Alberto Yousseff, um dos operadores do esquema que desviou mais de R$ 10 bilhões da Petrobras para enriquecer políticos.
Yousseff revelou que Lula e Dilma sabiam de tudo.
Outro dia, Lula explicou que leviana tem a ver com prostituta. E recriminou Aécio por ter chamado Dilma de leviana.
Mentira de Lula – mais uma das tantas que ele propaga quase todo o dia. E de cara limpa.
Leviana quer dizer imprudente, precipitada, sem seriedade. Faz sentido chamar Dilma de leviana.
Ela sugeriu, por exemplo, que Aécio bate em mulher. Não foi uma leviandade?
Dilma ouviu militantes do PT gritarem em coro que Aécio é viciado em cocaína. Leviandade de quem gritou. Cumplicidade de quem ouviu sem protestar.
São quase 17 horas. A votação está chegando ao fim – menos no Acre com seu fuso horário de menos de três horas em relação ao horário de Brasília.
A essa altura, Dilma e Aécio fazem uma ideia de quem ganhará. Farão mesmo?
Diga-me uma coisa: choveu no Nordeste? A abstenção ali, no maior reduto eleitoral de Dilma, terá sido maior do que o esperado?
E em Minas Gerais, onde Aécio não elegeu o governador e ainda perdeu a eleição para presidente no primeiro turno?
Vença quem vencer, Dilma e o PT enfrentarão tempos difíceis. Por causa deles, vem por aí um obrigatório e duro ajuste na economia que atravessará os próximos dois anos.
Sem falar de uma crise política destinada a se transformar numa crise institucional dado os efeitos do escândalo da Petrobras sobre o Congresso e figuras coroadas do poder nacional.
Os donos do poder estão em pânico. E com razão. As maiores empreiteiras corromperam e se deixaram corromper.
Êpa! Quem se elegeu?
Está na hora de fechar a coluna. Vai assim. Foi.
Se der, acrescentem: “Dilma se elegeu. O medo venceu a mudança”. Ou então: “Aécio se elegeu. A mudança venceu o medo”.
Num caso como no outro, o país sai partido ao meio – e a maior culpa cabe ao PT com a política do “nós” contra “eles”.

