A 'OPERAÇÃO FIDÚCIA'DA CEF EM FORTALEZA: CONFIDÊNCIAS DE UMA FRAUDE

OPERAÇÃO FIDÚCIA. INVESTIGAÇÃO 19/04/2015
Confidências de uma fraude
Dos bastidores da investigação da Polícia Federal que descobriu empréstimos fraudados na Caixa Econômica no Ceará, O POVO revela segredos, minúcias e vínculos aparentemente distantes. o rombo passaria de R$ 100 milhões

FOTO: ENVIADA AO WHATSAPP O POVO
Fachada da mansão de Ricardo Carneiro, no Porto das Dunas, no dia que foi deflagrada a Operação Fidúcia
A festa oferecida por Ricardinho Carneiro, em sua mansão no Porto das Dunas, foi uma recepção calorosa, farta. Uísque 12 anos, champanhe Chandon Excellence, banda e DJ. Gostava de receber bem e ter gente importante por perto. Mas, naquela noite de 12 de janeiro de 2013, começo do novo ano, havia também a comemoração particular. Financeiramente falando, 2012 havia sido ótimo para o anfitrião.
Segundo a Polícia Federal, Ricardinho e seus dois irmãos, Fernando e Diego, mais alguns dos que bebiam ali, aplicaram um golpe nada modesto contra a Caixa Econômica Federal. Estima-se que foram desfalcados R$ 100 milhões. A investigação, que desaguou em 24 de março de 2015 na chamada Operação Fidúcia, já rastreou R$ 20.937.055,19 do rombo. Liberações financeiras registradas entre 2012 e 2013. Está tudo no relatório do inquérito 0523/2014, da PF.
Fidúcia quer dizer confiança e também significa ousadia. No meio financeiro, sela um acordo entre as partes. A PF tratou como crime, atrevimento fora da lei. A investigação de quase um ano descobriu que um grupo de empresários usava empresas de fachada para captar empréstimos por fraude. Para isso, teriam aliciado ou enganado gerentes da Caixa e “laranjas” e forjado documentos. Chefiados pelos irmãos Carneiro, apontam os federais. Valia a festa. Mas, a casa caiu.
SILÊNCIO E DESLIZE
O delegado fez a pergunta mais comum: como é mesmo seu nome? A resposta ajudaria a entender como o jovem consultor para tributos e administração empresarial, 42 de idade e apenas oito de atuação no mercado de Fortaleza, engordou tanto sua fortuna. O ‘chateau’ onde mora é vistoso. Nove carrões importados na garagem, de Porsche a Maserati - guardava alguns no vizinho, tantos que eram. Tinha um avião. Salário declarado de R$ 20 mil bancaria esse luxo? 
Ricardinho afirmou que seu nome de fato é Ricardo Alves Carneiro, mas admitiu também possuir a RG com o nome Ricardo Carneiro Filho.
“Isso se deu porque seu pai o registrou com o nome de Ricardo Carneiro Filho, enquanto sua mãe, na época em vias de separação, realizou seu registro como Ricardo Alves Carneiro”, descreve o relatório da PF. Usava como conviesse, disseram cinco dos suspeitos investigados na fraude. Caiu na pergunta seguinte: e os quatro CPFs? Respondeu que, a partir daquele momento, exerceria “o direito de permanecer em silêncio a todos os questionamentos formulados”, anotou o escrivão. E calou-se ao resto das perguntas.
Só ele usou esse direito entre os interrogados. Ricardinho se confundia: chegou a pagar passagem para os EUA no nome de um, usando o cartão de crédito do outro. Um deslize que acabou rastreado pelos federais.
FOTO E ALMOÇO
Israel Batista Ribeiro Júnior, o gerente da Caixa que teria ajudado muito ao esquema, segundo a investigação, estava de camisa quadriculada. Traje mais condizente à festa junina. Na mesma foto, Ricardinho destacou-se pela camisa florida dentre os demais. Os dois aparecem abraçados. No entanto, Israel disse, em longo depoimento, que jamais manteve qualquer tipo de relação pessoal com o empresário. Essa foto e outro depoimento o desmentem. Geovane Silva Oliveira Filho, consultor que foi preso temporariamente e nega ser parte da fraude, afirmou à PF que outro dia até viu apenas Israel e Ricardo almoçando no restaurante na Aldeota.
“Tinham relação de amizade”. Israel já foi demitido da Caixa, mas nega cumplicidade. Entre os maios de 2012 e de 2013, só ele concedeu 17 empréstimos ao esquema, R$ 15.841.285,00.
CHEGOU, SAIU
Em 20 dos empréstimos identificados pela PF, a maioria solicitava verba para compra de maquinário. Liberado, o dinheiro seguia da Caixa Econômica para a conta das empresas supostamente fornecedoras e, às vezes até no mesmo dia, já era transferido, quase online, para a conta bancária da RC Construções e Incorporações Imobiliárias ou da RC Assessoria e Consultoria Administrativa Financeira e Empresarial. Tudo como previa o esquema, aponta a PF.
DE 6 PARA 70
A investigação aponta que David Áthilla Andrade era tido como “superstar” entre gerentes PJ (atendimento pessoa jurídica), segundo colegas de banco. Principalmente por ultrapassar muito as metas internas de concessão de crédito. Na agência Náutico, onde trabalhava, sua voracidade funcional destoava dentro da Caixa. Chegou a saltar, de um mês para outro, dos R$ 6 milhões para R$ 70 milhões aprovados. Quando a meta seria R$ 3 milhões. Era elogiado pelos superiores. Demitido pelas irregularidades detectadas, David jogou informações do esquema no ventilador e repassou um “dossiê” que ajudou no trabalho da PF.
OPERAÇÃO 650
Emails entre chefes reforçavam as investigações internamente na Caixa Econômica sobre a fraude. Num deles, suspeitas sobre a chamada Operação 650-BCD, que é como a Caixa nomina concessão de financiamento para compra de Bens de Consumo Duráveis (maquinários). Quando o dinheiro foi liberado, as empresas de fachada ainda ganharam seis meses de carência para começar a pagar. Na mensagem, Bulgari Construções, Conde Construções, Rede de Construção Civil do Norte e Impacto Construções, suspeitas em contratos firmados entre 2012 e 2013. 
ARMAS, PAPÉIS E UM AVIÃO
Os 25 mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF buscaram possíveis elos do esquema em endereços residenciais e comerciais. O avião, em nome da RC Assessoria, estava guardado no hangar do Catu Leve Clube de Aviação. Novíssimo, de 2013, tem só 100 horas de voo. Das 10 aves silvestres que guardava em casa, sem autorização, Ricardinho Carneiro acabou multado pelo Ibama em R$ 45.500,00. A maioria teve pendrives, HDs, computadores, joias, celulares e documentos levados pelos federais. Da casa de Israel, a PF também levou 25 relógios de boa marca. Na casa de Egberto Bossardi, além de R$ 70 mil, uma pistola de precisão, dois revólveres calibre 38, munição. Havia registros das armas.

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