UM BAIANO NA SICÍLIA


Tribuna da Internet, segunda-feira, 13 de agosto de 2012 | 03:24

Um baiano na Sicília

Sebastião Nery
E chegou a Roma, em 1990, Jorge Amado, com Zélia Gattai e a filha Paloma, para receber na Sicilia o “Premio Mediterraneo”, matriz da civilização européia. Fez um debate no “Centro de Estudos Brasileiros” da embaixada, na monumental Piazza Navona. Com eles fomos para Palermo, capital da Sicilia, o ministro-conselheiro Arnaldo Godoy Cravo, a diretora do nosso “Centro de Estudos Brasileiros”, na embaixada, a bela Maria Lucia Verdi, e eu, baiano e adido cultural. A Sicilia fez-lhe uma festa baiana. Na entrega do premio, no Centro de Cultura Mediterranea, o cardeal Salvatore Papalardo, o governador da Província, o presidente do Parlamento, escritores, professores. E leitores.
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JORGE AMADO
Na Faculdade de Línguas e Literatura de Palermo, Jorge Amado debateu horas com estudantes. Queriam saber sobretudo como o Brasil conseguiu misturar suas raças, quando a Europa mergulhava em um perigoso conflito com os imigrantes. Jorge Amado explicou: – “A Constituição soviética é modelar contra qualquer discriminação social. No entanto, 70 anos depois, as varias nacionalidades ainda se devoram. Por que? Porque racismo só acaba na cama, com mistura racial e amor. Quando o primeiro portugues amou a primeira índia e a primeira negra, começava no Brasil o mistério da língua e da Nação”.
À noite, na casa de Geangaspare Ferro, italiano, e Hilda Ferro, carioca, comendo uma feijoada feita por uma baiana casada com um siciliano, estavam casais que se conheceram porque o leram, descobriram o Brasil nos livros dele, encontraram-se, casaram e agradeciam a Jorge. E deram aos filhos os lindos nomes dos personagens de Jorge.
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SICILIA
Depois, fomos perambular pela Sicilia. O grego Homero a chamou “1lha do Sol”. Mas quem melhor a definiu foi Goethe, o alemão: -“Sem ver a Sicília, não se faz idéia da Itália. É a chave de tudo.” O siciliano Tuci Lombardo, ministro da Cultura, disse-nos: – A Sicília é também a Máfia, mas não é só. (“Anche la Máfia, ma non solo”). Nenhum outro lugar do mundo com tanta historia, em tão pouco espaço. O grande patrimônio da Sicília são seus bens culturais. Temos o mundo fenício, o grego, o romano, o bizantino, o árabe, o normando, o espanhol, o francês, o barroco, o germânico. Todo o Ocidente.
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FENICIA
Os brasileiros sempre tivemos uma idéia nebulosa da Sicília: uma ilha na ponta da bota da Itália, a terra da Máfia, uma província italiana. Pois a Sicília não é filha da Itália. É avó. Não veio do Império Romano, é anterior. A civilização grega, antes de chegar a Roma, já estava na Sicília. Grecia e Roma são mães da Europa, a Sicilia é a avó. Quando os gregos chegaram lá, entre o 7º e 8º séculos antes de Cristo, e fundaram Taormina, Siracusa, Catânia, Agrigento, Selinunte, a leste e ao sul da ilha, já no outro lado, ao norte e a oeste, estavam os fenícios desde o século 10º antes de Cristo, vindos da Síria: semitas inventores do alfabeto que os gregos aperfeiçoaram, comerciantes criadores do dinheiro.
Os fenícios,já instalados no norte da África, sobretudo em Cartago, chegaram à Sicília e criaram sua primeira cidade, Panormo (hoje Palermo, a capital), onde começou a civilização do Mediterrâneo, a matriz fenícia e grega da Europa. Amílcar, Aníbal, generais de Catargo, enfrentaram os guerreiros gregos Timoleão e Agatocle e as invenções de Arquimedes. Só no século 3º AC, em 264, Roma chegou à Sicília com Pirro, para ajudar os gregos na luta contra os fenícios, na primeira Guerra Púnica. Roma derrotou Cartago, expulsou os gregos e ficou na ilha.
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100ANOS
Foi em Palermo, capital da Sicília, mais velha do que Roma, onde se criou a primeira Universidade do mundo, e, no ano 1130 se instalou o primeiro Parlamento do mundo, que Jorge Amado recebeu o “Prêmio Mediterrâneo Internacional”, um dos mais importantes da Europa.
Numa festa bem italiana, descontraída, simpática, comandada pelo editor Penzo Mazzone, pelo presidente do Centro de Cultura Mediterrânea Mario Sansone, saudado por Alberto Bevilacqua como um dos mais importantes escritores do mundo, Jorge Amado fez um discurso dizendo que não nasceu para ser importante e na sua literatura queria ser apenas a voz e o desenhista da alma do povo brasileiro, seus sonhos, vida e lutas. O saudoso Jorge fez 100 anos. Também quis dizer-lhe meu adeus.

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