NO BLOG DO REINALDO AZEVEDO
Dilma Rousseff, do PT, que vai fazer 67 anos no dia 14 de dezembro próximo, reelegeu-se presidente da República. Com a apuração concluída, ela conquistou 51,64% dos votos, contra 48,36% de seu oponente, Aécio Neves, do PSDB. Em números absolutos: 54.501.118 contra 51.041.155, uma diferença de 3.459.963. Dilma conquista o segundo mandato de forma legítima, segundo as regras do jogo, mas é importante destacar um aspecto importante. O eleitorado brasileiro é composto, neste 2014, de 142.821.348 pessoas. Logo, ela foi eleita por apenas 38% dos eleitores. Votaram em branco 1.921.819 pessoas (1,71%), e preferiram anular outros 5.219.787 (4,63%). Ocorre que um contingente gigantesco de 30.137.479 (21,1% do total) preferiram não comparecer às urnas. Vale dizer: 37.279.085 pessoas — quase a população da Argentina — preferiu não votar em ninguém. Estamos falando de mais de um quarto do eleitorado: 27,44%. E assim é com o absurdo instituto do voto obrigatório. Um presidente é ungido, note-se, com o voto da minoria do eleitorado. Parece-me que um dos deveres de Dilma é tentar atrair a adesão daqueles que preferiram outro caminho. E é nesse ponto que as coisas podem se complicar para ela.
Vamos ser claros? O PT não se caracteriza exatamente por fazer campanhas limpas. Gosta de dossiês e de montar bunkers para destruir reputações; adere com impressionante presteza às práticas mais odientas da política; transforma adversários em inimigos; não distingue a divergência legítima da sabotagem e o oponente de um alvo a ser destruído; julga-se dotado de um exclusivismo moral que lhe confere o suposto direito de enlamear a vida das pessoas. Não foi diferente desta vez. Ou foi: a violência retórica e as agressões assumiram proporções inéditas. Nunca se viram tanta baixaria, tanta sordidez e tanta mentira numa campanha.
Vejam de novo o placar: Dilma venceu Aécio por uma pequena diferença. Quantos desses votos são a expressão do terror, do medo, do clientelismo mais nefasto? Não! Não se trata, é evidente, de tachar os eleitores de Dilma de “desinformados” — até porque, felizmente, a democracia ainda não inventou um mecanismo que distinga os “bons” dos “maus” votos. Mas é preciso ser um pilantra para ignorar que pessoas economicamente vulneráveis, que estão à mercê do Bolsa Família, acabam decidindo não exatamente com menos informação, mas com menos liberdade.
Multiplicaram-se aos milhares as denúncias de chantagens aplicadas contra as pessoas que recebem benefícios sociais do Estado brasileiro. Cadastrados do Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida passaram a receber torpedos e a ser bombardeados com panfletos afirmando que Aécio extinguiria os programas, como se estes pertencessem ao PT, não ao Brasil. De própria voz, Dilma chamou os tucanos de inimigos do salário mínimo — que teve ganho real acima de 85% no governo FHC, superior, proporcionalmente, aos reajustes concedidos pela própria presidente reeleita. E daí? As mentiras sobre o passado foram constrangedoras: FHC teria entregado o país com uma inflação maior do que a que recebeu; tucanos teriam proibido a construção de escolas técnicas; o governo peessedebista teria sido socialmente perverso… E vai por aí. Sobre o futuro do Brasil, não disse uma miserável palavra a não ser um daqueles miraculosos programas — agora é a vez do “Mais Especialidades”…
Quantos dos 3.459.963 votos que Dilma obteve a mais do que Aécio se consolidaram justamente no terror? Ora, esbarrei em São Paulo com peças verdadeiramente sórdidas de agressão à honra pessoal do tucano. Estatais foram usadas de maneira vergonhosa na eleição, como se viu no caso dos Correios. Em unidades de bancos público, como CEF e BB, houve farta distribuição de panfletos contra o candidato do PSDB.
É claro que o medo, ainda que por margem estreita, venceu a esperança. Dilma assumirá o novo mandato, no dia 1º de janeiro, com boa parte dos brasileiros sentindo um certo fastio de seu governo. Pior: o país parou de crescer, os juros estão nas nuvens, e a inflação, raspando o teto da meta. Dilma também não tem folga fiscal para prebendas, e o cenário internacional não é dos mais hospitaleiros. Não será fácil atrair aqueles que a rejeitaram porque vão lhe faltar os instrumentos de convencimento.
Petrolão
Mais: Dilma já assumirá o novo mandato nas cordas. Além de todas as dificuldades com as quais terá de lidar, há o estupefaciente escândalo do Petrolão. A ser verdade o que disse sobre ela o doleiro Alberto Youssef, não vai terminar o mandato; será impichada — e por boas razões.
O escândalo não vai se desgrudar dela com tanta facilidade. Youssef pode estar mentindo? Até pode. Mas ele deve conhecer as consequências de fazê-lo num processo de delação premiada. Ele pode não servir para professor de Educação Moral e Cívica, mas burro não é. E que se note: em meio a crises distintas e combinadas, a governanta promete engatar uma reforma política, com apelo a plebiscito. Vêm tempos turbulentos por aí, podem esperar.
Dilma venceu por um triz porque o terrorismo funcionou. Sua campanha foi bem além do limite do razoável. Seu governo já nasce velho, com parcela considerável do eleitorado a lhe devotar franca hostilidade. E, por óbvio, seus “camaradas” à esquerda não vão lhe dar folga. A petista assumirá o novo mandato no dia 1º de janeiro tendo à frente o fantasma do impeachment e a realidade de uma economia estagnada.
O Brasil vai acabar? Não! Países não acabam. Eles podem entrar em declínio permanente. Mas Dilma pode ficar tranquila: nós nos encarregaremos de lembrar que ela foi eleita para governar um país segundo regras que estão firmadas pelo Estado de Direito. Ela pode contar com a nossa vigilância. Agora, mais do que nunca.
(Texto publicado originalmente às 20h22 deste domingo).

