-HOMENAGEM AO GIGANTE DEITADO-
Por Estênio Negreiros (estenionegreiros@hotmail.com)
Fortaleza, Ceará, Brasil
“Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso
adormeceu,
Quem não sentiu o frio da
desgraça,
Quem passou pela vida e
não sofreu,
Foi espectro de homem,
não foi homem,
Só passou pela vida,
não viveu.
Esta singular trova é de autoria do
poeta fluminense Francisco Otaviano (1825-1889). Nela, o autor parece querer
dizer que a dor e o sofrimento são necessários ao burilamento do Espírito e ao
fortalecimento da têmpera do Homem enquanto matéria.
Jesus ensinou: “Bem-aventurados os
aflitos, deles é o Reino dos Céus.” No <O Evangelho Segundo o
Espiritismo> (cap. V-18), o Espírito Lacordaire, em mensagem mediúnica
transmitida em 1863, em Havre, França, aduz que Jesus neste ensinamento não se
referia aos sofredores de modo generalizado, uma vez que todos que nesta Terra
habitamos, de um modo ou de outro, sofremos. A única diferença está no bem ou
mal sofrer, ou seja, saber sofrer com resignação e até mesmo encontrar a
alegria no padecimento porque somente as provas bem sustentadas nos conduzem à
Morada do Senhor.
Em Sua infinita Sabedoria e Justiça,
Deus somente coloca em nossos ombros a carga que possamos aguentar. Assim como
o nosso fardo é proporcional à nossa força, também a recompensa é conformada à
nossa coragem e resignação em aceitar o peso das nossas provas e expiações.
Mas como estamos longe de aprender
tais lições! Maldizemos a vida, achando ímpares as nossas dificuldades. Temos a mania
de decuplicá-las em comparação às dos outros e de reclamar com impaciência dos
percalços do cotidiano, pretendendo que tudo se arranje às nossas conveniências; e
quando não o conseguimos nos irritamos por sermos contrariados, muitas vezes
nos insurgindo contra Deus, culpando-O pelos nossos fracassos e contrariedades,
julgando não merecermos passar o que passamos, sem compreendermos que toda tribulação a nos
afligir é um aprendizado necessário ao nosso aprimoramento moral e purgador de
nossas culpas.
Faço este preâmbulo para pôr o leitor
face a face com um resumo da dolorosa e comovente história de um homem – hoje
Espírito - a quem rendo, por meio deste modesto escrito, meu preito de respeito
e admiração.
Caiu-me às mãos recentemente e por
empréstimo uma curta obra literária que me impressionou sobremaneira,
levando-me a refletir o quanto sou insignificante perante a majestosa fortaleza
moral, estruturada na coragem, na paciência, na resignação, no otimismo e na fé
do personagem desse livro em face da dor.
O livro narra, resumidamente, a curta
porém proveitosa existência física de Jerônimo Mendonça Ribeiro, nascido em
Ituiutaba, MG, no dia 1º de novembro de 1939, falecido em 26 de novembro de
1989 e que ficou conhecido em muitos lugares Brasil afora como <O Gigante
Deitado> (*), que aliás é o título da produção literária que merecidamente
lhe homenageia.
Nono filho de uma prole de dez
irmãos, filhos de um carreiro e modesto lavrador e de uma humilde lavadeira, Jerônimo,
ainda púbere, começou a sentir fortes dores nas articulações, particularmente
nos joelhos e nos tornozelos, onde logo se iniciou um processo de inchação.
Aos dezoito anos já caminhava com
muita dificuldade e não demorou muito para ter de locomover-se numa cadeira de
rodas. Pouco tempo depois, com o agravamento da doença (artrite reumatóide),
foi obrigado a permanecer, pelo resto dos seus dias neste mundo, numa cama
ortopédica.
Izaías Claro assim se expressa, em
1994, na Apresentação do livro <O Gigante Deitado>:
“Que o leitor, ao ler estas páginas, imagine um homem totalmente
paralítico, num leito há mais de trinta anos, sem mover nem o pescoço, cego há
quase vinte anos, com dores no corpo, dores terríveis no peito, necessitando de
quilos de peso de areia para suportar a dor, tomando Isordil várias vezes ao
dia, e, ainda assim, resignado, sereno.”
