DEPOIS DA MORTE
Introdução
Vi, deitadas em suas mortalhas de pedra ou de areia, as
cidades famosas da antiguidade: Cartago, em brancos promontórios, as cidades
gregas da Sicília, os arrabaldes de Roma, com os aquedutos partidos e os
túmulos abertos, as necrópoles que dormem um sono de vinte séculos, debaixo das
cinzas do Vesúvio. Vi os últimos vestígios das cidades longínquas, outrora
formigueiros humanos, hoje ruínas desertas, que o sol do Oriente calcina com
suas carícias ardentes.
Evoquei as multidões que se agitaram e viveram nesses
lugares: vi-as desfilar, diante do meu pensamento, com as paixões que as
consumiram, com seus ódios, seus amores e suas ambições desvanecidas, com seus
triunfos e reveses – fumaças dissipadas pelo sopro dos tempos. Vi os soberanos,
chefes de impérios, tiranos ou heróis, cujos nomes foram celebrados pelos
fastos da História, mas que o futuro esquecerá.
Passavam como sombras efêmeras, como espectros
truanescos que a glória embriaga uma hora, e que o túmulo chama, recebe e
devora. E disse comigo mesmo: Eis em que se transformam os grandes povos, as
capitais gigantes – algumas pedras amontoadas, colinas silenciosas, sepulturas
sombreadas por mirrados vegetais, em cujos ramos o vento da noite murmura suas
queixas. A História registrou as vicissitudes de sua existência, suas grandezas
passageiras, sua queda final, porém tudo a terra sepultou. Quantos outros cujos
nomes mesmos são desconhecidos; quantas civilizações, raças, cidades
grandiosas, jazem para sempre sob o lençol profundo das águas, na superfície
dos continentes submersos!
E perguntei a mim mesmo: por que essas gerações a se
sucederem como camadas de areia que, acarretadas incessantemente pelas ondas,
vão cobrir outras camadas que as precederam? Por que esses trabalhos, essas
lutas, esses sofrimentos, se tudo deve terminar no sepulcro? Os séculos, esses
minutos da eternidade, viram passar nações e reinos, e nada ficou de pé. A
esfinge tudo devorou!
Em sua carreira, para onde vai, pois, o homem? Para o
nada ou para uma luz desconhecida? A Natureza risonha, eterna, moldura as
tristes ruínas dos impérios, com os seus esplendores. Nela nada morre, senão
para renascer. Leis profundas, uma ordem imutável, presidem às suas evoluções.
Só o homem, com suas obras, terá por destino o nada, o olvido? A impressão
produzida pelo espetáculo das cidades mortas, ainda a encontrei mais pungente
diante dos frios despojos dos entes que me são caros, daqueles que partilharam
a minha vida.
– Um desses a quem amais vai morrer. Inclinado para
ele, com o coração opresso, vedes estender-se lentamente, sobre suas feições, a
sombra da morte. O foco interior nada mais dá que pálidos e trêmulos lampejos;
ei-lo que se enfraquece ainda, depois se extingue. E agora, tudo o que nesse
ser atestava a vida, esses olhos que brilhavam, essa boca que proferia sons,
esses membros que se agitavam, tudo está velado, silencioso, inerte. Nesse
leito fúnebre mais não fui que um cadáver! Qual o homem que a si mesmo não
pediu a explicação desse mistério, e que, durante a vigília lúgubre, nesse
silenciar solene com a morte, deixou de refletir no que o espera a si próprio?
A todos interessa esse problema, porque todos estamos sujeitos à lei.
Convém saber se tudo acaba nessa hora, se mais não é a
morte que triste repouso no aniquilamento, ou, ao contrário, o ingresso em
outra esfera de sensações.
Mas, de todos os lados levantam-se problemas. Por toda
parte, no vasto teatro do mundo, dizem certos pensadores, reina como soberano o
sofrimento; por toda parte, o aguilhão da necessidade e da dor estimula esse
galope desenfreado, esse bailado terrível da vida e da morte. De toda parte
levanta-se o grito angustioso do ser que se precipita no caminho do
desconhecido. Para esse, a existência só parece um perpétuo combate: a glória,
a riqueza, a beleza, o talento – realezas de um dia! A morte passa, ceifando
essas flores brilhantes, para só deixar hastes fanadas.