Dilma Rousseff no discurso da vitória: terninho branco, alma rubra

A presidente reeleita, Dilma Rousseff, resolveu tirar o terninho vermelho de campanha e de debates. Em seu lugar, vestiu o branco. Há a hora do Falcão e a hora da pomba. No discurso da vitória, falou em nome da paz. Cumprimentou todos os parceiros de jornada, com salamaleques especiais a Lula — nem poderia ser diferente. Entre os presentes, Ciro Nogueira, o presidente do PP, citado no escândalo do petrolão. No discurso, aquela que, segundo Alberto Youssef, sabia das vigarices na Petrobras, prometeu combater a corrupção. Ciro Nogueira aplaudiu com entusiasmo.
Dilma negou que o país esteja dividido, rachado ao meio — embora ela saiba que está, mas esse é tema para outro comentário, que ainda farei aqui. Venceu a eleição com pouco mais da metade dos votos válidos, numa disputa em que 27,44% dos eleitores se negaram a sufragar um nome: 1,71% dos votantes decidiram pelo branco; 4,63%, pelos nulos, e 21,1% se ausentaram. De fato, ela é presidente por vontade de 38% dos eleitores aptos a participar do pleito. É bem menos do que a metade. É a reeleita legítima, mas isso não muda os números.
Assim, cumpre que Dilma busque ganhar a confiança não apenas dos 51.041.155 que votaram em Aécio, mas também dos 32.277.085 que não quiseram votar em ninguém. Juntos, eles são 83.100.453, bem mais do que os 54.501.118 que a escolheram. Neste blog, eu adverti várias vezes para esse fato, não é mesmo? Critiquei severamente a campanha suja movida pelo PT porque ela acabaria deixando um rastro de ressentimentos, de rancor.
No discurso da vitória, leiam a íntegra abaixo, Dilma afirma, por exemplo:
“Toda eleição tem que ser vista como forma pacífica e segura. Toda eleição é uma forma de mudança. Principalmente para nós que vivemos em uma das maiores democracias do mundo.”
Pois é. Posso concordar em parte ao menos, embora, de fato, nas democracias, eleições signifiquem, antes de mais nada, conservação de um método: recorre-se às urnas para decidir quem governará o país. Mas sigamos. Quando o PT e Dilma transformaram os adversários em verdadeiros satãs, que fariam o país recuar nas conquistas sociais; quando os acusaram de representantes de “fantasmas do passado” — sim, essa expressão foi empregada; quando lhes atribuíram um passado que não tiveram e intenção que não teriam, será que a presidente e seu partido expressavam, de fato, fé na democracia?
Quando a chefe da nação, ainda que nas vestes da candidata, investe contra um veículo de comunicação que apenas cumpriu o seu dever, estimulando milicianos a atacar uma empresa jornalística, onde estava essa Dilma que agora veste o branco? Quando Lula comparou os opositores do PT a nazistas, acusando-os de golpistas, onde estava o PT da paz e do entendimento? “Ah, mas Aécio Neves não criticou Dilma?” É certo que sim! Mas nunca deixou de reconhecer avanços nas gestões petistas. Uma coisa é criticar a condução de políticas; outra, distinta, é acusar o adversário de articular, de forma deliberada, o mal do país.
A fala pacificadora de Dilma não me convence — até porque Gilberto Carvalho, seu secretário-geral da Presidência, quase ao mesmo tempo, falava uma linguagem de guerra. Tratarei dele em outra oportunidade. E não me convence por quê? Porque Dilma afirmou que a principal e mais urgente tarefa de seu governo é a reforma política. Ainda voltarei muitas vezes a esse assunto. Mas a tese é falaciosa. Diz a presidente reeleita que pretende conduzir o debate por meio de plebiscito — para que e com que pergunta? Em debates na TV, expressou o entendimento absurdo de que o mal essencial do nosso sistema está no financiamento de campanhas por empresas. Errado! O mal essencial no que diz respeito ao Estado está no aparelhamento do bem público em favor de partidos e camarilhas. Ou não vimos um agente do petismo, disfarçado de presidente da Agência Nacional de Águas, a fazer proselitismo eleitoral em São Paulo de maneira descarada?
Ignorar a crise de fundamentos — para ser genérico — que hoje assola a economia brasileira e que deixa o país sem perspectiva de futuro para brincar de plebiscito, constituinte exclusiva, como ela já defendeu, e reforma política corresponde a apagar incêndio com gasolina. Dilma não tenha a ilusão de que gozará de um período de lua de mel. Com ou sem razão, espero que sem (e também sobre isso falarei em outra ocasião), naquelas partes do Brasil em que pouco se olha quem sobe ou desce a rampa, desconfia-se até da inviolabilidade das urnas eleitorais.
Se a dita reforma política vai ser o seu “chamamento à união”, então, posso afirmar, com pouca chance de errar, que ela está é querendo provocar ainda mais conflitos. Não adianta vestir um terninho branco quando a alma segue vermelha, governanta.
Em seu discurso, Dilma insiste que o Brasil votou para mudar — é, talvez para que o governo mude os métodos. No que concerne às instituições, o voto crescente é para “conservar” — no caso, conservar instituições. Espero que também as oposições se deem conta disso e não tergiversem, como já fizeram no passado, na defesa dos fundamentos da democracia representativa.
No que me que diz respeito, é preciso bem mais do que um terninho branco para me comover. Ademais, sigo a máxima de que um indivíduo se dá a conhecer muito mais por seus atos do que por suas palavras.
As palavras recentes da presidente-candidata estimularam uma milícia de vagabundos a atacar uma empresa de comunicação. Por enquanto, não tem a minha simpatia nem meu voto pessoal de confiança — sei que é irrelevante para ela, mas é meu, e dele, cuido eu. E também não consigo imaginar que alguém que proponha constituinte exclusiva para fazer reforma política esteja com boa intenção. Bondade assim, já vi antes na Venezuela, no Equador e na Bolívia.
Ainda não será desta vez que Dilma vai sentir falta do meu mel.