Mesmo com
todas essas limitações, “Jerônimo viajou pelo Brasil afora proferindo
palestras, cantando, consolando e orientando centenas de pessoas”.
Para ‘amenizar’ a situação acima
descrita, o homem ainda era cardíaco!
Relata um dos depoentes no livro,
amigo de Jerônimo, o advogado e expositor espírita, Dr. Manoel Tibúrcio
Nogueira: “Já há vários anos não havia
explicação científica para o fato do Jerônimo Mendonça Ribeiro estar ainda
encarnado. Seu corpo não oferecia as mínimas condições de “vida”. Seu pulso, seus
batimentos cardíacos, não eram mais registrados pelos instrumentos da Medicina,
tal a sua fragilidade. Mas Jerônimo viajava, trabalhava, agia. Nunca quis vida
mansa.”
O admirável em Jerônimo não é somente
o fato de ele ter enfrentado suas provas ou expiações com estoicismo, coragem
moral, paciência, otimismo, resignação e fé. Em que pese as suas condições
físicas limitadíssimas, não deixou se abater por elas. Até o último dia de sua
vida física dedicou-se integralmente ao trabalho beneficente em favor dos mais
necessitados, “transformando o seu leito numa tribuna ambulante e, por meio
dela, conseguiu realizar um valioso trabalho. Percorreu o Brasil levando a
mensagem espírita com palestras edificantes”, no dizer de Hugo Gonçalves, de
Cambé, Paraná.
Em Ituiutaba, MG, fundou o Centro
Espírita Seareiros de Jesus, a Gráfica Espírita Cairbar Schutel e o Lar Espírita
Pouso do Amanhecer. Em São José dos Campos, SP, edificou a Comunidade Espírita
Maria João de Deus e a Casa da Sopa Jerônimo Mendonça. Sabe-se que deixou mais realizações em outras cidades brasileiras.
Apesar de ter estudado apenas até o
quarto ano primário, escreveu e deixou editados seis livros, afora inúmeras
poesias românticas e um sem-número de fitas gravadas com mensagens edificantes.
Detentor de inteligência vivaz, de
espírito alegre e brincalhão, fazia troça de suas restrições físicas e sempre
aconselhava aos que lhe procuravam valendo-se do seu permanente bom-humor.
O Livro <O Gigante Deitado>
enfeixa sessenta e duas pequenas histórias interessantes narrando fatos
ocorridos com Jerônimo ao longo de sua breve, porém proveitosa e exemplar vida.
No dia 24 de novembro de 1989, uma
sexta-feira, Jerônimo regressara de Curitiba, PR, aonde fora proferir palestra.
Chegou cansado, a voz débil. No sábado seguinte, em que pese sua fadiga, ainda
teve forças para realizar ligações telefônicas – sempre auxiliado por uma
pessoa que lhe segurava o fone ao seu ouvido – dando continuidade à sua
permanente campanha de arrecadação de donativos para aqueles a quem assistia.
No dia 26 de novembro de 1989,
Jerônimo Mendonça Ribeiro desencarna, despojando-se da veste física veículo das
suas dores e provações terrenas.
“(...) Como um pássaro, libertou-se.
Alçou vôo, sem se queixar, tranqüilo, sereno, como sabíamos que seria a
desencarnação desse grande homem, gigante deitado no leito que o prendia. (...)
Jerônimo Mendonça Ribeiro! Seja bem-vindo ao Mundo Espiritual, amigo.” Assim se
expressou o Jornal <O Imortal>, de Ituiutaba, MG, em sua edição de
dezembro de 1989.
O médium Isaías Claro diz no livro, em junho de 1994: “É possível perceber a
presença alegre, forte e indisfarçável deste nobre Amigo, desde há muito em
excelente condição espiritual e perfeitamente integrado nas tarefas do Cristo.
(...) Em nosso trabalho mediúnico temos tido, com regular freqüência, o
abençoado ensejo de ouvi-lo, de falar-lhe. E, quando chega, saudando-nos, diz
com emoção: ‘Sou o Pássaro Livre’, invariavelmente vestido com o seu indefectível terno branco.”
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(*) O Gigante Deitado, de autoria de
Jane Martins Vilela – 5ª edição – agosto de 2011 – Casa Editora o Clarim.
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