A morte é o ponto de interrogação ante nós
incessantemente colocado, o primeiro tema a que se ligam questões sem-número,
cujo exame faz a preocupação, o desespero dos séculos, a razão de ser de imensa
cópia de sistemas filosóficos. Apesar desses esforços do pensamento, a
obscuridade tem pesado sobre nós. A nossa época se agita nas trevas e no vácuo,
e procura, sem achar, um remédio a seus males. Imensos são os progressos
materiais, mas no seio das riquezas acumuladas, pode-se ainda morrer de
privações e de miséria. O homem não é mais feliz nem melhor. No meio dos seus rudes
labores, nenhum ideal elevado, nenhuma noção clara do destino o sustém; daí
seus desfalecimentos morais, excessos de revoltas. Extinguiu-se a fé do
passado; o cepticismo e o materialismo substituíram-na e, ao sopro destes, o
fogo das paixões, dos apetites, dos desejos, tem-se ateado. Convulsões sociais
ameaçam-nos.
Às vezes, atormentado pelo espetáculo do mundo e pelas
incertezas do futuro, o homem levanta os olhos para o céu, e pergunta-lhe a
verdade. Interroga silenciosamente a Natureza e o seu próprio espírito. Pede à
Ciência os seus segredos, à Religião os seus entusiasmos. Mas, a Natureza
parece-lhe muda, e as respostas dos sábios e dos sacerdotes não satisfazem à
sua razão nem ao seu coração. Entretanto, existe uma solução para esses
problemas, solução melhor, mais racional e mais consoladora que todas as
oferecidas pelas doutrinas e filosofias do dia; tal solução repousa sobre as
bases mais sólidas que conceber se possa: o testemunho dos sentidos e a
experiência da razão.
No momento mesmo em que o materialismo atingia o seu apogeu,
e por toda parte espalhava a idéia do nada, surge uma crença nova apoiada em
fatos. Ela oferece ao pensamento um refúgio onde se encontra, afinal, o
conhecimento das leis eternas de progresso e de justiça. Um florescimento de
idéias que se acreditava mortas, mas que dormitavam apenas, produz-se e anuncia
uma renovação intelectual e moral. Doutrinas, que foram a alma das civilizações
passadas, reaparecem sob mais desenvolvida forma, e numerosos fenômenos, por
muito tempo desdenhados, mas cuja importância enfim é pressentida por certos
sábios, vêm oferecer-lhe uma base de demonstração e de certeza. As práticas do
magnetismo, do hipnotismo, da sugestão e, mais ainda, os estudos de Crookes,
Russel Wallace, Paul Gibier, etc., sobre as forças psíquicas, fornecem novos
dados para a solução do grande problema. Abrem-se abismos, formas de existência
revelam-se em centros onde não mais se cuidava de observá-los. E, dessas
pesquisas, desses estudos, dessas descobertas, nascem uma concepção do mundo e
da vida, um conhecimento de leis superiores, uma afirmação da ordem e da
justiça universais, apropriados a despertar no coração do homem, com uma fé
mais firme e mais esclarecida no futuro, um sentimento profundo dos seus
deveres, um afeto real por seus semelhantes, capazes de transformarem a face
das sociedades.
É essa doutrina que oferecemos aos pesquisadores de
todas as ordens e todas as classes. Ela já tem sido divulgada em numerosos
volumes. Acreditamos nosso dever resumi-la nestas páginas, sob uma forma
diferente, na intenção daqueles que estão cansados de viver como cegos,
ignorando-se a si mesmos, daqueles que não se satisfazem mais com as obras de
uma civilização material e inteiramente superficial, mas que aspiram a uma
ordem de coisas mais elevada. É sobretudo para vós, filhos e filhas do povo,
para quem a jornada é áspera, a existência difícil, para quem o céu é mais
negro, mais frio o vento da adversidade; é para vós que este livro foi escrito.
Não vos trará ele toda a ciência – que o cérebro humano não poderia conter –,
porém será mais um degrau para a verdadeira luz. Provando-vos que a vida não é
uma ironia da sorte nem o resultado de um acaso estúpido, mas a conseqüência de
uma lei justa e eqüitativa, abrindo-vos as perspectivas radiosas do futuro, ele
fornecerá um alvo mais nobre às vossas ações, fará luzir um raio de esperança
na noite de vossas incertezas, aliviará o fardo de vossas provações e
ensinar-vos-á a não mais tremer diante da morte. Abri-o confiantemente; lede-o
com atenção, porque emana de um homem que, acima de tudo, quer o vosso bem.
Entre vós, muitos talvez rejeitem nossas conclusões: um
pequeno número somente as aceitará. Que importa! Não vamos em busca de êxitos.
Um único móbil inspira-nos: o respeito, o amor à verdade. Uma só ambição
anima-nos: quereríamos, quando nosso gasto invólucro voltasse à terra, que o
Espírito imortal pudesse dizer a si mesmo: minha passagem pelo mundo não terá
sido estéril se contribuí para mitigar uma só dor, para esclarecer uma só inteligência
em busca da verdade, para reconfortar uma só alma vacilante e contristada.
Do livro <Depois da Morte>, de Léon Denis
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