NO BLOG DO JOSIAS
Após prevalecer sobre Aécio Neves na mais apertada disputa presidencial da história do país, Dilma Rousseff fez um ótimo discurso protocolar. Manifestou o desejo de “construir pontes” com todos os setores da sociedade. Declarou-se aberta ao “diálogo”. E prometeu honrar o desejo de mudança manifestado pelo eleitorado.
“Algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas”, leu Dilma. “É essa a minha esperança. Ou melhor, a minha certeza do que vai ocorrer…”
O futuro de Dilma chegou com tal rapidez que virou, ali mesmo, no púlpito da vitória, um futuro do pretérito. O amanhã da presidente reeleita estava gravado nas rugas da terrível cara de ontem dos aliados que a acompanham hoje.
Lá estava o vice-presidente Michel Temer, cujo partido, o PMDB, se equipa para reconduzir Renan Calheiros à presidência do Senado e acomodar Eduardo Cunha no comando da Câmara.
Lá estava Ciro Nogueira, presidente do PP, o partido que mordia propinas na diretoria de Abastecimento da Petrobras na época do ex-diretor Paulo Roberto Costa, hoje delator e corrupto confesso.
Lá estava Rui Falcão, presidente de um PT prestes a arrostar escândalo maior do que o do mensalão. Lá estava Antonio Carlos Rodrigues, do PR, uma legenda comandada pelo presidiário Valdemar Costa Neto, do escândalo anterior.
Lá estava Carlos Lupi, varrido em 2011 da pasta do Trabalho, ainda hoje sob domínio do PDT e sob investigação da Polícia Federal.
Lá estavam Gilberto Kassab, Vitor Paulo, e Eurípedes Júnior, cujas legendas —PSD, PRB e Pros— são eloquentes evidências de que o país precisa de uma reforma política. Será a primeira reforma, anunciou a re-presidente.
A alturas tantas, Dilma soou assim: “Terei um compromisso rigoroso com o combate à corrupção e com a proposição de mudanças na legislação atual para acabar com a impunidade, que é protetora da corrupção.”
A frase chega com 12 anos de atraso. 
Lula, que também estava lá, deveria tê-la transformado em mantra desde 2003. Preferiu honrar as alianças esdrúxulas a salvar a biografia. Subverteu até a semântica, apelidando o cinismo de “amadurecimento político”.
Dilma retorna ao Planalto embalada pelo pior tipo de ilusão que um presidente pode ter: a ilusão de que preside. Seu poder efetivo não vai muito além dos três andares da sede do governo. Fora desses limites todo governante é, por assim dizer, governado pelas pressões da economia e pelos entrechoques das forças contraditórias que o cercam.

O que a presidente reeleita pode fazer para aproveitar o embalo do efêmero triunfo eleitoral é projetar as aparências do poder. Que a internet e os meios de tradicionais de comunicação cuidariam de propagar.

Para espelhar a imagem que o eleitor projetou nela, falta a Dilma uma disposição de zagueiro à antiga. Do tipo que mira o calcanhar adversário nas primeiras entradas do jogo, de modo a não deixar dúvidas sobre quem manda na grande área.

O problema é que os inimigos de Dilma estão muito próximos dela. A re-presidente teria de distribuir pontapés na turma do seu próprio time. Do contrário, perceberá logo, logo que o tempo no segundo mandato não passa. Já passou!









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